Opinião

Antonio Candido, um dos mais importantes intelectuais brasileiros, morre aos 98 anos

Agência FAPESP – Antonio Candido de Mello e Souza morreu no dia 12 de maio. Escritor, ensaísta e professor Emérito da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e doutor honoris causa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de Pernambuco. Aos 98 anos, Antônio Cândido estava internado há quase uma semana. Foi casado com Gilda de Mello e Souza, falecida em 2005.

“O professor Antonio Candido foi um dos mais importantes intelectuais brasileiros. Sua participação foi intensa nas discussões sobre a criação da FAPESP, quando defendeu, para o bem do desenvolvimento da ciência e tecnologia em São Paulo, que o apoio à pesquisa deveria incluir as áreas de letras, ciências humanas e sociais, e linguística”, afirmou Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

O embaixador Celso Lafer, ex-presidente da FAPESP, também destacou a participação de Antônio Candido nas atividades iniciais da FAPESP e que a ele se deve o apoio, que se consolidou no tempo, à pesquisa nas áreas de ciências humanas. “Assegurou desta maneira com seus alunos na Universidade a importância da pesquisa em literatura”, afirmou Lafer.

Nascido no Rio de Janeiro em 1918, Antonio Candido mudou-se ainda criança para Poços de Caldas. Considerava-se mineiro. Concluiu o ensino secundário em São João da Boa Vista, em São Paulo, e fez o curso complementar da Universidade de São Paulo (USP), entre 1937 e 1938, antes de ingressar no curso de Direito da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – que abandonaria no último ano – e no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).

Escritor, ensaísta e professor, ele foi um dos mais importantes intelectuais brasileiros e “um ser humano melhor do que as palavras possíveis da gente” (foto: Eduardo César/Revista Pesquisa FAPESP)

“Antonio Candido ficou mais conhecido como professor de Teoria e Crítica Literária, campo em que formou discípulos de grande competência e destaque”, lembra o sociólogo José de Souza Martins, professor de Sociologia da USP e membro do Conselho Superior da FAPESP. “No entanto, ele era formado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia da USP, tendo sido assistente do Catedrático de Sociologia, Professor Fernando de Azevedo”.

Martins acrescenta que Antonio Candido desenvolveu uma linha teórica influente nos estudos sociológicos e antropológicos das populações e comunidades rurais, cuja grande e referencial obra é Os Parceiros do Rio Bonito, precedida do estudo seminal sobre o Cururu.

Os Parceiros do Rio Bonito foi publicado em 1964 pela editora José Olympio e tornou-se, segundo Fernando Henrique Cardoso, “a contribuição mais original da ciência social brasileira na primeira metade dos anos cinquenta”, conforme ele escreveu em Esboço de figura – Homenagem a Antonio Candido, livro organizado por Celso Lafer e publicado pela editora Livraria Duas Cidades, em que um grupo de intelectuais homenageia Candido.

No prefácio à primeira edição de Os Parceiros, o próprio Antonio Candido confessa que sua tese nasceu do “desejo de analisar as relações entre a literatura e a sociedade”, lembra a jornalista Mônica Teixeira no livro Circa 1962 – A Ciência Paulista nos Primórdios da FAPESP, editado pela Fundação. Teixeira conta que o livro começou com a pesquisa sobre o Cururu, uma dança cantada do caipira paulista, que aguçou seu “senso dos problemas que afligem o caipira nessa fase de transição”, segundo o próprio autor.

“Candido criou uma alternativa para o dualismo dos estudos antropológicos americanos, que em sua época se difundiam na América Latina e demarcavam o terreno dos estudos rurais no Brasil, os de Robert Redfield e de George Foster. Ele introduziu, na formulação teórica desses estudos, a teoria da História de Karl Marx e de Friedrich Engels, exposta em A Ideologia Alemã. Com isso, salvou-nos da perspectiva dicotômica que alimentaria o empobrecedor dualismo interpretativo de um ramo da nossa Sociologia. Abriu-nos o campo da historicidade dos processos sociais, que foi influente e decisivo em minha formação. Antonio Candido, sobretudo, introduziu a poesia na linguagem da Sociologia brasileira. Foi seu jeito de ser sociólogo com doçura e com afeto”, disse Martins.

Entre 1958 e 1960, Candido lecionou literatura brasileira na Faculdade de Filosofia da Assis e lançou, em 1959, o livro Formação da Literatura Brasileira, no qual estuda a formação do sistema literário brasileiro. Voltou à USP em 1961 como professor colaborador da disciplina de teoria literária e literatura comparada.

Entre 1964 e 1966, deu aulas na Universidade de Paris e, em 1968, foi professor visitante na Universidade de Yale. Aposentou-se da USP em 1978, tendo, no entanto, permanecido ligado à pós-graduação.

“Antonio Candido foi um ser humano excepcional e um admirável professor. Formação da Literatura Brasileira é, como observa Roberto Schwarz, um livro de sete fôlegos, pois reúne os três atributos de persistência de um clássico, apontados por Norberto Bobbio: é uma interpretação autêntica das preocupações com a formação do Brasil dos anos 50; o tempo histórico de sua redação conclusiva; mantém uma atualidade que instiga sua constante releitura e contém conceitos, categorias e interpretações de que continuamos a nos valer – decorridos quase 50 anos após sua publicação – para apreender o Brasil e a especificidade de sua literatura nos períodos que examinou e discutiu. São muito ricas as dimensões da sua crítica de vertentes atenta à especificidade das obras por ele analisadas como é caso do paradigmático O Discurso e a Cidade. São muito agudas as suas análises sobre o pluralismo dos estímulos à criação literária, desvendados em Literatura e Sociedade”, afirmou Celso Lafer.

Candido publicou duas dezenas de livros. Ganhou o o Prêmio Camões em 1988, o Prêmio Machado de Assis em 1993, os Prêmios Jabuti em 1960, 1965, 1966 e 1993, o Prêmio Internacional Alfonso Reyes – outorgado por instituições de arte e cultura do México – em 2005 e o Juca Pato em 2007. O seu último livro, Um funcionário da Monarquia: ensaio sobre o segundo escalão, foi publicado em 2002.

“Como seu antigo aluno, amigo e compadre, só posso dizer, evocando o que dele disse Guimarães Rosa, foi um ser humano melhor do que as palavras possíveis da gente”, afirmou Lafer.

Nota da família

No dia 12 de maio, a família de Antonio Candido distribuiu a seguinte nota a respeito de seu falecimento:

Antonio Candido (de Mello e Souza) morreu nesta madrugada de 12 de maio às 1h40 em decorrência de complicações ocasionadas por uma obstrução gástrica.

No princípio da vida intelectual foi crítico literário ativo, tendo se tornado professor muito cedo para atuar, sucessivamente, nas cadeiras de Sociologia e Teoria Literária da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, onde formou várias gerações numa atividade pedagógica continuada.

É autor de textos seminais sobre literatura como A dialética da malandragem e De cortiço a cortiço ambos publicados em O discurso e a cidade, seu livro de ensaios mais importante.

Para Antonio Candido a arte e a literatura respondem à necessidades profundas do ser humano. E foi sobre isso que ele refletiu em O direito à literatura, outro ensaio igualmente importante, em que defende a necessidade de extender a todos, sem distinção de classe, o acesso a este bem imaterial.

É autor, ainda, de dois clássicos, um na área da literatura – Formação da literatura brasileira: momentos decisivos –, outro na área da Sociologia – Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação de seus meios de vida.

Foi um socialista democrático convicto ao longo de toda a vida tendo integrado os quadros do Partido dos Trabalhadores desde o início.

Era viúvo de Gilda e Mello e Souza com quem teve três filhas, oito netos e cinco bisnetos.

(Agência Fapesp/Envolverde)