Arquivo

Por uma democracia sem fim

Porto Alegre, Brasil, 30/1/2012 – Por cinco séculos a Europa procurou ensinar ao mundo sua forma de enfrentar crises e vencê-las. Fez isso com ideias e guerras, com missionários e genocídios. Contudo, esqueceu que tem apenas parte do conhecimento. Agora está à beira do abismo, alertou o sociólogo português Boaventura Sousa Santos.

O especialista falou para cerca de 300 pessoas em palestra durante o Fórum Social Temático (FST), que aconteceu na semana passada na cidade de Porto Alegre (RS) e em municípios de sua região metropolitana. O FST é um desdobramento do Fórum Social Mundial (FSM), que nasceu na capital gaúcha em 2001.

O FST, que este ano centrou-se no tema específico “Crise capitalista, justiça social e ambiental”, reuniu cerca de dez mil pessoas. O encontro também apostava num futuro de democracia radical, relações sociais baseadas no respeito aos direitos humanos e no fim das hierarquias nacionais que dividem o planeta entre “centro” e “periferia”.

Outra cidade brasileira, Rio de Janeiro, será sede em junho da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Por isso, a crise ambiental foi um dos temas principais em Porto Alegre.

Santos disse discordar da abordagem tradicionalmente dada a esse tema.

“Um primeiro problema é a disputa pela definição da natureza da crise. Vê-la como uma simples mudança do clima é muito reducionista. A crise é econômica, financeira, energética, ambiental, de civilização”, afirmou. Assim, o sociólogo chegou ao ponto central de sua análise. “Como disse Karl Marx, as microirracionalidades do capitalismo levam a uma macroirracionalidade da vida.”

Em sua palestra de 50 minutos, no dia 25, este professor das universidades de Coimbra (Portugal) e Madison (Estados Unidos) tentou mostrar as ameaças nas quais se manifestam essa macroirracionalidade capitalista. Quatro delas estão diretamente relacionadas com a crise da democracia. Estas são: desorganização do Estado, substituindo os antigos serviços públicos pela oferta de crédito às massas, o que resultou na crise financeira atual; a desconstrução da democracia, já que o capitalismo não precisa mais dela e promove soluções como as “democraduras” tecnocráticas de Itália e Grécia.

Tem também a criminalização da dissidência presente na América do Sul em processos como despejo de populações pobres (no Brasil) ou na resistência de indígenas (Chile). E, por fim, os preconceitos herdados do colonialismo: “ao contrário do que poderíamos esperar, o racismo aparece novamente e com força. Não há sinais de que o sexismo tenha terminado, nem de que as diferenças sexuais sejam respeitadas. Estas manifestações são resquícios da dominação colonial, que agora derivou em preconceitos”.

Para Santos, a diminuição do Estado e o ataque à democracia estão relacionados com três movimentos do capital para apropriar-se da riqueza produzida coletivamente: a devastação acelerada da natureza, a desvalorização do trabalho e a comercialização do conhecimento. O especialista vê novos desafios para os movimentos que se articulam em torno do FSM nesta nova fase: democratizar, descolonizar e desmercantilizar.

“Democratizar exige radicalismo”, disse Santos, e explicou: “defino o socialismo como sinônimo de democracia sem fim, em todos os espaços. Não só nas instituições, mas no trabalho, na casa, na cama. Os partidos devem entender que não têm o monopólio da representação política. Nem os movimentos o têm. Avançamos para um tempo de presenças, presenças coletivas na rua, ocupando espaços que o capital reivindica, não ligados necessariamente a um movimento instituído”.

Para Santos, “na tarefa de desmercantilizar a vida, as cidades têm um papel enorme. É necessário retirar da esfera do comércio mercantil dimensões como cultura, mobilidade urbana, vivências, sociabilidade. Os resultados são imediatos”. Como exemplo citou que “a cultura, que está sendo banalizada, ressurge imediatamente como espaço de resistência, quando é tratada como um direito e uma inspiração humanos”, acrescentou.

Ao abordar o tema da descolonização, Santos, que apoia a presidente Dilma Rousseff e o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, fez algumas críticas. “O Brasil, que criou tantos bons paradigmas, não pode estar do lado do neoliberalismo nem se orgulhar do novo Código Florestal, ou abreviar os processos de licenciamento ambiental para acelerar algumas grandes obras”, afirmou.

Ao final, o sociólogo confessou: “sou um otimista trágico. Creio nas mudanças do mundo, mas sei que custarão um enorme esforço, mobilização e, às vezes, dores”. Além disso, fez previsões para um futuro próximo. “Esta década exigirá líderes mais iluminados, mais criativos, e movimentos sociais mais aguerridos. A luta contra o fascismo social se faz nas instituições, mas também na defesa nas ruas de uma democracia sem fim.” Envolverde/IPS