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Países lusófonos querem força de paz para Guiné-Bissau

A CPLP, reunida em Lisboa, decidiu impulsionar, no dia 14, uma missão de paz para a Guiné-Bissau. Foto: CPLP

Lisboa, Portugal, 16/4/2012 – Os países de língua portuguesa solicitarão luz verde à Organização das Nações Unidas (ONU) que seja enviada uma força de manutenção da paz a Guiné-Bissau, onde os militares tomaram o poder no dia 12. Esta foi a principal resolução adotada no dia 14, em Lisboa, pelas chancelarias da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) diante da nova demonstração de que os militares desse pequeno país da África ocidental não aceitam adaptar-se às regras do jogo democrático.

A resolução da reunião – da qual participou o chanceler do governo derrubado, Mamadou Djalo Pires – esclarece que a iniciativa deve ser concretizada com a colaboração da Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental (Cedeao), da União Africana e da União Europeia, e com um mandato definido pelo Conselho de Segurança da ONU.

A resolução também adverte “a todos os implicados na alteração da ordem constitucional de Guiné-Bissau, civis e militares, que a persistência em uma conduta ilegal levará os Estados-membros da CPLP a propor sanções individualizadas por parte das organizações internacionais e regionais pertinentes”. Entre estas, se aplicaria aos culpados a proibição de viajar, o congelamento de ativos e a perseguição penal.

Um autodenominado Comando Militar, cuja composição é desconhecida, desencadeou no dia 12 um golpe de Estado, capturando o presidente de Guiné-Bissau, Raimundo Pereira, e o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior. Os rebeldes afirmaram que agiram “sem nenhuma ambição de poder” e justificaram o golpe alegando que a missão militar de Angola, que se encontra no país desde 2011 com mandato de formação e reforma das forças armadas, tem, na realidade, “um acordo secreto com o governo de Gomes Júnior para aniquilá-las”.

A explicação não convenceu as chancelarias da CPLP, reunidas no dia 14 na capital portuguesa, sede da organização da qual fazem parte Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Um porta-voz do Comando Militar, Walna Dabana, informou, de Bissau, capital do país, que também está preso o chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, general Antônio Indjai. Diante de uma pergunta da IPS, em um intervalo da reunião, o chanceler Djalo Pires desmentiu essa informação, assegurando que “se trata de uma farsa”. Indjai “é quem está por trás deste golpe”, afirmou o ministro, recordando que o governo de Gomes Júnior conta com apoio de 78% dos membros do parlamento.

A reunião foi coordenada pelo secretário-executivo da CPLP, o angolano Domingos Simões Pereira, e contou com a presença dos chanceleres George Chicoti, de Angola, Jorge Borges, de Cabo Verde, Paulo Portas, de Portugal, e Manuel Salvador dos Ramos, de São Tomé e Príncipe, além de Djalo Pires. Moçambique esteve representada pelo vice-chanceler, Henrique Banzé, o Brasil pelo secretário de Estado para Assuntos Africanos e do Oriente Médio, Paulo Cordeiro, e o Timor Leste pelo embaixador José Barreto Martins.

A Força de Reação Imediata (FRI) de Portugal, formada por comandos do exército, paraquedistas da força aérea e fuzileiros da marinha, está em “estado de alerta”, avaliando a possibilidade de intervir, se for necessário, para retirar cidadãos portugueses residentes em Guiné-Bissau. Ao fazer este anúncio, o chanceler Portas garantiu que a FRI, que conta com aviões Hércules C-130, uma fragata e uma corveta, está preparada apenas para resgatar cidadãos portugueses, “o que não é sinônimo de uma intervenção militar” na antiga colônia que ficou independente em 1974.

Diante do argumento dos golpistas de que agiram contra uma conspiração de Angola para “aniquilar as forças armadas de Guiné-Bissau”, o chanceler angolano afirmou que seu país está disposto a denunciar o caso no Tribunal Penal Internacional. O porta-voz rebelde explicou que o levante militar tem o único propósito de encontrar “uma solução política para a crise e evitar que o poder caia na rua”, realizar novas eleições e preparar a formação de um governo de transição.

O golpe foi repudiado pela comunidade internacional. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, condenou “nos termos mais enérgicos possíveis” os golpistas e pediu que seja restabelecida “imediatamente” a democracia e que os detidos sejam soltos. A esta postura da ONU uniram-se UE, Estados Unidos e vários outros governos, organizações regionais e de direitos humanos. Portas disse aos jornalistas que a CPLP se vê obrigada a adotar uma postura firme contra o golpe a fim de garantir um “triunfo da legalidade”. E acrescentou que “não podemos aceitar um golpe militar que, além do mais, ocorre durante um processo de eleição do presidente”, no qual Gomes Júnior surgia como o mais provável vencedor.

Entretanto, em Guiné-Bissau, após os assaltos, a destruição e os saques às residências das principais figuras do governo e as ameaças às suas famílias, a situação permanece calma, mas confusa, segundo correspondentes portugueses nesse país. Depois do toque de recolher imposto na noite do dia 13 pelo Comando Militar, na manhã seguinte não se registraram incidentes: o comércio abriu as portas e era pouco visível a presença de soldados nas ruas.

Este novo conflito é mais um capítulo em um país onde os golpes de Estado se banalizaram, e que sofre uma violência crônica desde que começou a guerra pela independência contra Portugal, em 1961. No período de meio século, a violência ocupa um lugar de destaque nesse país de 1,2 milhão de habitantes que o Banco Mundial coloca entre os dez com pior qualidade de vida do planeta, junto com Chade, Etiópia, Ruanda, Níger, Madagascar, Bangladesh, Burundi, Laos e Paquistão.

Entre as mortes de maior impacto na última década figuram a do comandante do exército, Ansumane Mané, em 2000, o assassinato de seu sucessor, Veríssimo Correia Seabra, em 2004, e os do presidente João Bernardo Vieira e do chefe do Estado Maior das Forças Armadas, João Baptista Tagmé Na Waie, em 2009. A este quadro desolador se soma o fato de que, com a cumplicidade dos militares e da polícia, Guiné-Bissau se converteu, há cinco anos, em um “narcoestado”, onde traficantes latino-americanos montaram um quartel-general e escala segura para suas operações de introdução de cocaína na União Europeia. Envolverde/IPS