Economia verde busca manter crescimento

Corte de árvores na Nicarágua. O desmatamento é inerente à economia predadora, tanto para explorar madeira, como o solo ou o subsolo. Foto: Germán Miranda/IPS

A atual crise econômica mundial é uma manifestação de que perdeu eficácia e factibilidade a receita keynesiana de ampliação forçada da demanda.

Rio de Janeiro, Brasil, 5 de março de 2012 (Terramérica).- Tudo indica que as grandes catástrofes podem ser as novas parteiras da história. Contudo, buscando adiantar-se, a economia verde se propõe a reduzir “os riscos ambientais” e a “escassez ecológica”, melhorando o bem-estar humano e a igualdade social. As citações são parte dos argumentos da Iniciativa para uma Economia Verde do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

A adoção de um conjunto de políticas públicas, regulações, incentivos e acordos internacionais não poderá sozinho reverter a deterioração ambiental, mas poderá propiciar um crescimento econômico superior ao que permite a atual “economia marrom”, afirma o Pnuma. Este resultado se daria pelos instrumentos da economia verde que, entre outras vantagens, conduzem a um uso mais eficiente da energia e dos recursos naturais e a uma gestão melhor da água, dos resíduos e da infraestrutura.

O investimento necessário seria de US$ 1,3 bilhão anuais, ou 2% do produto bruto mundial, estima a agência das Nações Unidas. Entretanto, isto parece “mais cartaz do que conteúdo”, já que as alternativas à economia atual carecem de escala que “justifique as expectativas geradas”, limitam-se a experiências pontuais e a “medidas graduais insuficientes para sustentar uma onda de investimentos”, afirmou Fernando Cardim de Carvalho, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em energia ainda predominam petróleo, centrais hidrelétricas e, em menor grau, geração nuclear, enquanto fontes como a eólica e a solar são muito incipientes para “mover o mundo”, Fernando citou como exemplo. Por isto, o Brasil, vanguarda em agrocombustíveis, prioriza os hidrocarbonos recém-descobertos em águas profundas do Atlântico. Ocorre que “o capitalismo não opera olhando no longo prazo; as inovações têm de oferecer possibilidades de ganho imediato”, o que não favorece a economia verde, que tampouco se vê habilitada como uma “saída para a crise” financeira que afeta países ricos e ameaça o mundo, afirmou o economista ao Terramérica.

“Um grande desastre ambiental, inimaginável hoje”, poderia mudar esse quadro, alterando repentinamente a percepção de “custo/benefício entre degradação ambiental e comodidades modernas”, destacou Fernando. No entanto, no momento e no horizonte próximo, “não existe uma coalizão de demandantes” que consiga fazer os Estados assumirem iniciativas de mudanças radicais, estimou. A alternativa é continuar o processo de “mudança marginal”: experiências locais e setoriais onde a situação obriga, como transporte em metrópoles como São Paulo ou Nova York, concluiu.

Na linha do esgotamento dos recursos do planeta, o ambientalista australiano Paul Gilding, professor da University of Cambridge (Grã-Bretanha) e autor do livro The Great Disruption (A Grande Ruptura), prevê para esta década o colapso da economia mundial, o que porá fim ao crescimento e dará lugar a uma nova era sustentável, sem tanto consumismo. Economistas brasileiros conhecidos por sua adesão à economia de mercado reconhecem hoje que o modo de produção atual é insustentável, porque ultrapassou os limites ecológicos do planeta.

André Lara Resende, protagonista de programas brasileiros de combate à inflação e das privatizações na década de 1990, afirmou em um artigo, publicado no dia 20 de janeiro no jornal Valor, que a crise econômica iniciada em 2008 nos Estados Unidos persiste provavelmente porque se está chegando ao “limite físico do ecossistema”. A atual não seria uma simples repetição das crises cíclicas do capitalismo por insuficiência de demanda, mas uma manifestação de que perdeu eficácia e factibilidade a ampliação forçada da demanda de bens materiais que recomenda o economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946), de influência renovada pela crise.

Eduardo Gianetti da Fonseca, autor de vários livros de economia e sociologia, declarou no mesmo artigo que a “grave falha” do mercado, ao excluir os custos ambientais do sistema de preços, leva ao desastre da mudança climática e ao esgotamento dos recursos naturais. Entretanto, o Pnuma considera um “mito” opor progresso econômico e sustentabilidade ambiental, e assegura que “há provas substanciais” de que a economia verde gera riqueza e empregos. Outro mito, desmentido por exemplos de sucesso no mundo em desenvolvimento, seria restringir aos países ricos o “luxo” da “transição verde”.

Em seu documento Para uma economia verde: guia para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza, o Pnuma defende o “reverdecimento das economias como um novo motor do crescimento, que constitui uma fonte de emprego digno e que, além disso, é uma estratégia essencial para erradicar a pobreza persistente”. As políticas e medidas recomendadas são acompanhadas de exemplos já comprovados. Reduzir ou eliminar subsídios prejudiciais é crucial. Os combustíveis fósseis, principal fator da mudança climática, receberam US$ 557 bilhões em subsídios para o consumo e mais de US$ 100 bilhões para a produção em 2008, segundo o Pnuma.

Esses valores evidenciam que existe dinheiro para investimentos em programas ambientais, destacou Rubens Born, dirigente da Vitae Civilis, organização não governamental brasileira muito ativa em matéria de mudança climática. Porém, reduzir os subsídios, e, portanto, elevar os preços dos combustíveis, é uma operação de risco. Na Bolívia, uma alta da carga tributária de 72% para 82% sobre derivados de petróleo provocou, em dezembro de 2010, uma onda de protestos que obrigaram o presidente Evo Morales a voltar atrás e enfraquecer politicamente.

A Nigéria enfrenta reações pela decisão de eliminar US$ 8 bilhões de subsídios anuais ao petróleo. Entretanto, a Indonésia adotou medidas semelhantes com sucesso em 2005 e 2008, compensando milhões de famílias pobres com transferências em dinheiro durante um ano. O Gabão também agiu, usando os fundos economizados em programas de microcréditos para mulheres, enquanto Gana atuou na educação e saúde de populações pobres, exemplos destacados pelo Pnuma.

A Grameen Shakti, organização vinculada ao Grameen Bank de microcrédito, havia facilitado, até 2009, a instalação de 320 mil sistemas de energia solar doméstica com seus créditos brandos em Bangladesh. A meta é alcançar um milhão de domicílios até 2015. As tarifas preferenciais para incentivar o uso de energias renováveis, já aplicadas em 47 países, são outro caso exemplar mencionado pelo Pnuma, junto com a reciclagem de 95% das latas de alumínio no Brasil.

A economia verde, proposta pelo Pnuma desde 2008, será tema da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio+20 (assim chamada para comemorar os 20 anos da Cúpula Mundial de 1992, também no Rio de Janeiro), que reunirá chefes de Estados e de governo entre 20 e 22 de junho. Nos nove dias anteriores, haverá encontros preparatórios e da sociedade civil, que atrairão dezenas de milhares de participantes para esta cidade.

* O autor é correspondente da IPS.

LINKS

Chovem críticas à economia verde no Fórum Social Temático

Economia verde divide águas

Remédio contra mudança climática e pobreza

A economia verde alivia, mas não cura

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em espanhol e inglês

Iniciativa para uma Economia Verde, em inglês, francês e espanhol

Universidade Federal do Rio de Janeiro

University of Cambridge, em inglês

The Great Disruption, em inglês

Jornal Valor

Para uma economia verde: guia para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza – Síntese para os encarregados da formulação de políticas, pdf em espanhol

Vitae Civilis

Grameen Bank, em inglês e espanhol

Grameen Shakti, em inglês

Rio+20, em espanhol, inglês, francês e russo

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.