Clima

Alta do desmatamento exige mudança no sistema nacional de Redd+

Por: Natalie Unterstell, Alice Thuault, Mariano Cenamo, especial do OC – 

 Queimada na Amazônia (Foto: Greenpeace)
Queimada na Amazônia (Foto: Greenpeace)

Os dados mais recentes do desmatamento na Amazônia mostram uma tendência alarmante. Depois de uma década de avanços, a taxa voltou a crescer – em tempos de recessão econômica. Entre agosto de 2014 e julho de 2015, 6.207 quilômetros quadrados de floresta foram derrubados, quase um quarto mais do que o ano anterior. É o nível mais alto em quatro anos, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). E muda a correlação entre crescimento e queda no desmatamento estabelecida por políticas postas em prática de 2005 para cá.
Políticas e iniciativas de mercado ainda estão tendo um impacto positivo e provavelmente contendo taxas ainda maiores. Cerca de R$ 1.2 bilhão foram dedicados a cerca de 80 projetos de desenvolvimento sustentável através do Fundo Amazônia. A moratória da soja celebrou o seu 10º aniversário na semana retrasada. O Ibama e a Polícia Federal têm desmantelado grandes e bem estabelecidos esquemas de crime ambiental, como o dos Junqueira Vilela, no Pará. E grandes empresas têm aderido a esforços relativos a commodities sustentáveis, como o Carne Legal, do Ministério Público Federal no Pará.
Ainda assim, algo não está dando certo. O que o Brasil está perdendo de vista?
Em primeiro lugar, o governo cortou 72% do orçamento para o controle do desmatamento entre 2011 e 2014, deixando para o Fundo Amazônia a tarefa de socorrer as agências de comando e controle. A implementação do Código Florestal tem sido lenta e impulsionada por sinais confusos dados pelas autoridades federais. A transparência dos dados do desmatamento foi afetada, com publicação irregular em comparação com a sistemática anteriormente adotada. O plano nacional de controle do desmatamento foi mantido em modo vegetativo, publicado anos após consulta pública e sem qualquer novidade no campo das atividades sustentáveis.
Em segundo lugar, existe uma desconexão entre as políticas nacionais e as ações locais. O governo federal coordena a estratégia de Redd+, mecanismo da ONU para mobilizar a mitigação de gases de efeito estufa associada em áreas de floresta de países em desenvolvimento. No entanto, muitas responsabilidades constitucionais relativas à proteção florestal foram descentralizadas para os governos estaduais no Brasil. A Estratégia Nacional de Redd+, documento lançado no final de 2015 após o Acordo de Paris, não traz uma única palavra sobre essa divisão de responsabilidades e tampouco sobre alinhar incentivos e repartir benefícios. Incentivos econômicos ainda não chegam até atores locais, ao passo que a implementação de instrumentos como o Programa Nacional de Serviços Ambientais previsto no artigo 41 da Lei 12.651/2012 não foi iniciada.
Em terceiro lugar, o setor privado tem sido tratado como um problema, e não como parte da solução. O governo federal reconhece apenas a tradicional modalidade de ajuda externa ao desenvolvimento como válida para a proteção do carbono florestal. Ignoram-se as oportunidades de orientar investidores privados para a região amazônica ao aproveitamento sustentável das florestas, dos estoques pesqueiros e do potencial agrícola. Enquanto localmente os atores tem clareza sobre a necessidade de monetização de ativos ambientais associados a essas atividades, o governo federal deixa para depois – ou, quem sabe, para nunca – essa questão.
O Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho (PV-MA), herdou a maioria desses problemas do governo que o antecedeu. Mas ele ainda precisa dar indicações claras de que vai corrigir os rumos dessa política.
Há alguns dias, sua equipe propôs reforçar ainda mais a centralização federal sobre Redd+. Uma proposta de resolução foi rejeitada na Comissão Nacional de Redd+ (Conaredd+). Se aprovada, o Brasil teria se tornado para sempre dependente da capacidade do governo federal de mobilizar a ajuda internacional para proteger seus ativos ambientais.
Se Sarney Filho quer contribuir com um curso de queda do desmatamento, ele precisa reformar o arranjo de Redd+ de modo que os governos subnacionais, os povos indígenas e tradicionais, além de atores privados possam ser premiados por obter resultados reais de mitigação de gases de efeito estufa. Sem essa clara inclusão, a estratégia nacional de Redd+ se manterá incompleta e, portanto, ineficaz.
Nesse sentido, Sarney Filho pode olhar para o Fundo Amazônia para testar novos modelos de pagamentos por resultados e colocar a sua equipe para trabalhar por uma maior integração. Ele poderia começar ouvindo aqueles que têm desenhado sistemas subnacionais de Redd+.
Finalmente, se o desmatamento não estiver na pauta do dia de todas as estruturas governamentais, os sinais do mercado também irão enfraquecer. Os mercados precisam de sinais claros para investir e para sustentar práticas responsáveis. O governo precisa ter uma voz mais clara sobre o assunto, bem como ouvidos abertos para escutar o que os seus parceiros têm a dizer e a ensinar sobre o futuro sem desmatamento. (Observatório do Clima/ #Envolverde)

* Publicado originalmente no site Observatório do Clima