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Ataques com ácido martirizam milhares de mulheres na Índia

Milhares de jovens que sobreviveram aos ataques com ácido sofrem consequências físicas, psicológicas e sociais. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS
Milhares de jovens que sobreviveram aos ataques com ácido sofrem consequências físicas, psicológicas e sociais. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS

 

Nova Délhi, Índia, 16/4/2015 – Vinita Panicker, de 26 anos, se considera “a mulher mais desafortunada do mundo”. Há três anos, seu marido suspeitou que ela tivesse um namoro com seu chefe em uma empresa de programas de informática na Índia e atirou uma garrafa de ácido clorídrico em seu rosto enquanto ela dormia.

Seu bonito rosto de antes hoje é uma superfície desfigurada de pele queimada e tensionada, com nariz, lábios e pálpebras quase completamente sem relevo. A sobrevivente continua cega de um olho, embora tenha gasto US$ 10 mil em 12 cirurgias de reconstituição e duas operações da vista.

Panicker ganhava salário de cinco dígitos em dólares como profissional da informática, e passou a trabalhar como cozinheira em uma organização sem fins lucrativos. “Minha vida deu um giro de 180 graus. De profissional de sucesso, me converti em uma rejeitada social sem recursos próprios nem família”, contou à IPS.

Os ataques com ácido causam estragos na vida de milhares de mulheres jovens que rejeitam propostas de casamento, insinuações sexuais ou que se veem presas no fogo cruzado das disputas domésticas. Na sociedade patriarcal da Índia, os homens que se sentem desprezados recorrem ao ácido como arma de represália.

O ácido “prejudica e queima a pele severamente, frequentemente deixando expostos e até dissolvendo os ossos”, explicou Rohit Bhargava, dermatologista do hospital Max, em Noida, distrito suburbano do Estado de Uttar Pradesh, onde foram cometidos 185 dos 309 ataques denunciados em 2014 neste país de mais de 1,2 bilhão de habitantes. “Algumas das consequências no longo prazo são cegueira, cicatrizes permanentes no rosto e no corpo, incapacidade e desfiguração física por toda a vida”, acrescentou o médico.

Mas algumas sobreviventes garantem que as cicatrizes psicológicas são as que mais demoram para curar. Também há ramificações sociais, já que os ataques costumam deixar as vítimas incapacitadas em diferentes níveis, o que aumenta sua dependência dos familiares, inclusive para atividades cotidianas mais básicas.

Shirin Juwaley, a vítima que criou a Fundação Palash para promover reintegração social e meios de vida alternativos para pessoas desfiguradas, afirmou que a exclusão social é muito mais dolorosa do que os danos físicos. “É muito menos tangível, mas a discriminação de amigos, familiares e vizinhos dói mais”, ressaltou à IPS.

Em 1998, o marido de Juwaley jogou ácido nela, depois que ela pediu o divórcio. Embora o tenha denunciado várias vezes à polícia, ele continua livre. Atualmente, Juwaley viaja pelo mundo dando conferências sobre o impacto social, econômico e psicológico das queimaduras de ácido. Sua organização também estuda a exclusão social dos que vivem com seus corpos alterados.

O Fundo Internacional de Sobreviventes ao Ácido (Asti), uma organização humanitária com sede em Londres, calcula que a cada ano acontecem cerca de mil ataques com ácido na Índia. Mas, devido à ausência de estatísticas oficiais, outros ativistas dizem que esse número poderia chegar a 400 ataques por mês.

“O temor por represálias impede que muitas mulheres denunciem sua terrível experiência”, explicou Ashish Shukla, coordenador de Parem os Ataques com Ácido, uma organização independente com sede em Nova Délhi, que reabilitou mais de cem vítimas desde sua fundação, em 2013. Esses ataques “são inclusive piores do que a violação, já que as vítimas, geralmente mulheres, são submetidas à humilhação diária. A maioria é rejeitada e condenada ao ostracismo”, acrescentou.

O ativista afirmou que a apatia oficial e do público provoca a dupla vitimização das sobreviventes. “São obrigadas a comparecer várias vezes perante a justiça, relatar seu trauma e visitar médicos, enquanto devem lidar com sua tragédia pessoal pela desfiguração física, perda de emprego e discriminação social”, destacou Shukla.

Segundo a Lei de Direito Penal (Emenda) de 2013, a condenação para quem ataca com ácido outra pessoa varia do mínimo de dez anos até prisão perpétua. A Suprema Corte da Índia determinou, em julho de 2013, que todos os Estados devem regular a venda de substâncias como ácido clorídrico, sulfúrico ou nítrico, que os atacantes costumam utilizar, e que os compradores devem apresentar documento com fotografia que os identifique, no momento da compra. Já os vendedores devem registrar o nome e o endereço de cada cliente.

Mas a maioria dos comerciantes com os quais a IPS conversou ignoravam a medida. “É a primeira vez que ouço falar dessa decisão”, disse Suresh Gupta, dono da Gupta Stores, pequena loja em Noida. Os ativistas alertam que esse horroroso tipo de violência de gênero não cessará enquanto o governo não dificultar a aquisição dessas substâncias. Atualmente, as garrafas de um litro de ácido podem ser compradas sem receita por apenas US$ 0,33.

No começo do mês, a Suprema Corte determinou que os hospitais privados devem tratar gratuitamente os sobreviventes de ataques com ácido e que os Estados devem tomar medidas contra os centros médicos que não cumprirem a medida.

Os especialistas recomendam que a Índia siga o exemplo de seus vizinhos Paquistão e Bangladesh. Neste último, os ataques com ácido baixaram de 492 casos em 2002 para 75 em 2014, segundo a Asti, depois que o governo incorporou a pena de morte para esse tipo de crime. Leis mais severas no Paquistão permitiram aumento de 300% no número de mulheres que denunciam os ataques.

A Índia avança mais lentamente, embora os governos dos Estados de Haryana e Uttar Pradesh tenham dado um bom exemplo ao financiarem a totalidade do custo de tratamento médico de alguns sobreviventes.

Rita Saa é um exemplo. Essa jovem de 20 anos, que precisou abandonar os estudos após um ataque com ácido que sofreu em 2012 por parte de seu primo, hoje é uma mulher economicamente independente. Trabalha no Cafe Sheroes’ Hangout, uma iniciativa da Parem os Ataques com Ácido na cidade de Agra, em Uttar Pradesh, que emprega vários sobreviventes. “A campanha e o governo me ajudaram muito. Hoje tenho emprego, salário digno, boa comida, alojamento e me mantenho sozinha”, contou Saa.

Embora a maioria das vítimas sejam mulheres, segundo os ativistas também cresce o número de homens atacados com ácido, já que um terço de todos os casos denunciados por ano se deve a disputas sobre a propriedade, ou financeiras entre homens. Envolverde/IPS