Ártico e Nordeste brasileiro coincidem nas mudanças climáticas, afirmam cientistas

Os rios da região do Semiárido brasileiro passam por um processo semelhante ao observado nos rios da região Ártica, segundo estudo/Foto: montagem sobre as fotos de JUAN-VIDAL e Glauco Umbelino

O Nordeste do Brasil, famoso por sua aridez, teria alguma semelhança com o Ártico, região que logo remete ao gelo e ao frio quando é citada? A resposta é sim, de acordo com a teoria intitulada “Paradoxo do Ártico”, vencedora do Prêmio Fundação Bunge 2011 de Oceanografia, na categoria “Vida e Obra”.

O premiado foi Luiz Drude de Lacerda, professor do Laboratório de Biogeoquímica Costeira da Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Transferência de Materiais Continente-Oceano.

Segundo a teoria de Lacerda, os rios da região do Semiárido brasileiro passam por um processo semelhante ao observado nos rios da região Ártica – uma das mais afetadas pelas mudanças climáticas globais. No Ártico, de acordo com o pesquisador, um aumento generalizado da temperatura afeta o degelo, “prendendo” as massas de água dos rios por mais tempo nas zonas de estuários. Com isso, há um aumento da mobilização e incorporação biológica de poluentes, incluindo o mercúrio.

“A teoria foi construída a partir de dados que jamais imaginamos que poderiam nos levar a uma nova teoria. Logo no início de nossos trabalhos no Nordeste ficamos surpresos em relação aos níveis de mercúrio encontrados nos rios, que eram comparáveis a zonas do Sudeste onde a atividade antrópica (humana) é muito maior. Não havia explicação para essa quantidade de mercúrio”, explicou Lacerda à Agência Fapesp.

Incidência de mercúrio

Os cientistas, entretanto, perceberam que havia semelhanças inesperadas entre a hidrodinâmica dos rios nordestinos e dos rios árticos, onde também há altos níveis de mercúrio. No Ártico, o mar congelado bloqueia o fluxo de água doce no inverno e o libera no verão. No Nordeste, é a própria maré que invade as áreas de manguezais e bloqueia o baixo fluxo de água dos rios. Eles ficam barrados por até oito meses ao ano.

“O modelo conceitual mostra semelhanças muito grandes entre os dois contextos. Com o aumento do tempo de residência da massa de água na região do estuário, há uma mobilização maior de mercúrio biodisponível. Isso permite uma aceleração dos biogeoquímicos de transformação do mercúrio, em especial a metilação e a complexação orgânica”, afirmou Lacerda.

Os estudos realizados no rio Jaguaribe, no Ceará, mostraram que há um aumento da exportação de mercúrio biodisponível nos períodos de seca, quando ocorre maior tempo de residência das águas no estuário. “O fenômeno tem se intensificado com as mudanças climáticas globais. E sabemos desde o início dos estudos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) que há uma redução de chuvas no Nordeste de cerca de 5,6 milímetros ao ano, em média.”
A redução pode ser três vezes mais severa na estação seca. Além das mudanças climáticas, a diminuição da quantidade de água disponível – com a construção de número cada vez maior de barragens – intensifica ainda mais o processo. O fenômeno já está em curso e a previsão é que ele aumente – Luiz Lacerda.

A Fapesp e a Fundação Bunge realizaram na segunda-feira, 12 de setembro, em São Paulo, o Simpósio Científico sobre Oceanografia e Defesa Sanitária Animal e Vegetal. O evento debateu avanços obtidos nas respectivas áreas, que foram tema do Prêmio Fundação Bunge 2011. Lacerda participou do encontro ao expor seu trabalho premiado. A premiação será realizada nesta terça-feira (13), às 19h30, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.

* Publicado originalmente no site EcoD.