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Terramérica - Greve bananeira desnuda abusos de transnacionais

Trabalhadores em greve nas fazendas de Sixaola, no sul da região do Caribe da Costa Rica, descansam em macas, após dividirem uma panela de feijão, enquanto esperam notícias de seus líderes sindicais sobre o conflito com o grupo transnacional Del Monte Foods. Foto: Fabian Hernández Mena/IPS
Trabalhadores em greve nas fazendas de Sixaola, no sul da região do Caribe da Costa Rica, descansam em macas, após dividirem uma panela de feijão, enquanto esperam notícias de seus líderes sindicais sobre o conflito com o grupo transnacional Del Monte Foods. Foto: Fabian Hernández Mena/IPS

São José, Costa Rica, 16 de março de 2015 (Terramérica).- Uma greve que desde janeiro paralisa três grandes fazendas produtoras de banana nas costas do sul do Caribe da Costa Rica, na fronteira com o Panamá, desnudou os abusos de um setor em mãos de companhias transnacionais e forçou a intervenção dos governos dos dois países.

Mais de 300 trabalhadores, quase todos indígenas panamenhos empregados em latifúndios bananeiros por uma filial da companhia norte-americana Del Monte Foods, estão em conflito desde o dia 16 de janeiro, em protesto por hostilidades no trabalho, mudanças nas jornadas e condições de trabalho, descumprimento nos pagamentos e demissões consideradas ilegais.

“A empresa nos demitiu no dia 31 de dezembro e quando nos recontratou, em 3 de janeiro, disse que éramos trabalhadores novos e que teríamos que aceitar qualquer modificação de tarefas, mas a jurisprudência diz que para ser um trabalhador novo tem que passar ao menos um mês”, explicou ao Terramérica, da região, o panamenho Federico Abrego, um dos grevistas.

Abrego e a maioria dos mais de 250 trabalhadores em greve das plantações Sixaola 1, 2, e 3, pertencem aos povos ngöbe e bugle, que habitam uma comarca (zona de autogoverno) indígena panamenha, do outro lado da fronteira com a Costa Rica, para onde migraram a fim de subsistir. Entre 70% e 90% dos 417 mil trabalhadores indígenas panamenhos sobrevivem na pobreza, segundo um informe de 2014 da Organização das Nações Unidas (ONU).

O último conflito entre trabalhadores e a transnacional alimentar no município caribenho de Talamanca, 250 quilômetros a sudeste de São José, é considerado resultado de décadas de acúmulo de terras na costa atlântica da Costa Rica, a maioria por grandes grupos bananeiros estrangeiros, mas nos últimos anos também pelo desenvolvimento do cultivo de abacaxi.

Talamanca ocupa o penúltimo lugar entre os 81 municípios do país no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e conta com uma maioria de população indígena. O cultivo da banana ocupa 37% de seu território.

“As propriedades em greve pertencem à empresa Corbana (Corporação Bananeira Nacional) e aluga as da Del Monte. Há dois anos, houve uma greve muito grande por condições sub-humanas, salário e migrações e, então, criou-se um sindicato”, contou ao Terramérica o deputado Gerardo Vargas, representante da província atlântica de Limón.

“Em dezembro venceu o contrato com a Corbana e ao renová-lo a empresa fez algo desleal: formou um novo sindicato, liquidou todos os trabalhadores e só contratou os que estavam no novo sindicato. Aí nasce o novo conflito”, explicou Vargas, da esquerdista Frente Ampla.

A Corbana é uma corporação formada pelo Estado e por empresários bananeiros para fomentar a produção e o comércio. No passado também era produtora em terras que agora aluga a empresas que praticamente as usam com suas. “A concentração de terras em Limón está ficando perigosa”, alertou o deputado da grande província produtora de banana local. “Hoje, centenas e centenas de famílias têm que vender suas terras para se converterem em peões”, denunciou.

Abrego é um exemplo clássico desses peões. O indígena gnöbe, de 53 anos, trabalha desde 1993 em fazendas de banana costarriquenhas. Atualmente vive com a esposa e oito filhos, metade em idade escolar, em uma casa propriedade da Banana Development Corporation (Bandeco), subsidiária da Del Monte.

“Os companheiros me perguntam pela comida e me dizem o mesmo que ouço em casa: que não têm nada para comer e que estamos esperando nossa reintegração”, afirmou Abrego, líder da seccional sindical de Finca Sixaola 3. “Estou me jogando sem ter renda para ver o que posso encontrar, mas há companheiros que têm filhos pequenos e estão passando mais dificuldade”, disse apressadamente, antes de contar que os grevistas preparam refeições comuns para resistirem.

Calcula-se que 95% dos grevistas são indígenas panamenhos. “Estamos deste lado da fronteira pelo trabalho. Não viemos roubar, nem tirar o pão de ninguém. É raro ver um costarriquenho no meio de um bananal”, disse Abrego, com residência legal neste país. A greve ganhou escala quando trabalhadores bananeiros do país vizinho ocuparam a ponte sobre o rio Sixaola, nos dias 20 e 21 de fevereiro, um dos dois pontos que ligam Costa Rica e Panamá, e bloquearam o trânsito fronteiriço por várias horas.

Esta ação e o fato de a greve ser protagonizada por panamenhos, em uma fazenda costarriquenha forçaram os dois países a criarem uma mesa de diálogo, instalada após um acordo alcançado no dia 27 de fevereiro, e que deve entregar suas recomendações em um mês.

Dessa mesa participam representantes da Bandeco, da filial local do Sindicato de Trabalhadores da Empresa Pública e Privada (Sitepp), do costarriquenho Ministério de Trabalho e Segurança Social, e do panamenho Ministério de Trabalho e Desenvolvimento Profissional.

O acordo incluiu, além da comissão binacional e do informe, “o compromisso da empresa de contratar imediatamente 64 trabalhadores, e que, se forem demitidos, os trabalhadores não sejam desalojados de suas casas”, disse ao Terramérica o vice-ministro de Trabalho da Costa Rica, Harold Villegas.

Um veículo incendiado, que trabalhadores em greve na localidade de Sixaola, na costa do Caribe costarriquenho, denunciam que é parte de ações violentas contra eles, realizadas como represália por empresas bananeiras. Foto: Fabián Hernández Mena/IPS
Um veículo incendiado, que trabalhadores em greve na localidade de Sixaola, na costa do Caribe costarriquenho, denunciam que é parte de ações violentas contra eles, realizadas como represália por empresas bananeiras. Foto: Fabián Hernández Mena/IPS

As fazendas do Caribe costarriquenho são cenários frequentes de conflitos entre trabalhadores e grandes empresas bananeiras, e o de Sixaola é apenas um exemplo. Em 2013, o Sitepp manteve uma greve no setor por melhores condições de trabalho e as denúncias se multiplicam junto ao Ministério de Trabalho. Em maio de 2014, uma inspeção do Ministério revelou variadas violações da legislação trabalhista e das obrigações patronais, e determinou que fossem corrigidas.

Entre os problemas encontrados, o informe da Direção Nacional de Inspeção diz que funcionários das empresas “em certas ocasiões utilizam diversas maneiras de intimidar seus trabalhadores, tanto maltratando com palavras, como gritando, ou utilizando práticas de hostilidade trabalhista”.

“Após essas denúncias começam a montar um sindicato, na medida da empresa. Andavam buscando, com esse sindicato, anexar-se à negociação da convenção que vencia em dezembro”, pontuou ao Terramérica o presidente do Sitepp, Luis Serrano. “Iniciaram uma campanha contra nós e deram benefícios fiscais ao sindicato que eles criaram”, acrescentou.

Apesar do acordo binacional, os líderes sindicais denunciam que ainda não receberam apoio alimentar das instituições, embora tenham sido recontratados os 64 trabalhadores incluídos no acordo.

Uma alta porcentagem da atividade bananeira está em mãos de empresas transnacionais. Além de Del Monte, estão presentes subsidiárias de corporações norte-americanas como Chiquita Brands, que controla 24% das exportações de banana, ou Dole Food Company.

O peso da indústria da banana é importante para o país e fundamental para seu território caribenho. Segundo dados da Corbana, ocupa 6,2% da população ativa costarriquenha e 77% da mão de obra do Caribe. Suas exportações representam 7% das vendas ao exterior e no ano passado representaram US$ 900 milhões. Envolverde/Terramérica

* A autora é correspondente da IPS.

 

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.