TERRAMÉRICA - Revolução das bicicletas

A bicicleta já é rotina em Paris. “O automóvel não tem mais lugar na grande cidade dos dias atuais”, afirma o prefeito Bertrand Delanoë. Foto: Julio Godoy/IPS

Em cinco anos, 138 milhões de pessoas usaram as 23 mil bicicletas de aluguel de Paris, sistema que conta com 225 mil assinantes em uma população urbana de 2,3 milhões.

Paris, França, 16 de julho de 2012 (Terramérica).- Em julho de 2007, muitos habitantes da capital francesa riram de seu prefeito, Bertrand Delanoë, quando anunciou a criação de um sistema público de aluguel de bicicletas, destinado a reduzir o tráfego de veículos automotores em Paris. Nos primeiros meses do serviço, denominado Vélib’, das palavras “vélo” (bicicleta em francês coloquial) e “liberté” (liberdade), os céticos pareciam ter razão. Enquanto a maioria dos parisienses desdenhava das pesadas bicicletas públicas, de 23 quilos, outros as destruíam ou as roubavam.

Durante o primeiro ano oito mil desapareceram e outras 16 mil sofreram vandalismo, segundo informação oficial. Outros inconvenientes desestimulavam o ciclismo urbano cotidiano: a exigência de assinatura, o preço elevado do serviço, o esforço físico que no verão produz efeitos secundários indesejáveis para uma população famosa pelo esmero com sua aparência pessoal, e o caótico trânsito de Paris, temido por seus altos riscos.

E, apesar de tudo, o Vélib’ completou seus primeiros cinco anos no dia 14, e também comemora um êxito inegável: nesse prazo, 138 milhões de pessoas utilizaram as 23 mil bicicletas de aluguel e o sistema conta com 225 mil assinantes em uma população urbana de 2,3 milhões de pessoas. Além disso, nesse período, apenas seis pessoas morreram em acidentes de trânsito envolvendo uma bicicleta de aluguel. O sistema também ganhou adeptos: 31 comunidades do entorno de Paris se associaram ao Vélib’, que serve de modelo para outras 34 cidades francesas.

A administração de Paris afirma, inclusive, que o Vélib’ se oferece como exemplo para um desenvolvimento semelhante em várias cidades do mundo, desde a australiana Melbourne até a norte-americana São Francisco. Em 2011, o sistema alcançou seu nível de rentabilidade, e seguramente dará lucro em 2012. Para Delanoë – um político sóbrio e extremamente reservado, que em 1998 se declarou homossexual –, o triunfo do Vélib’ também é a confirmação de que sua política de transporte, a princípio controvertida, é correta, uma revolução benigna para uma cidade afligida pelos engarrafamentos e pela contaminação ambiental.

“Há cinco anos, não imaginava que os resultados do Vélib’ seriam tão bons”, disse o prefeito ao Terramérica. “Minha intenção era testar uma política diferente, ajudar os parisienses a reconquistarem sua independência e sua liberdade no trânsito e, ao mesmo tempo, reduzir a poluição do ar”, acrescentou. Esta política se resume no lema “Paris respira”, onipresente no cartaz que defende o uso da bicicleta na cidade.

O sistema “acabou com muitos tabus sobre o transporte urbano”, afirmou ao Terramérica a especialista em urbanismo Isabelle Lesens. “A bicicleta reduz os problemas de estacionamento, e em uma cidade relativamente pequena como Paris, com bom clima médio, constitui um eficiente meio de transporte”, destacou. Apesar do êxito, o Vélib’ tem seus problemas. “O custo do Vélib’ é muito alto. A administração e a manutenção de cada bicicleta custa três mil euros por ano. Seguramente, seria possível obter os mesmos resultados por menos dinheiro”, opinou Lesens.

A empresa JCDecaux, que administra o serviço em cooperação com a prefeitura, admite tais problemas. “O sistema é muito caro em termos de exploração”, declarou ao Terramérica seu presidente, Jean Charles Decaux. “No entanto, desde 2011 alcançamos o equilíbrio orçamentário, depois de termos perdido dinheiro nos três primeiros anos”, acrescentou.

Apesar de tudo, o triunfo do Vélib’ é tamanho que os parisienses redescobriram sua paixão pelo ciclismo, que se expressa na competição mais importante do mundo, a Volta da França (Tour de France). Além disso, segundo dados oficiais, os parisienses realizam diariamente cerca de 200 mil trajetos em bicicleta própria. No total, a quantidade destes meios de transporte em Paris aumentou 41% desde 2007. E, ao mesmo tempo, o tráfego de automóveis apresentou queda de 25%.

As bicicletas são um componente da política de transporte urbano que Delanoë colocou em prática desde que foi eleito prefeito pela primeira vez, em março de 2001. Uma de suas primeiras medidas foi criar vias exclusivas para ônibus em quase toda a cidade, a fim de acelerar sua circulação e reduzir o espaço para carros individuais. O governo municipal também participa, em cooperação com as comunidades à sua volta, da construção de uma linha de bondes não contaminantes que em 2020 formará um anel de ligação em torno de Paris.

Além disso, a prefeitura criou 370 quilômetros de vias reservadas para as bicicletas. Nos finais de semana, o tráfego de veículos automotores está proibido nas ruas mais importantes da capital parisiense. No dia 5 de dezembro, a prefeitura introduziu um sistema de aluguel de carros elétricos, com funcionamento baseado no Vélib’. Batizado, naturalmente, de Autolib’, ainda não tem o grau de popularidade das bicicletas. Porém, Delanoë está seguro de que seu impacto será positivo no transporte.

“Quando o Autolib’ for parte do modo de vida cotidiano dos parisienses, como já é o Vélib’, a política de transporte urbano mudará definitivamente”, disse o prefeito, reeleito em 2008 com 57,7% dos votos, para governar Paris até 2014. “Todas estas medidas (Vélib’, Autolib’, vias exclusivas para ônibus e bonde) têm por objetivo revolucionar o transporte urbano e reduzir os percursos com carros particulares, para diminuir as emissões de dióxido de carbono e purificar o ar”, detalhou Delanoë. “A verdade é que o automóvel não tem mais lugar na grande cidade de nossos dias”, ressaltou.

* O autor é correspondente da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.