Opinião

A água doce em um planeta salgado

por Samyra Crespo –

Mais de 35 milhões de brasileiros vivem sem água tratada. A maior parte das grandes cidades já se encontra sob o regimento do racionamento seletivo de água parte do ano (caso do Distrito Federal, capital do País). Em alguns lugares o “racionamento seletivo” dura o ano todo (São Paulo e Rio, por ex.). Ou seja, em muitos lares, só corre água da torneira alguns dias na semana ou por algumas horas do dia.

Como sempre, os mais pobres são os mais atingidos pela falta d’água – e as consequências sanitárias deste fato.
Hoje, 22 de março – é Dia Mundial da Água, data que a ONU consagrou para promover o “direito à água” como universal – bem como para conscientizar sobre a necessidade de fazermos um uso sustentável deste recurso. Ao contrário do que se pensa, a água não é abundante: do total existente no Planeta, 96% são salgadas ou impróprias ao consumo humano.

A água é uma necessidade vital para humanos, animais e plantas. É também um direito básico que muitos, dentro e fora do País, estão longe de desfrutar plenamente. A ONU relata situações em que mães e crianças caminham até quatro horas por um balde de água.

Há um grande movimento econômico-empresarial, mundial, para que a água se torne commoditie e grandes empresas oligopolistas vêm comprando as fontes de água.

As consequências sociais e econômicas dessa “privatização ” do recurso para os que vivem em regiões climáticas severas – com poucas chuvas e sem rios perenes – é dramática.

Conflitos e disputas pela posse ou acesso a fontes de água já ocorrem na África sub saariana e em outras regiões áridas do Planeta.

O consumo da Água para beber já pressiona o orçamento das classes médias mais baixas e dos pobres. A péssima água fornecida por serviços estatais ou privados, nos países pouco desenvolvidos, e caros, obriga boa parte da população a comprar adicionalmente galões do produto purificado ou em garrafas de água “mineral”.

Nas comunidades, o fornecimento dessa água em galão, como o gás em botijão vem sendo gradativamente controlado pelas milícias.

O cenário futuro da gestão da água nas cidades, e da real existência dela, disponível na natureza, não é animador.
Além das mudanças climáticas que alteram o regime de chuvas, o mundo continua desmatando suas florestas nativas. Todos sabemos que o desmatamento é o caminho perverso e certeiro para criar a escassez de água.
Estamos todos preocupados com a Pandemia e isto é perfeitamente compreensivo.

Talvez por isso este debate não tenha a devida acolhida neste momento.

Mas outros gatilhos estão sendo armados para que o sofrimento da humanidade não cesse. Um deles, com certeza é a crescente escassez de água potável.

Já ouvi de algumas pessoas que a solução é a dessalinização. Não se iludam. Sim há tecnologia para retirar o sal da água, mas a seguir o que fazer com o sal? Enterrar no solo, jogar no mar? Ou enviar para Marte?

Fica a pergunta, aos capitalistas, aos gestores e a nós mesmos.

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.