Por que é tão difícil ser brasileiro: economia, cultura, sociedade e política

 

Foto: Reprodução/Internet
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A rede social é um dos grandes fenômenos para se identificar pensamentos coletivos e tendências da sociedade, trazendo a tona o que Manuel Castells chamou de ‘a sociedade em rede’. Outro dia acessando o Facebook li a seguinte mensagem em minha linha do tempo: “ser brasileiro não é para amador, é preciso ser herói para viver aqui”. Refletindo sobre aquele sentimento de um dos membros da minha rede, resolvi escrever este artigo, a fim de construir diferentes conexões entre as dificuldades econômicas, sociais e políticas que os brasileiros encaram todos os dias.

Os desafios para se ter uma vida plena no Brasil são imensos, vão do campo às grandes cidades. Boa parte destes desafios nasce de traços culturais da nossa sociedade, onde um indivíduo quer levar vantagem sobre o outro – desde aquele que utiliza o acostamento ou o corredor de ônibus para escapar do congestionamento, até aquele que faz uso da propina e do suborno para se livrar de uma multa ou obter alguma vantagem, muitas vezes ilegal – são ações que permeiam as diferentes instituições e dimensões da vida dos brasileiros. Trata-se de uma sociedade com valores onde os fins justificam os meios, o que prejudica até mesmo regras básicas de convívio social, como o respeito às vagas de estacionamento destinadas aos portadores de necessidades especiais e aos idosos.

Uma mudança cultural do individualismo para as causas coletivas está em andamento no Brasil, ainda que passando por um lento período de transição. O importante é que avanços já podem ser vistos, mas algumas questões sociais cruciais ainda levantam muita polêmica: o grande debate sobre a existência e a importância do Bolsa Família, apesar de seus benefícios já estarem mais do que comprovados, sendo superiores as suas disfunções; a resistência de uma minoria que está no poder pela implantação do imposto sobre fortunas, o que seria mais do que justo, uma vez que quem ganha mais deve pagar mais, na expectativa de se desonerar a carga tributária dos produtos e serviços, visando a redução da desigualdade social; as opiniões contrárias à existência de um sistema de cotas raciais, num país que atravessou séculos de escravidão dos negros, onde o preconceito ainda existe de forma velada – outro dia mesmo conheci um jovem interessantíssimo que foi preso sem ter infringido a lei; o seu “crime” foi ser mulato, pobre e morador de uma favela. São exemplos que demonstram o atraso com os princípios republicanos. O debate deve ser outro.

Em uma das visitas que fiz a Cidade Tiradentes, bairro do extremo leste de São Paulo, conheci um morador que gastava em média 6 horas por dia em deslocamentos pela cidade, contabilizando apenas os caminhos entre sua casa e o trabalho. Ele era porteiro de um prédio no Brooklin, um bairro nobre da região sul, onde ganhava um pouco mais de um salário mínimo e uma cesta básica todos os meses. O seu traslado envolvia o uso de ônibus, trem, metrô e algumas caminhadas, uma vez que aqui não se planeja o sistema de transporte público de forma integrada e, tão pouco, com qualidade. Resumidamente pode se dizer que a vida daquele cidadão é como a vida de milhões de outros brasileiros, seja em São Paulo, no Belém ou em Manaus, uma realidade parecida com a da época da Revolução Industrial, onde a jornada de trabalho era de 14 a 16 horas ao dia (ao somarmos o tempo de deslocamento dos brasileiros que vivem em áreas periféricas ao tempo da jornada de trabalho, teremos algo como aquela época).

A infraestrutura precária impede também o crescimento dos setores produtivos e coloca o país cada vez mais abaixo no índice de competitividade das nações, reflexo de um modelo construído pelos interesses de um sistema apropriado pelas grandes corporações de setores específicos. A relação fica evidente nos financiamentos das campanhas políticas, que no Brasil são em grande parte realizados pelas empreiteiras, pelas montadoras, pelos bancos e pelos grupos do agronegócio. Juntando os interesses desses três setores, como numa fórmula matemática, chegaremos ao seguinte resultado: 1) um espaço urbano pensado e construído para a ocupação dos automóveis, em detrimento das pessoas e do transporte coletivo, afinal é de interesse que se construam túneis, pontes, viadutos e que se vendam cada vez mais carros; 2) um setor logístico saturado, baseado no uso de caminhões e pequenos utilitários, subaproveitando os transportes ferroviários e fluviais, alimentando o modelo de construção de rodovias e a venda de automotivos; 3) um ambiente econômico desfavorável às micro e pequenas empresas, através da criação descabida de taxas e aumento de juros bancários, tudo dentro da lei; 4) uma economia manipulada por especuladores e intermediários financeiros, aumentando o custo de vida e fazendo com que a taxa de endividamento das famílias brasileiras seja cada vez maior; 5) uma verdadeira crise ambiental, alimentada pela falta de planejamento do crescimento das cidades, pelos constantes desmatamentos em áreas de florestas, pelo uso excessivo de defensivos agrícolas e pela criação do novo código florestal brasileiro, desencadeando danos irreversíveis à biodiversidade. Esta lista certamente poderia ser maior – a crise do setor elétrico, o lobby da indústria de petróleo, os especuladores do setor de grãos, a escassez da água doce, dentre outros temas – mas para este artigo nos cabe chegar até aqui.

Esta convergência de problemas e crises é ocasionada principalmente pela falta de governança do sistema político, onde o governo planeja e executa ações sem a participação popular, seguindo as diretrizes dos seus grupos de interesse, sem contar a ausência de instrumentos formais de avaliação dos programas de governo. Dentre as tendências traçadas pela ONU está a da ‘Governança Participativa’, onde os processos de decisão e de articulação das políticas públicas passam para as mãos da população. Dessa forma, naturalmente o dinheiro público seria investido de uma forma eficaz, produzindo resultados e evitando a corrupção. Se assim fosse, certamente hoje não teríamos atingido a marca de R$ 30 bilhões de investimento público em obras da Copa do Mundo, principalmente empregados na construção de estádios, num país onde falta carteira, giz e lousa em boa parte das mais de 150 mil escolas dos 5.570 municípios brasileiros.

Neste cenário fica evidente que o Brasil precisa urgentemente de reformas, principalmente no que diz respeito aos setores político e tributário. Reformas que passam por uma mudança cultural. Estas duas reformas, se feitas com profundidade, reduzirão a desigualdade social, tornarão o ambiente mais favorável ao empreendedorismo e aos investimentos internacionais, melhorarão a qualidade dos serviços públicos e o funcionamento dos três poderes, provocando as mudanças necessárias para a construção de uma nova nação.

* Diego Conti é doutorando em administração e pesquisador do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP.

** Publicado originalmente no site Mercado Ético.