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Agricultura familiar se reinventa com assinaturas de cestas

Por Alicia Lobato para o Amazônia Real – 

Se o consumidor não vai à feira, a feira vai até o consumidor. Com um sistema de assinaturas mensais de cestas, produtores da agricultura familiar têm driblado as dificuldades de fazer chegar a comida à mesa dos amazonenses. É um movimento ainda pequeno, que não garante a estabilidade para todos os agricultores, mas que já foi capaz de ampliar o cardápio.

Felipe Rossoni, 40 anos, faz parte da equipe da Cesta Verde Dona Walda, uma horta familiar que há seis anos tem buscado novas formas de vender orgânicos na capital amazonense. Ele afirma que com o plano de assinaturas foi possível diversificar o que era plantado na horta. Ao longo de um ano, subiu de 10 itens para 50 a 60. Além dos tradicionais alimentos, é possível encontrar frutos regionais como jambo, maracujá do mato, banana pacovã e pupunha. Com um valor pago mensalmente, o consumidor recebe uma cesta semanal que será entregue na sua própria casa, com uma taxa de entrega, ou ele opta por buscar em algum ponto de coleta. A cesta “padrão” de hortaliças, batatas e frutas conta com cerca de 12 itens ou a “mini”, com até 8 itens.

A agricultora “Dona Walda”, como é conhecida, decidiu migrar das feiras para o sistema de assinaturas mensais para adotar uma forma de comercialização mais segura. Não raras vezes, o produtor colhe, leva a produção para a feira e não consegue vender tudo. “No caso da produção das hortaliças, que é uma especialidade dos produtores de Iranduba, elas têm uma vida útil de prateleira muito curta. Se não consegue vender na feira, você vai perder”, explica Rossoni.

O modelo de assinaturas mensais tem propiciado uma segurança financeira para os produtores. “O consumidor paga tudo que vai receber no início do mês. Conseguimos pagar tudo à vista e isso é bom”, comenta Felipe.

Assim como a Cesta Verde da Dona Walda, a Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA) também tem aderido a esses novos formatos além da feira voltada para produtos orgânicos. O agroecologista Ariel Andrade Molina, 33 anos, um dos idealizadores da CSA no Amazonas, explica o benefício de aproximar consumidores e produtores. “A CSA tem permitido aos agricultores tirarem férias e terem salários mais adequados. Existe uma demanda muito forte dos alimentos regionais, os consumidores que nos procuram, vão procurar primeiro a qualidade dos alimentos, se são orgânicos, e principalmente, ter essa  relação de parceria com os agricultores”, afirma.


Ariel Molina, coordenador da CSA na Feira de produtos orgânicos na ASSINPA em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Há quatro anos, a CSA passou a atuar em Manaus, motivada pelo interesse dos agricultores em trazer seus produtos para a capital. Para Ariel, o princípio é trabalhar com economia solidária e soberania alimentar. “Não é um mercado como conhecemos, é uma associação direta que pode ser formal e informal, entre agricultores e consumidores na cidade, onde os acordos são divididos entre todos, tanto as responsabilidades quanto os benefícios dessa associação”.

Os produtores têm notado uma redução da presença de pessoas nas feiras orgânicas em Manaus, e ela envolve vários fatores: falta de uma maior e melhor divulgação dos dias das feiras, os locais escolhidos não serem estratégicos e a visão que muitos ainda têm de que um orgânico é mais caro. Isso ocorre quando se comparam os preços desses produtos nas grandes redes de supermercados. “O produto orgânico não é mais caro do que um não orgânico”, afirma Felipe Rossoni. “As pessoas comparam o preço porque elas compram alface de São Paulo, aí é bem mais caro. Mas se você comprar na mão do produtor não é mais caro.”

Agricultura familiar alimenta o brasileiro

Produtores familiares com suas produção de orgânicos / (Foto cedida por Ariel Molina/CSA)

A agricultura familiar é responsável por 23% do valor de produção brasileira no campo, e ocupa uma área também de 23% do total de área plantada. Ou seja, 77% dos estabelecimentos agrícolas do País pertencem a essa categoria composta por pequenos produtores. Já o agronegócio, responsável pela produção de commodities agrícolas de exportação, como soja e milho, abocanha a maior área da área de plantio. Segundo o último Censo Agropecuário, de 2017 (o próximo foi realizado no ano passado, mas os dados ainda não foram divulgados), a agricultura familiar vem encolhendo e, na comparação com os dados de 2006, foi o único a perder mão-de-obra (2,2 milhões de trabalhadores).

Indo no caminho contrário dos produtores orgânicos, a Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada (9/2), o Projeto de Lei 6299/2002, conhecido popularmente como “PL do Veneno”. Ele flexibiliza o controle e a aprovação de agrotóxicos no Brasil, em análise desde 2002. O texto será analisado pelo Senado, mas se depender do governo Jair Bolsonaro já deveria estar aprovado.

Desde o início de seu governo, Bolsonaro aprovou 1.589 novos agrotóxicos no Brasil, agraciando o setor do agronegócio. O país segue sendo o que mais usa venenos no mundo. O uso dos pesticidas não prejudica apenas quem aplica nas plantações, mas toda a população que consome esses alimentos.

O PL quer alterar o uso da palavra agrotóxico para “pesticidas” e transfere a autorização de uso de novos agrotóxicos, atualmente a cargo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério da Agricultura, exclusivamente para a pasta da Agricultura.

Para a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Elisa Wandelli, as mudanças propostas pelo PL são inviáveis. “A palavra ‘pesticida’ mascara a nocividade do agrotóxico. Quando agricultores e a sociedade vêem essa palavra (agrotóxico), sabem exatamente que é algo usado na agricultura para produzir alimento, mas era tóxico. É tóxico só para o inseto, o fungo? Não, a grande maioria é sistêmica e é tóxica para  a humanidade, para o planeta, o solo, o ar, para tudo”, critica.

Produção sem veneno


Plantação em Iranduba (Foto cedida por Ariel Molina/CSA)

Os produtores de orgânico locais têm tentado sensibilizar as pessoas em relação ao tema. “As pessoas não conhecem exatamente o que é um produto orgânico, agroecológico. As pessoas sentem estranheza quando entram em contato com a cesta, porque, basicamente, querem comprar alface, tomate e cenoura. Tomate é difícil de produzir sem veneno. As pessoas não têm muita ideia do que é uma produção orgânica, que tem alimentos que não têm como produzir aqui”, explica Felipe Rossoni.

A bióloga Elisa Wandelli acrescenta outras características da produção orgânica, que muitos apenas associam a “um sistema de plantar que não inclui o uso de veneno para controle de doenças e pragas”. Há uma cadeia maior que se relaciona com as questões de proteção ao meio ambiente e à saúde das pessoas.

“É um sistema de manejo do uso da terra, é também uma ciência, uma militância que prima que a produção de alimentos não cause danos ambientais, culturais, à saúde, e que mantenha a população tradicional e aglutine o conhecimento tradicional com o conhecimento científico”, afirma.

Os benefícios para quem consome alimentos orgânicos vai além de uma escala individual. Segundo a bióloga, quem consome alimentos sem veneno deixa de contribuir para a poluição do solo e da água. Para ela, o uso contínuo de agrotóxicos deixa o nosso organismo indefeso, podendo causar diversos males, como problemas endócrinos, alergias, baixa imunidade e câncer.

Na produção orgânica, explica Elisa, o agricultor se vale de biofertilizantes quando há problemas de pragas. Outra estratégia é plantar várias espécies ao mesmo tempo e algumas delas podem afastar naturalmente os invasores das plantações.

Felipe Rossoni finaliza lembrando que ainda há poucos agricultores familiares voltados para a produção orgânica no Brasil e na região Norte isso é ainda mais evidente. “Nos mercados da cidade, você encontra hortifruti orgânicos. A totalidade desses produtos nos mercados de Manaus são de fora. Ainda não temos produtos regionais orgânicos no supermercado produzidos aqui”, diz.


O casal de agricultores do ramal do Pupunhal em Iranduba, Joed de Melo e Neiliane Paz na Feira de produtos orgânicos na ASSINPA em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

*Crédito da imagem destacada: Produtores orgânicos do Amazonas se unem para se aproximar do público-consumidor e abandonam as feiras que têm cada vez menos público. Na imagem, feira de orgânicos realizada em Manaus (Foto de Alberto César Araújo/Amazônia Real)

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