Sociedade

Ajuda não consegue deter a catástrofe humanitária do ebola na África

Serra Leoa e Libéria poderiam ter mais de 20 mil novos casos de ebola nas próximas seis semanas, e até 1,4 milhão até janeiro de 2015, se for mantido o ritmo atual de expansão do vírus. Foto: Comissão Europeia DG ECHO/CC-BY-ND-2.0
Serra Leoa e Libéria poderiam ter mais de 20 mil novos casos de ebola nas próximas seis semanas, e até 1,4 milhão até janeiro de 2015, se for mantido o ritmo atual de expansão do vírus. Foto: Comissão Europeia DG ECHO/CC-BY-ND-2.0

 

Washington, Estados Unidos, 30/9/2014 – A rápida expansão do vírus ebola na África ocidental, que já matou três mil pessoas, supera os esforços regionais e internacionais para deter a epidemia, alertam especialistas em saúde e autoridades de todo o mundo.

“Não nos movemos com rapidez suficiente. Não estamos fazendo o suficiente”, afirmou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em uma reunião especial sobre a crise do ebola realizada no dia 25 deste mês na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. A epidemia poderá matar “centenas de milhares” de pessoas nos próximos meses, salvo se a comunidade internacional proporcionar os recursos necessários, acrescentou o mandatário.

O presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, anunciou que essa instituição aumentará até US$ 400 milhões o financiamento para ajudar os países mais afetados: Guiné, Libéria e Serra Leoa. “Todos podemos, devemos, nos mover com maior rapidez para conter a propagação do ebola e ajudar esses países”, afirmou. “Já foram perdidas muitas vidas, e o destino de milhares de outras depende de uma resposta que possa frear e depois deter essa epidemia”, destacou.

Os Centros para o Controle e a Prevenção de Enfermidades (CDC) dos Estados Unidos enviaram dezenas de especialistas à África ocidental e concluíram que em Serra Leoa e na Libéria poderiam surgir mais de 20 mil casos novos do ebola nas próximas seis semanas, e até 1,4 milhão até 20 de janeiro de 2015, caso seja mantido o atual ritmo de expansão do vírus.

As autoridades sanitárias internacionais elevaram o cálculo da taxa de mortalidade das pessoas infectadas com o vírus de 55% para 70%. O foco mais recente do ebola teria começado em março na Guiné, antes de se espalhar para o sul rumo a Serra Leoa e Libéria, dois países que ainda não se recuperaram totalmente de suas respectivas guerras civis.

Oficialmente, a epidemia matou até agora quase três mil pessoas, mas a maioria dos especialistas acredita que o número real é maior, já que muitos casos não foram informados às autoridades, especialmente em áreas distantes nos três países afetados.

A epidemia também gera custos econômicos elevados, já que o temor do contágio e as medidas de quarentena à qual recorreram os governos alteraram gravemente o transporte e o comércio em seus territórios. O Banco Mundial revelou que a inflação e os preços dos alimentos básicos sobem rapidamente nos países afetados como reação à escassez, à especulação e às compras excessivas produzidas pelo pânico.

O estudo dessa instituição, que não levou em conta os últimos dados do CDC, projeta para os três países perdas econômicas de US$ 359 milhões este ano, equivalente a uma queda de 3% no conjunto de sua produção econômica. O impacto em 2015 poderá superar os US$ 800 milhões. É provável que a economia liberiana seja a mais prejudicada, já que este país é um dos mais pobres do mundo.

“Essa é uma catástrofe humanitária, antes de tudo. Mas as ramificações econômicas são muito amplas e podem ser de longa duração. Nossa avaliação mostra um impacto econômico muito mais grave nos países afetados do que o estimado previamente”, ressaltou Kim.

Especialistas em segurança alertam que a epidemia também poderia provocar crises políticas nos países afetados. Em um comunicado divulgado no dia 23, a organização independente International Crisis Group (ICG), com sede em Bruxelas, alertou que os três países africanos já experimentam “o caos generalizado e, potencialmente, o colapso”, devido à desconfiança dos cidadãos em relação aos seus governos, que gera uma violenta resistência à quarentena aplicada por efetivos militares, entre outros esforços oficiais para deter o vírus.

A escassez de alimentos também poderia provocar revoltas populares contra as autoridades. “Nos três países poderiam ressurgir os conflitos civis passados alimentados por antagonismos locais e regionais”, segundo o ICG. Além disso, o vírus poderia chegar a Guiné Bissau e Gâmbia, que tampouco contam com sistemas de saúde aptos para lidar com a situação, acrescentou a organização.

No começo deste mês, a Organização Mundial da Saúde calculou que frear a enfermidade custará um mínimno de US$ 600 milhões, embora a cifra seja considerada baixa. Até o momento, se materializaram pouco mais de US$ 300 milhões. Os Estados Unidos prometeram mais de US$ 500 milhões e o envio de três mil soldados à região, junto com os especialistas dos CDC. Mas alguns especialistas criticam essa assistência.

“O número de novos casos de ebola a cada semana supera com juros o número de camas em hospitais que há em Serra Leoa e na Libéria”, afirmou John Campbell, especialista em África ocidental no Conselho de Relações Exteriores (CFR), um centro acadêmico com sede em Washington. “É difícil ver como a promessa do presidente Obama de enviar três mil soldados à Libéria para construir hospitais com um total de 1.700 leitos poderá transformar” a situação. “A assistência da Grã-Bretanha a Serra Leoa e da França a Guiné é ainda menor”, pontuou.

Várias organizações beneficentes norte-americanas também prometeram ajuda, como a Fundação Bill e Melinda Gates, que doará US$ 50 milhões, e a entidade do cofundador da Microsoft, Paul Allen, que entregará US$ 65 milhões.

“As generosas promessas de ajuda e as resoluções sem precedentes da ONU são muito bem-vindas, mas significarão pouco, a menos que se traduzam em ações imediatas. A realidade de hoje no terreno é a seguinte: o prometido ainda não foi entregue”, destacou Joanne Liu, presidente da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), no dia 25.

“Nosso centro de 150 camas na Monróvia abre apenas por 30 minutos pela manhã. Só admitimos umas poucas pessoas, para ocupar os leitos deixados livres pelos que morreram durante a noite. Pacientes continuam sendo rejeitados, e voltam para suas casas onde espalham o vírus entre seus entes queridos e vizinhos. Não poupem esforços. A ação em massa e direta é a única via”, enfatizou Liu. Envolverde/IPS