Número de moradores de rua cresce a olhos vistos em Londres

A taxa de desemprego no Reino Unido, de 8,3%, é a mais alta desde 1996, e o número total de desempregados não era tão grande desde 1994.

Faz quatro meses e nove dias que eu estou em Londres. Pouco tempo, muito tempo? Depende. Tempo suficiente para perceber algumas mudanças significativas na vida da cidade. Fico com uma delas, a principal, na minha opinião. Nessas quase 18 semanas, cresceu a olhos vistos a população de moradores de rua da capital inglesa. Quando me dei conta da mudança, alguns dias atrás, fiquei na dúvida se se tratava de uma constatação de verdade ou se eu simplesmente não tinha reparado antes na quantidade de gente pedindo esmola e se encolhendo embaixo de cobertores mal ajambrados para tentar espantar o frio, que agora começa a chegar.

Procurei estatísticas, dados que me dessem a comprovação (ou não) dessa minha impressão. Não os encontrei (se alguém souber de alguma informação mais precisa, seria muito bem-vinda), mas ainda assim posso dizer com razoável segurança que não se trata só de uma falta de atenção de uma brasileira recém-chegada, lá por julho e agosto. Tenho pelo menos duas razões para acreditar nisso. Ambas um tanto (mas não totalmente) subjetivas.

A primeira é que, sim, eu prestei atenção quando cheguei. Sempre observo esse tipo de coisa em viagens, e aqui, com mais tempo e olhar de quem passa a morar na cidade, não seria diferente. E lembro bem de reparar que a cidade era consideravelmente suja, que toda noite tinha gente caindo de bêbada pelos cantos do bairro boêmio do Soho (caindo mesmo, deitado no chão) e de que, apesar dos muitos problemas e de ser um dos países mais desiguais do assim chamado mundo desenvolvido, não se via quase ninguém pedindo dinheiro ou dormindo pelos cantos. Agora a cena é recorrente, em uma proporção enorme. O avanço, a meu ver, foi extremamente rápido.

O segundo motivo a me fazer crer que de fato a população de sem-teto aumentou foi a conversa com algumas pessoas daqui e a constatação óbvia de um período de crise e recessão combinadas com um política conservadora. Um inglês em particular foi bastante rápido na resposta, dizendo que eu provavelmente tinha razão na minha observação, porque isto é o que geralmente acontece quando o Partido Conservador está no poder. O olhar para o social diminui e a desigualdade aumenta. É quando mais gente perde o emprego e, lastimavelmente, mais gente perde sua casa. E aqui se nota muito a humilhação que essas pessoas sentem. A vergonha de estar pedindo, de não ter como manter uma casa. A vergonha é maior que o frio e a fome.

O índice de desemprego, esse eu tenho certeza, está aumentando, principalmente entre os jovens. A taxa de desemprego no Reino Unido, de 8,3%, é a mais alta desde 1996, e o número total de desempregados não era tão grande desde 1994. São 2,62 milhões fora do mercado de trabalho. A relação entre as duas coisas é inegável.

A Europa está em crise, não é novidade. Diz a The Economist dessa semana que 2012 vai ser um ano de grande recessão no Velho Mundo. Nada que até o mundo mineral não soubesse. O mais difícil é quando os números se transformam em vidas reais e em sofrimento diário. Quando deixam de ser números e se transformam em pessoas. Principalmente porque as que mais sofrem são aquelas que menos contribuíram para que as coisas chegassem a esse ponto, as mais vulneráveis.

Como explicar para alguém que se tornou um morador de rua que ele se tornou um morador de rua porque a Europa precisa salvar os bancos e o euro?

* Publicado originalmente pelo blog Somos Andando e retirado do site da Revista Fórum.