ODS15

Ajuda europeia para redução do desmatamento em áreas indígenas

Por Clarissa Beretz (texto e fotos)  – 

27 etnias indígenas do MT se comprometem com programa alemão e britânico que destina R$ 23 milhões para a redução do desmatamento

Contrariando as críticas recentes feitas por Jair Bolsonaro sobre a forma como os europeus defendem os indígenas brasileiros e o meio ambiente, na semana que vem deve sair a primeira parcela dos R$ 23 milhões destinados aos territórios indígenas do Mato Grosso, provenientes do programa REM (REDD for Early Movers – Redução das Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal para Pioneiros, em português), que remunera e premia o esforço de povos e comunidades em manter as florestas em pé.

O programa é financiado pela Alemanha e Reino Unido por meio do banco de desenvolvimento alemão Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW), e o objetivo é cumprir o compromisso internacional firmado por estes países para a redução das emissões de CO2 enquanto membros da “Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima” desde a ECO-92 e reafirmado no ano passado na COP 23, em Bonn, na Alemanha.

Uma verdadeira convenção de nações indígenas estabeleceu no último dia 30 a parceria internacional que deve reduzir o desmatamento no Mato Grosso nos próximos quatro anos. Em evento inédito, que reuniu cerca de 600 pessoas no polo Leonardo Villas Boas, no Xingu, e teve abertura na aldeia Yawalapiti, com apresentações culturais e discursos entre etnias que mal se conheciam, os índios mato-grossenses aceitaram participar do programa.

A reunião terminou no mesmo dia em que o presidente eleito Jair Bolsonaro declarou que “índio não é animal de zoológico para viver em reserva”, sobre a capacidade de sua gestão em reduzir o desmatamento e a emissão de gases de efeito estufa – metas do Acordo de Paris – e um dia antes de suas críticas sobre  os investimentos europeus na proteção de florestas brasileiras.

“Este governo é uma ameaça para nós, temos de estar cada vez mais unidos diante deste risco para toda a nação indígena, especialmente as que não têm terras demarcadas. Nossas realidades são muito diferentes, sabemos que este recurso não vai salvar a causa indígena, mas já é uma grande ajuda. Este documento representa a nossa irmandade e tudo de bom que os povos indígenas possuem”, declarou o presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso, (FEPOIMT), Crisanto Xavante.

Preservou, recebeu: o pagamento é por resultado

Dos R$ 178 milhões a serem doados na totalidade do programa – que também beneficia três outros subprogramas, de agricultura familiar para comunidades tradicionais e produção sustentável, inovação e mercados para pequenos e médios produtores e fortalecimento institucional – R$ 23 milhões serão destinados a propostas apresentadas pelas sete regionais do estado: Vale do Guaporé, Noroeste, Cerrado e Pantanal, Xingu, Xavante, Araguaia e Kayapó Norte.

O recurso, entretanto, só será entregue mediante comprovação de resultados, diferentemente das propostas de crédito de carbono feitas por outros países e instituições no passado. A fiscalização ficará por conta da Secretaria do Meio Ambiente do estado (SEMA-MT).

“O pagamento por resultados será realizado com recursos públicos alemães e está prioritariamente vinculado à diminuição do desmatamento. A proposta é que esse dinheiro impulsione políticas públicas fundamentais para a mudança e a consolidação de um novo sistema produtivo em que se valorize a floresta em pé”, declarou Christiane Ehringhaus, representante do KfW em Frankfurt, na Alemanha.

Um documento final foi construído em conjunto na convenção indígena para contemplar as contribuições de todas as regionais sobre como e onde o aporte deverá ser investido.

“Queremos incentivar a produção de castanhas sustentáveis e café orgânico em nossa região, sem desmatamento e com manejo sustentável. Com este recurso, poderemos melhorar a produção e a comercialização de nossa marca”, disse o cacique Henrique, do povo Suruí.

Capacitação de agentes ambientais, formação de brigadistas de incêndio, aquisição de instrumentos para a vigilância nas fronteiras e auxílio na demarcação de territórios foram algumas prioridades levantadas no documento final.

A gestão financeira do programa será feita pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), que não fará pagamento direto, mas disponibilizará o dinheiro para a contratação de serviços ou compra de bens e equipamentos.

O governo estadual, através da SEMA, entregou o programa completo para a cooperação internacional e o recurso será distribuído entre as estratégias de implementação, que contemplam editais e convocação aberta de projetos. O primeiro desembolso – cerca de R$ 3 milhões – deve sair até o dia 15 de dezembro.

Desmatamento no estado beira o limite

Em 2015, na COP21, o Mato Grosso se comprometeu em eliminar a prática ilegal até 2020. Dados do PRODES publicados no início de novembro, entretanto, indicam que a atividade no estado aumentou 12% em relação ao ano passado, (1.749 km² contra 1.561 km² em 2017), quase atingindo a linha de corte de 1.780 km² delimitada para o desmatamento anual. Se a perda de florestas no estado superar este limite, o desembolso não será realizado.

As terras indígenas são responsáveis pela proteção de mais de 36% dos remanescentes de vegetação nativa no estado. Por esse motivo, os povos indígenas vivem sob constante pressão de desmatamento pelo alastramento do agronegócio, extração madeireira e garimpo ilegais.

Xingu ainda não aceitou

Das sete regionais, a do Xingu (que contempla 16 povos indígenas) anunciou que ainda não compreendeu a totalidade do programa REM. Seu maior representante presente, o cacique Aritana Yawalapiti, pediu mais oficinas para esclarecer seu povo sobre como o programa será empregado.

“Hoje plantamos a nossa roça. Vamos pedir chuva para uma boa colheita. Mas fizemos uma reunião de caciques e vimos que a maioria dos xinguanos teve dificuldade em compreender, sobretudo os termos técnicos em português. Precisamos de mais tempo, mais capacitação para indicar as nossas prioridades naquele documento. Mas isso vai acontecer, não queremos que o Xingu atrapalhe nossos irmãos. Estamos com eles”, declarou no final do evento.

Além da FEPOIMT, a construção do subprograma Territórios Indígenas do Programa REM/MT é realizado pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), com apoio do Instituto Centro de Vida (ICV), da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Superintendência de Assuntos Indígenas (SAI/MT). (#Envolverde)