Arquivo

Turquia caminha na corda bamba da Crimeia

Turquia

Istambul, Turquia, 12/3/2014 – A crise na península ucraniana da Crimeia obriga a Turquia a realizar um delicado equilíbrio: se sente responsável pela proteção da minoria tártara, mas não deseja afetar suas relações econômicas com a Rússia. São inúmeras as razões para o interesse de Ancara na Crimeia: a região foi parte do Império Otomano entre 1470 e 1783, e os turcos têm estreitas ligações culturais com os tártaros da Crimeia, que representam cerca de 15% da população da península.

Porém, seria muito difícil para o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, adotar uma postura mais agressiva diante da Rússia, para satisfazer muitos nacionalistas turcos, sem colocar em risco o comércio com Moscou. Estima-se em centenas de milhares os tártaros radicados na Turquia, a maioria descendente dos que abandonaram a Crimeia depois da anexação da região pelo império russo em 1783.

Entretanto, apesar de todos os fatores históricos e culturais em jogo, poderiam ser as considerações de política interna a constituírem o principal fator para definir a postura de Ancara diante da crise ucraniana.

Erdogan se viu seriamente afetado nas últimas semanas por denúncias de corrupção em grande escala dentro de seu círculo próximo e em sua família. Agora se esforça para reforçar sua base política e se prepara para sua primeira prova eleitoral desde que surgiu o escândalo: as eleições locais previstas para o dia 30 deste mês.

O governante Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) depende do significativo apoio de elementos nacionalistas. Por isso, altos funcionários em Ancara insistem em defender os interesses tártaros em meio à ocupação russa da Crimeia, região que pertence à Ucrânia desde 1954.

“Que não passe por suas mentes a ideia de que nosso primeiro-ministro e nosso presidente estarão indiferentes a qualquer tema que afete nosso povo irmão na Crimeia e em qualquer outra parte do mundo”, declarou o chanceler, Ahmet Davutoglu, no dia 3 deste mês, diante de líderes tártaros na Turquia. Ele fez essas declarações depois de protestos em Ancara e de outras manifestações menores em cidades com grandes comunidades tártaras. “O que acontece na Crimeia hoje nos aterra a todos”, disse à CNN Turquia Zafer Karatay, representante turco do Parlamento Nacional Tártaro da Crimeia.

O governo de Erdogan já sofre uma enorme pressão pelo escândalo de corrupção e pelo ainda latente ressentimento social causado pela forma como reprimiu, no ano passado, os protestos contra a construção de um centro comercial no Parque Tarksim Gezi. Assim, poderia afundar politicamente se for acusado de debilidade em temas referentes a povos amigos da Turquia.

“Eles (os líderes do AKP) não querem ser criticados pelo eleitorado nacionalista de terem fracassado em proteger os tártaros”, opinou Sinan Ulgen, pesquisador visitante do Carnegie Europe, com sede em Bruxelas. “Não pode parecer indiferente ao destino dos tártaros, de seus próprios parentes, quando se apresenta como protetor dos povos que sofrem no Oriente Médio”, afirmou.

Apesar das fortes manifestações de apoio – incluindo a visita de Davutoglu no começo deste mês a Kiev, onde se reuniu com a comunidade tártara da Crimeia – funcionários em Ancara tentam deter o fervor nacionalista. A economia é a principal razão: quase metade do gás natural consumido pela Turquia provém da Rússia.

Esse país também é o sexto maior mercado das exportações turcas, no valor de US$ 7,2 bilhões em 2013, segundo o Instituto de Estatísticas Turco. Assim, a Rússia é de extrema importância para as empresas do país. No final de 2012, os investimentos estrangeiros diretos turcos na Rússia somavam US$ 9 bilhões, segundo o Ministério da Economia.

Considerando que as relações com Moscou já estão tensas devido às diferenças com relação à crise na Síria, Ancara parece reticente em pressionar mais sobre a Crimeia. Durante uma conversa telefônica, no dia 5 deste mês, com o presidente russo, Vladimir Putin, Erdogan atribuiu a responsabilidade da situação na Crimeia “principalmente” ao novo governo ucraniano, segundo uma declaração oficial turca. O primeiro-ministro também advertiu que a “instabilidade afetará negativamente toda a região”.

Em declarações, no dia 6 deste mês, à televisão estatal, o ministro de Energia, Taner Yildiz, descartou que o fornecimento de gás russo seja afetado, e garantiu que não há necessidade de buscar alternativas de outros países, como o Azerbaijão.

No entanto, manter o adequado equilíbrio diplomático poderia ser mais difícil para Erdogan nas próximas semanas e próximos meses. O referendo que acontecerá na Crimeia, no dia 16, sobre a adesão da península à Rússia poderá criar um profundo dilema em Ancara, pontuou Ulgen. Se a Turquia se preocupa com a integridade territorial da Ucrânia e a possível perseguição de tártaros sob um controle russo, “deverá ser muito mais crítica de Moscou para que a Crimeia se separe da Rússia”.

No dia 6, em Simferopol, capital da Crimeia, o líder tártaro Mustafá Jemiliyev revelou que o chanceler turco lhe garantira que Ancara “se envolveria se os tártaros da Crimeia corressem perigo”. Qualquer enfrentamento que envolva os tártaros da Crimeia e a população russa na península desatará paixões nacionalistas na Turquia e acrescentará pressão sobre Ancara para que adote algum tipo de ação.

“Poderia haver alguns indivíduos nacionalistas (na Turquia) que estariam dispostos a ir para a Crimeia e lutar”, ponderou Umut Uzer, especialista em povos turcos e nacionalismo na Universidade Técnica de Istambul. De todo modo, será difícil para Erdogan adotar uma postura mais agressiva em relação à Rússia sem colocar em risco suas apreciadas relações econômicas com Moscou.

Uma atitude mais beligerante “supõe uma dificuldade fundamental, porque a Turquia não quer colocar em risco suas relações políticas e econômicas com a Rússia, sobretudo considerando que Erdogan e Putin parecem manter uma boa relação”, ressaltou Ulgen. Envolverde/IPS

* Dorian Jones é jornalista independente radicado em Istambul. Este artigo foi publicado originalmente pela EurasiaNet.org.