A crise econômica impõe reduzir os gastos militares

Plataformas de mísseis Patriot na base norte-americana de Osan, na Coreia do Sul. Foto: moraisvinna

Nova York, Estados Unidos, agosto/2012 – A crise, iniciada há poucos anos com o colapso de importantes instituições financeiras nos Estados Unidos, agora está centrada na Europa e ameaça o resto do mundo.

Muitos países emergentes na Ásia e na América Latina, que até agora evitaram o contágio, graças às suas sólidas políticas econômicas e fiscais e por sua oportuna adoção de estímulos para o consumo interno, começam a experimentar efeitos secundários dessa crise.

No entanto, continuam consumindo a cada dia centenas de milhões de dólares em operações de guerra que somente agravam os problemas que, se supunha, deveriam resolver.

Há outros inquietantes sinais. Embora as operações militares em algumas áreas conflitivas tenham sido suspensas, as causas primordiais da tensão continuam desatendidas, com imprevisíveis consequências.

E embora a situação econômica aflija algumas potências com inclinações belicistas e as leve a se recolherem em seus próprios territórios, estas colocam ao mesmo tempo em seus orçamentos mais recursos para projetar, testar e eventualmente produzir e instalar novas gerações de armas mortíferas em nome da manutenção de sua segurança nacional.

Outras nações parecem determinadas a gastar boa parte de seus escassos recursos em meios bélicos para com eles enfrentar reais ou imaginárias ameaças externas.

A “contagiosa doutrina da dissuasão”, segundo definição do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, já não é prerrogativa dos dois antagonistas da Guerra Fria. Se algumas nações se sentem com o direito de se dotarem de um “seguro nuclear”, como descreveu um ex-primeiro-ministro a posse de armas atômicas de seu país, é de se esperar que outros sigam este exemplo.

É lamentável que tenham passado os dias em que as conferências internacionais conseguiam forjar conjuntamente acordos bilaterais ou multilaterais de controle de armamentos.

Embora aqueles acordos não tenham trazido um desarmamento efetivo, pelo menos preservaram certo grau de sensatez ao frear alguns dos mais perigosos aspectos da corrida armamentista e ao incentivar a possibilidade de posteriores progressos para o desarmamento.

Nos últimos 15 anos, a máquina multilateral da ONU foi incapaz de alcançar o mais leve progresso em relação ao desarmamento e à não proliferação nuclear.

A humanidade parece ter perdido a capacidade ou a vontade de seguir o progresso previamente alcançado, ao proibir outros tipos de armas de destruição em massa, como as químicas e biológicas.

Apesar de importantes reduções numéricas de armas nucleares a partir do ponto mais alto da Guerra Fria, houve pouco ou nenhum avanço para sua eliminação ou para a redução de sua importância nas doutrinas militares das potências nucleares.

O mundo dedica cada vez mais recursos para produzir armas convencionais que, em grande parte, vão para mãos de traficantes que abastecem conflitos nos países menos desenvolvidos.

Segundo os últimos dados, os gastos mundiais com armamentos chegaram a US$ 1,7 trilhão, soma que talvez iguale a utilizada pelos países industrializados para enfrentar seus problemas financeiros.

Porém, nem tudo está perdido. Os analistas afirmam que cada progresso real na interação entre as nações foi precedido de algum tipo de crise profunda nas relações internacionais.

Na história recente, ingentes conflitos e imensas destruições precederam as conferências de Haia, a criação da efêmera Sociedade das Nações e o sucesso da criação da ONU.

Mas, todos os progressos alcançados nas últimas décadas foram o resultado da oportuna percepção de que algo deveria ser feito antes que acontecesse um verdadeiro desastre.

Esse foi o caso da compreensão de que a insensata fabricação de armas nucleares cada vez mais mortíferas das duas superpotências adversárias deveria acabar, de que a proliferação deveria ter um freio, de que pelo menos as armas mais daninhas convencionais deveriam ser proibidas e de que se deveria garantir que o poder do átomo fosse usado apenas com fins pacíficos.

O efeito combinado da atual crise financeira e do ponto morto nas instituições internacionais que se ocupam da segurança, do desarmamento, do desenvolvimento e do meio ambiente, agora pode impulsionar a busca de novas realizações.

Os países mais fortemente armados deveriam entender que converter seus territórios em fortalezas e construir meios de destruição cada vez mais sofisticados não fortalece sua segurança, mas a coloca em perigo.

É possível que a crise econômica imponha políticas fiscais ainda mais severas do que as atuais e que isto propicie reduções significativas nos orçamentos militares.

Talvez, o mais importante, todas as nações, seja qual for sua riqueza ou poder político ou militar, deveriam finalmente entender que toda crise pode ser desativada quando se trabalha em conjunto em um sistema internacional que reconheça que a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria ficaram definitivamente no passado. Envolverde/IPS

* Sérgio Duarte é embaixador brasileiro e ex-alto representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento.