Educação empreendedora, 25: o brasil não é para principiantes

A série sobre educação empreendedora está quase no fim e os textos já publicados até aqui estão neste link. uma das ideias-chave da conversa é que deve ser feita uma mudança radical nas bases da educação brasileira, para criar uma atitude mais empreendedora (para começar) entre professores e alunos em todo o sistema de criação de oportunidades de aprendizado.

No texto anterior, publicado em junho, falamos de negociação e de como, dentro e fora do negócio, você vai ter que negociar. não fosse assim, a aventura de empreender não resultaria numa coisa chamada negócio. como novos negócios inovadores de crescimento empreendedor são o tema da conversa, queremos discutir os problemas de fazer coisas distantes do empreendedorismo indigente que caracteriza parte dos empreendimentos por necessidade, aqueles que acontecem por causa (como diz o nome) da necessidade de sobrevivência do empreendedor, que de outra forma talvez nunca tentasse um negócio.

Uma das coisas que a gente pode tentar (veja bem, eu disse tentar) fazer para incentivar as pessoas a empreender é convencê-las de que se trata de um processo como qualquer outro, fácil mesmo, citando como exemplo casos de acerto sem erro ou dor, de preferência muitos, e esconder debaixo do tapete as dificuldades, complicações e agruras. mas, além disso passar muito longe da honestidade, no caso do brasil levaria bem pouco tempo para o candidato a empreendedor descobrir que foi enganado. e isso porque o brasil, como dizia o maestro tom jobim, “não é um país para principiantes”.

Acaba de ser publicado o doing business 2012, do world bank e IFC, um estudo multifacetado que considera as condições de fazer negócios em 183 economias. um dos resultados é um índice de quão fácil ou difícil é criar e manter uma empresa em quase todos os países. e o brasil não se sai bem na situação atual, na evolução recente, na comparação com os principais concorrentes e, esticando a corda, nas perspectivas para o futuro próximo.

Quer ver?… pra começar, estamos em 126º lugar entre 183 países, mas não só: à nossa frente estão a bósnia, a suazilândia e uganda.

A imagem acima tem duas partes do ranking: o topo da lista, onde a noruega tomou o sexto lugar da inglaterra entre o índice anterior e este, e a região onde está o brasil. acima, os países já mencionados e, abaixo, a tanzânia, honduras e indonésia. danado é que o brasil caiu seis posições na lista, mais do que o iraque, que no mesmo período caiu “só” cinco.

Como em todos os rankings, é bom notar que não se trata necessariamente de uma piora de nossas condições absolutas, mas relativas. e isto é muito importante mesmo assim, porque significa que mais gente passou a ter condições melhores do que as nossas. os russos, por exemplo, subiram do 124º para o 120º lugar e cabo verde do 129º para o 119º lugar. a julgar pelo doing business, que é uma avaliação internacional bem respeitada, há um ano era mais difícil começar e manter um negócio na rússia e em cabo verde do que no brasil. agora, é o contrário. sem ir ver o ranking, quer saber onde está a argentina? 113º. o paraguai? 102º. o uruguai? 90º. e subiu 12 posições de um ano pra outro. somos os piores do mercosul. simples assim.

De lá pra cá, o que foi que aconteceu? muitos dos outros fizeram muito, e nós não fizemos nada para melhorar as condições de empreendedorismo no país. olhe o gráfico abaixo…

…onde se vê que o brasil está parado no tempo (com uma ligeira regressão), enquanto china, índia e rússia (nosso outro bloco, os BRICs) avançaram em direção à “fronteira” de melhores práticas para negócios nos últimos cinco anos. o progresso da índia é notável. no mesmo passo, a rússia vai se tornar um ambiente empreendedor de classe mundial em breve. e a china está, talvez, respirando pra se recuperar dos esforços dos últimos anos.

Não vai surpreender se a gente disser que a correlação entre a facilidade de fazer negócios e a competitividade global é alta (0.82, pág. 27 deste link). mas surpreende que, mesmo entre os BRICs, todos situados do meio para o fim da tabela, no brasil se leve de três a quatro vezes o tempo que se leva na rússia, índia ou china para se abrir um negócio. houvesse alguma exigência de capital mínimo, aqui, iríamos pro fundo do poço, como se pode comparar na tabela abaixo.

Abrir uma empresa em cingapura exige três procedimentos, leva três dias, e o custo é 1/8 do brasil. na nova zelândia, apenas um procedimento, em um único dia, a 1/13 avos do custo brasil. isto, aliás, é o que se chama custo brasil. e não consta que qualquer destes países seja uma bagunça por causa da simplicidade ao abrir negócios, muito pelo contrário. a grande complicação nacional, por outro lado, os cartórios e excesso de processos em todos os lados da economia nacional levam nossos candidatos a empreendedor a perder preciosos tempo, energia e recursos que deveriam estar usando para… empreender.

Você pode pegar o relatório inteiro neste link. boa leitura. e não se assuste. se você já ia começar um negócio de qualquer jeito, nada melhor do que entender a classe de dificuldades que você vai enfrentar em comparação com empreendedores de outros países que podem estar concorrendo diretamente com você. e lembre que empreendimentos como buscapé começaram em condições piores que as atuais e se tornaram sucesso de público, crítica, resultado e, finalmente de retorno espetacular para os empreendedores e investidores. não desista.

Em muitos países “difíceis”, não são poucos os candidatos a empreendedor que resolvem o problema de contexto de forma radical, mudando de país. e este é o processo de alguns programas e apoio ao empreendedorismo centrados apenas no empreendedor, que partem do pressuposto de que, se mais empreendedores “dão certo” nas economias “certas”, mais economias, como consequência, vão se acertar.

Sei não, pode até ser. mas isso pode levar muito, muito tempo. talvez seja preciso (em particular, este é meu ponto de vista) fazer um trabalho de base, de mudanças estruturais na conjuntura empreendedora para facilitar – nem que seja apenas um pouco mais, a cada movimento – um trabalho que, por si só (como estamos vendo nesta série) não perde para nenhum outro em complexidade.

Além de começar a empreender ou continuar empreendendo aqui, mesmo sabendo que há outros 125 países onde seria mais fácil (ou, como diriam os otimistas, que há quase 60 onde é ainda mais difícil), precisamos lutar por reformas amplas, profundas, que permitam ao empreendedor brasileiro criar muito mais valor, bem mais rapidamente e de forma bem menos arriscada e complicada do que é o caso, hoje, no país.

Olhando os sinais do futuro, talvez seja para isso que vem aí o ministério da micro e pequena empresa. talvez ele tenha parte de suas ações voltadas para os novos negócios inovadores de crescimento empreendedor. tomara.

Até porque, parafraseando tom jobim e sem intenção de ofender nenhum país, cidade ou região, qualquer lugar sensacional que não é o nosso não é tão bom assim e o nosso, mesmo sem ser tão bom assim, é sensacional. só falta a gente torná-lo (continuamente) melhor pra empreender. aí, sim, é que vai ficar bom de verdade.

* Silvio Meira é fundador do www.portodigital.org e cientista-chefe do www.cesar.org.br, e escreve mensalmente para a Folha de S.Paulo.

** Publicado originalmente no site EcoD.