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Estados Unidos ganham a primeira batalha pela chefia do Banco Mundial

Há quem duvide da capacidade de Jim Yong Kim, designado presidente do Banco Mundial, para as finanças e a administração. Foto: Domínio público

Washington, Estados Unidos, 17/4/2012 – A Direção Executiva do Banco Mundial manteve uma tradição de quase 70 anos ao eleger ontem para presidente da instituição o candidato dos Estados Unidos, Jim Yong Kim, colocando fim a uma inédita competição multinacional. Kim é médico, antropólogo e especialista em saúde pública nascido na Coreia do Sul, nacionalizado norte-americano, e no dia 1º de julho substituirá Robert Zoellick.

O futuro chefe do maior órgão financeiro internacional dedicado ao desenvolvimento se impôs a dois muito elogiados candidatos, a ministra de Finanças da Nigéria, Ngozi Okonjo-Iwela, e o ex-secretário-geral adjunto para Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, José Antonio Ocampo, um colombiano que também foi ministro da Agricultura e da Economia de seu país.

No dia 13, Ocampo renunciou à candidatura em favor de Ngozi, que já foi diretora administrativa do Banco Mundial entre 2007 e 2011 e tinha apoio da União Africana, do Brasil, da África do Sul e de mais de 30 dezenas de ex-altos oficiais da instituição, que divulgaram uma carta em seu apoio na semana passada.

Contudo, isto não foi suficiente para alterar a cada vez mais criticada arquitetura de votação do Banco Mundial, que garante maioria aos representantes da América do Norte, Europa e Japão. “Todos sabem que isto não é decidido de fato com base nos méritos”, disse Okonjo-Iweala a jornalistas em seu país pouco antes da reunião da Direção Executiva. “É uma votação com ações e pesos políticos, e, portanto, Washington imporá sua vontade.”

De modo semelhante se expressou Ocampo, cuja candidatura tinha apoio de uma grande quantidade de economistas especializados em desenvolvimento de todo o mundo, que têm uma opinião crítica sobre a ortodoxia liberal promovida pelo Banco Mundial nas últimas décadas. Ao anunciar sua retirada, Ocampo afirmou que a suposta competição não passou “de um exercício político”.

Organizações não governamentais que trabalham em países em desenvolvimento saudaram a chegada de Kim, apesar de criticarem o processo de escolha. “Kim é uma excelente decisão e um verdadeiro herói do desenvolvimento”, declarou Elizabeth Stuart, da organização humanitária Oxfam. “Entretanto, nunca saberemos se era o melhor candidato para o cargo, porque não foi uma competição justa e limpa. Este processo vergonhoso prejudica a instituição e mancha a escolha de Kim”, acrescentou.

Kim presidirá uma instituição que em 2011 emprestou US$ 43 bilhões a países de renda baixa e média e cujo ramo dedicado ao setor privado, a Corporação Financeira Internacional (CFI), entregou outros US$ 12 bilhões. Sua postulação, lançada em março pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, despertou surpresas porque, ao contrário de seu antecessor, carece de experiência em finanças e administração de uma entidade da envergadura do Banco Mundial.

Ao contrário, Kim se distinguiu como um praticante do desenvolvimento “no terreno”, especialmente como um dos fundadores da entidade não governamental Sócios em Saúde e depois como chefe de departamento da Organização Mundial da Saúde encarregado de combater a pandemia de HIV/aids. “É hora de um profissional do desenvolvimento dirigir a maior agência de desenvolvimento do mundo”, afirmou Obama ao anunciar a candidatura de Kim, rapidamente apoiada pelo autocandidato Jeffrey Sachs, diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia, e pelo ex-presidente Bill Clinton, entre outros.

Pela primeira vez na história do Banco Mundial, o candidato de Washington encontrou desafiantes. Okonjo-Iweala, proposta pela África do Sul, e Ocampo, proposto pelo Brasil em nome da República Dominicana, foram formidáveis oponentes com ampla experiência, tanto em economia quanto na condução de grandes instituições nacionais e internacionais. E, apesar de suas qualificações, nunca pairou dúvidas quanto ao resultado da competição.

Sob o acordo informal que existe entre Estados Unidos e Europa, um cidadão deste país dirige o Banco Mundial e um europeu faz o mesmo em sua instância irmã, o Fundo Monetário Internacional (FMI) desde que ambas foram criadas, em 1944, na conferência de Bretton Woods. As esperanças dos desafiantes estavam em dividir o voto europeu, uma possibilidade remota diante do apoio crucial que Washington deu no ano passado para que a ministra francesa das Finanças, Christine Lagarde, sucedesse seu conterrâneo Dominique Strauss-Kahn à frente do FMI.

O resultado estava cantado inclusive no texto de um comunicado pouco divulgado, do Comitê de Desenvolvimento do Banco, que, após a nomeação de Lagarde, destacava “o histórico paralelismo entre os dois processos de seleção do Grupo Banco Mundial e do FMI”, embora prometesse um procedimento “aberto, baseado nos méritos e transparente”.

O que aconteceu não foi nada transparente nem meritório. Enquanto Okonjo-Iweala e Ocampo empreenderam uma ativa campanha em todo fórum possível, Kim, invariavelmente acompanhado por altos funcionários do Tesouro dos Estados Unidos, embarcou “em uma viagem para ouvir” o que tinham a dizer os países mais importantes no mundo.

Seus dois adversários apresentaram-se em Washington na semana passada em fóruns promovidos pelo jornal The Washington Post e pelo não governamental Center for Global Development (Centro pelo Desenvolvimento Global). Kim se absteve de comparecer a esses atos. Os candidatos foram entrevistados pela Direção Executiva em dias sucessivos na semana passada, mas apenas foram divulgadas suas declarações iniciais.

Quanto à escolha em si, o órgão afirmou ontem que as três candidaturas “receberam apoio de diferentes países-membros, o que reflete o grande calibre dos postulantes”. Todo o procedimento e a insistência de Washington em manter a chefia do Banco Mundial poderiam provocar contragolpes a partir de diferentes frentes.

“Quando cidadãos de todo o mundo combatem o nepotismo, as más práticas eleitorais e a má governança, devemos procurar fazer com que as instituições públicas internacionais deem o exemplo”, ressaltou o filantropo e magnata sudanês das comunicações, Moahammad Ibrahim, à agência Pan-Africana de Notícias. “Ninguém pode dar lições aos países em desenvolvimento sobre como administrar seus procedimentos nas esferas pública e privada, se com grande descaramento não se atêm às mesmas regras”, acrescentou.

Nancy Alexander, que dirige o programa de governança econômica da Heinrich Boell Foundation, com sede em Washington, disse à IPS que este assunto “dará força ao grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para criar seu próprio banco de desenvolvimento Sul-Sul”. Também impulsionará o Clube Internacional de Instituições Financeiras para o Desenvolvimento (IDFC), um novo grupo de 19 bancos nacionais e regionais, apontou.

“Veremos o Banco Mundial reverenciando em seus programas os desejos dos mercados emergentes, mas, ao mesmo tempo veremos os países emergentes muito frustrados com as políticas do Banco, e cada vez com mais dinheiro seguirem por conta própria”, alertou Alexander, expressando, contudo, certa simpatia pelo esforço de Obama. “Se ele queria obter a aprovação legislativa para os fundos do Banco, devia propor um candidato norte-americano”, comentou.

“Kim é uma pessoa muito boa, mas me preocupa sua capacidade para administrar”, afirmou, por sua vez, Jo Marie Griesgraber, chefe do grupo não governamental New Rules for Global Finance (Novas Regras para as Finanças Globais). No entanto, ativistas pelo direito à saúde e alguns economistas do desenvolvimento apoiam Kim calorosamente. “Tem potencial para transformar uma das instituições mais densas do mundo e desafiar o falido pensamento ortodoxo que prescreve austeridade, privatização e endividamento para os países empobrecidos”, disse Amanda Lugg, diretora do Health Global Acess Project (Projeto de Acesso Global à Saúde).

“Por outro lado, o mundo precisa de um Banco Mundial que se dedique a conseguir resultados para as pessoas, aplicando enfoques amplos à macroeconomia e facilitando o acesso a saúde, educação, infraestrutura e emprego no âmbito comunitário”, destacou Lugg. Para Mark Weisbrot, codiretor do Centro de Pesquisa em Economia e Política, Kim “terá que batalhar contra Washington e seus aliados”. Porém, concluiu, “apostaria que terminará seu mandato com alguns êxitos importantes”. Envolverde/IPS