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“Uruguai promove flexibilização do Mercosul para fortalecê-lo”

Danilo Astori, vice-presidente do Uruguai e condutor da política econômica da governante Frente Ampla, que ganhou uma cadeira de senador nas eleições do dia 26 e que voltaria a ser ministro da Economia se Tabaré Vázquez vencer o segundo turno da eleição presidencial. Foto: FA
Danilo Astori, vice-presidente do Uruguai e condutor da política econômica da governante Frente Ampla, que ganhou uma cadeira de senador nas eleições do dia 26 e que voltaria a ser ministro da Economia se Tabaré Vázquez vencer o segundo turno da eleição presidencial. Foto: FA

 

Montevidéu, Uruguai, 30/10/2014 – O vice-presidente do Uruguai, Danilo Astori, um dos três principais líderes da governante Frente Ampla (FA), acredita que o próximo governo de seu país deve insistir na flexibilização do Mercosul e que a América Latina tem muito a ganhar na futura dinâmica global de grandes blocos comerciais.

Astori, ministro da Economia no governo de Tabaré Vázquez (2005-2010), voltará a ocupar esse cargo a partir de março de 2015 se o ex-presidente vencer no segundo turno da eleição presidencial, em 30 de novembro, após alcançar 47,2% dos votos no primeiro turno, no dia 26. Os dois, junto com o atual presidente, José Mujica, constituem o trio de dirigentes mais importantes que a centro-esquerdista FA teve nas duas últimas décadas.

IPS: O próximo governo uruguaio terá que definir uma política a respeito do Mercosul e assumir uma posição diante de questões como o Acordo Transpacífico de Associação para a Cooperação Econômica.

DANILO ASTORI: Vamos seguir com o rumo do regionalismo aberto: primeiro a integração com os vizinhos, que não se pode abandonar, não só por aquela parte da economia que depende deles, mas porque o Uruguai não pode deixar de aproveitar essa posição geográfica estratégica que tem no coração da região. Com a convicção de que é preciso superar os problemas do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela), devemos continuar lutando por uma flexibilidade que permita ao Uruguai ter em conta as necessidades dos países vizinhos quando praticam políticas protecionistas, e, em contrapartida, obter seu acordo para fazer negociações fora da região. Isso pode significar desde acordos bloco a bloco, como os que estamos negociando agora com a União Europeia (UE), até a multiplicidade de membros. Antes do Acordo Transpacífico, eu pensaria como passo intermediário na Aliança do Pacifico, integrada por quatro países (Chile, Colômbia, México e Peru) com os quais o Uruguai já tem tratados de livre comércio de forma bilateral, como com o México, ou de comércio exterior no contexto da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi).

IPS: Isso significa pedir que se levante a cláusula 32 do Mercosul que impede os membros de negociarem unilateralmente com terceiros países ou blocos?

DA: Pelo menos reformulá-la de modo que possamos obter a flexibilidade que se necessita.

IPS: Pode-se esperar que o Brasil acompanhe uma medida como essa?

DA: Tomara. É preciso conversar com todos. O governo brasileiro tem o cenário um pouco mais claro, porque se inicia um novo período e a presidente Dilma Rousseff está em condições de tomar decisões que não podia tomar muito próximo das eleições em seu país. Ao mesmo tempo, na Argentina se avizinha um processo de debate, análise e definição política, cujos resultados terão seu peso no futuro.

IPS: Se observarmos o ocorrido com a Comunidade Andina de Nações (CAN), que sofreu crise e deserções até ficar ferida, o Mercosul não corre o mesmo risco?

DA: É um antecedente a favor da flexibilidade. Mas não pode ocorrer o mesmo com o Mercosul, porque não estamos promovendo esse caminho para que se desfaça, mas para fortalecê-lo. Uma das principais contribuições para o fortalecimento no curto prazo é o acordo com a UE, porque ajuda a solucionar problemas internos. Mas, além disso, o protocolo de adesão da Bolívia ao Mercosul inclui o reconhecimento de sua dupla participação na CAN. Esse é um antecedente a favor de nossa posição. O que não pode existir no mundo atual é rigidez para tratar os projetos de integração.

IPS: Qual impacto terá no futuro imediato a presença da China, que tem um perfil muito claro de extração de matéria-prima e venda de manufaturas?

DA: É nosso principal sócio comercial em bens. O Uruguai tem de contar sempre com essa alternativa, sobretudo diante das enormes responsabilidades que temos em matéria de infraestrutura para os próximos anos. E aí a China pode ter um papel muito importante.

IPS: Mas a questão também é como os governos da região estabelecem relações com esse sócio, que favoreçam não só o comércio, mas o desenvolvimento e a inovação.

DA: Insisto que a China tem grande interesse em investir em infraestrutura, e grande capacidade para fazê-lo. Nós ainda não conseguimos nenhum acordo importante a respeito, mas essa opção não podemos deixar de lado. Concordo com a preocupação de aproveitar essa conexão com a China para uma participação melhor do Uruguai nas cadeias de valor, cujos segmentos estão em diferentes partes do mundo, e das quais a China não está alheia.

IPS: Há quem alerte que no mundo se perfila uma guerra comercial entre megablocos, como o transatlântico, negociado entre Estados Unidos e UE, ou o Acordo Transpacífico, os dois contra a China. O que pode ocorrer com a América Latina se essa realidade se configurar?

DA: A região está chamada a jogar um papel muito importante no futuro próximo, não só por sua capacidade de produção agroalimentar, como também por possuir matérias-primas estratégicas, as maiores reservas de água doce do mundo e um tratamento amigável do ambiente se a compararmos com outras regiões. Me coube conversar diretamente com alguns líderes mundiais na Índia e na China, por exemplo, sobre esse tema. E essa realidade fez com que nessas regiões se reconheça que esqueceram a América Latina durante muito tempo e não prestaram atenção à possibilidade de uma relação mais profunda. Isso está em jogo hoje e é preciso aproveitar. Então, essa nova dinâmica de grandes blocos só pode impactar de maneira favorável, porque a região tem um potencial enorme para se mover e participar com autoridade em defesa de seus interesses. Além disso, a região está em uma posição muito diferente da do passado.

IPS: O perigo é que fique presa de um lado e de outro.

DA: O caminho da América Latina são as alternativas. Esse é o exemplo uruguaio. Se este país conseguiu se despregar um pouco da desaceleração regional nos dois últimos anos foi porque dispôs de opções. Quem pensaria há pouco tempo que o Uruguai estaria vendendo para 140 países?

IPS: Nessa dinâmica, como avalia a presença brasileira no Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)?

DA: Joga a favor e potencializa a influência do resultado eleitoral do Brasil na região. Além disso, o Brics é como uma ponte para evitar que a China fique muito divorciada desses movimentos que estão ocorrendo nos Estados Unidos, na Europa e no Pacífico. Envolverde/IPS