Ambiente

Barragem de Belo Monte: eletricidade ou vida na floresta amazônica do Brasil

por Mario Osava, IPS – 

“Não conhecemos mais o rio Xingú”, cujas águas regem “nosso modo de vida, nossa renda, nossa alimentação e nossa navegação”, lamentou Bel Juruna, jovem indígena da floresta amazônica do Brasil.

“A água não está mais no nível normal, natural, é controlada pelas comportas”, explica. As gigantescas comportas são administradas pela Norte Energia, consórcio público-privado dono da hidrelétrica de Belo Monte e cujo interesse é aproveitar a vazão do rio para obter lucro.

Construída entre as seções média e baixa do rio Xingú, na Amazônia oriental, Belo Monte aproveita uma curva em U de 130 quilômetros do rio, chamada Volta Grande.

Um canal artificial de 20 km desvia a maior parte do fluxo, em um atalho que se conecta ao final da curva, em uma cachoeira de 87 metros. O atalho evitou que a Volta Grande – onde vivem 25 comunidades, incluindo duas terras indígenas legalmente protegidas – seja inundada.

O novo projeto substituiu a ideia inicial datada da década de 1970 – que teria criado um reservatório convencional de 1.225 quilômetros quadrados que teria submerso Volta Grande inteira – por dois reservatórios menores, totalizando 478 quilômetros quadrados. A primeira retém água antes da curva e a desvia para o canal que forma o reservatório que alimenta a principal usina, que produz 11 mil megawatts de eletricidade.

A segunda barragem, com usina que gera até 233 megawatts, retém as comportas que lançam água no Volta Grande, que quase secou, ​​trazendo outros tipos de impactos para a população ribeirinha.

O complexo de Belo Monte, com a terceira maior usina do mundo, está planejado para gerar apenas 4.571 megawatts de energia firme em média.

Esse baixo nível de produtividade, de apenas 40% da capacidade instalada, é explicado pelo fato de se tratar de uma usina a fio d’água cuja vazão varia de mais de 20.000 metros cúbicos por segundo no período das chuvas – que dura alguns meses no primeiro semestre do ano – para menos de 1.000 metros por segundo em alguns dos meses mais secos.

As águas do rio, divididas entre o seu curso natural e o canal, mostraram-se ineficazes para manter o nível de geração de eletricidade pretendido pela Norte Energia e as autoridades energéticas e, ao mesmo tempo, suprir as necessidades vitais da população de. o Volta Grande.

“Não sabemos mais navegar no Rio Xingú, que canais passar, porque Belo Monte fecha e abre as comportas quando quer”, disse Bel, indígena Juruna, que se autodenominam Yudjá. que significa “o povo indígena do rio”.

Um grupo de operárias parecia formigas pelo tamanho do local, em 2015, durante a construção da principal usina da hidrelétrica de Belo Monte, quando foram instaladas máquinas e turbinas para gerar 11 mil megawatts de energia elétrica. A usina produz apenas 40% de sua capacidade instalada e pode limitar ainda mais sua produtividade diante do desmatamento da bacia do rio Xingu, que cobre cerca de 531 mil quilômetros quadrados. CRÉDITO: Mario Osava / IPS

O Xingú, um dos maiores afluentes do Amazonas, com 1.815 quilômetros de comprimento, é particularmente acidentado em sua seção intermediária, com muitas rochas visíveis e submersas, ilhas e ilhotas, e canais profundos e rasos. A navegação é perigosa e requer conhecimento prático e familiaridade, que foram lançados no caos pelos níveis das águas baixas e as mudanças nos ciclos naturais das águas baixas e altas.

“Queremos água suficiente para inundar os igapós (florestas pantanosas de água negra sazonalmente inundadas com água doce) onde peixes e tartarugas podem se reproduzir e se alimentar no inverno, para engordar e manter o peso no verão”, exigiu Bel, que a levou o nome de etnia como sobrenome, costume comum entre os indígenas do Brasil.

Os peixes e a tartaruga-amarela (Podocnemis unifilis), espécie de tartaruga de água doce abundante na Amazônia, são importantes fontes de proteína para o povo de Volta Grande, principalmente o povo Juruna, pescadores e trabalhadores de barcos.

“Mas é a própria vida que está em risco, não apenas nós, indígenas; é a natureza que está privada do ciclo da água – as árvores, os peixes e outros animais ”, disse Bel à IPS em um diálogo no Whatsapp de sua aldeia, Miratu, na margem esquerda do Volta Grande.

A luta do povo Juruna, que dizem estar travando pela humanidade como um todo, ganhou impulso graças a uma nova avaliação do órgão ambiental do governo, o Ibama, em dezembro de 2019.

A agência reconheceu que a escassa água liberada pela hidrelétrica não garante “a reprodução da vida” no ecossistema de Volta Grande ou “a sobrevivência da população local”.

Um galinheiro na aldeia Miratu, habitada por índios Juruna, foi inundado junto com outras edificações quando a empresa Norte Energia, dona da hidrelétrica de Belo Monte, despejou o excesso de água no trecho Volta Grande do rio Xingu. “Hoje as comportas controlam o fluxo”, e não os ciclos naturais do rio, explica a liderança indígena Bel Juruna. CRÉDITO: Mario Osava / IPS

Por esse motivo, o IBAMA quer aumentar a água no “trecho de vazão reduzida”, onde é cerca de 20% da vazão normal anterior, conforme delineado no chamado “hidrograma de consenso”, que define as vazões mensais no natural do rio canal, com base no que foi considerado necessário para manter o ecossistema vivo em 2009.

Citando dados analisados ​​desde 2015, quando Belo Monte encheu seus reservatórios, técnicos do Ibama apontaram a necessidade de uma melhor distribuição da água entre a produção de energia elétrica e o sustento da vida.

Analistas ambientais do Ibama recomendaram um hidrograma provisório para este ano com grande aumento de volume para a Volta Grande no período de janeiro a maio, principalmente em fevereiro (de 1.600 para 10.900 metros cúbicos por segundo), março (de 4.000 para 14.200 m3 / s) e abril (de 8.000 a 13.400 m3 / s).

Para o futuro, a Norte Energia apresenta estudos para a construção de um hidrograma definitivo.

Mas os altos funcionários do Ibama atrasaram as medidas propostas e, depois disso, a empresa as contestou na justiça. Perdeu na primeira e na segunda instância e não atendeu às demandas vigentes em outubro e novembro.

A Procuradoria Geral da República decidiu intervir e ordenou ao IBAMA que elaborasse sanções contra a Norte Energía por descumprimento do hidrograma provisório, vazões necessárias para 2021 para fazer cumprir o princípio da precaução e providências para que a empresa realizasse os estudos complementares para a criação o hidrograma de longo prazo.

É necessário um fluxo forte de água nos primeiros meses do ano e “por pelo menos três meses” para que peixes e tartarugas possam se reproduzir e se alimentar, disse Juarez Pezzuti, professor de biologia da Universidade Federal do Pará que é um especialista em tartarugas.

Bel Juruna é um líder da aldeia Miratu, pertencente ao povo Juruna, na Volta Grande do rio Xingú, na parte leste da floresta amazônica do Brasil. A jovem protesta contra as mudanças no rio que atrapalham a vida das comunidades ribeirinhas desde a construção da hidrelétrica de Belo Monte. E, ironicamente, a planta começou a mostrar que é ineficiente em termos de energia. CRÉDITO: Mario Osava / IPS

“Aumentar o fluxo apenas em abril não é solução. É fundamental ter um volume de água que inunde extensas áreas florestais, no nível necessário e no tempo adequado, por exemplo, para que as larvas se transformem em alevinos e que a cadeia alimentar se desenvolva normalmente ”, explicou à IPS por telefone de Ananindeua, onde mora, no estado amazônico do Pará.

Para a vida ao longo do rio Xingú, mais grave do que as secas severas na estação seca, ou “verão” na Amazônia, é “um baixo nível de chuvas no inverno”, disse ele.

A batalha passa por um momento crucial, pois as ações do Ibama – inesperadas no governo de extrema direita do presidente Jair Bolsonaro, que tem trabalhado contra o ambientalismo – têm sido contestadas pela agência reguladora do setor elétrico e pelo Ministério de Minas e Energia , que afirmam que modificar o hidrograma causaria insegurança energética e custos mais elevados para os consumidores.

Pezzuti acredita que seja qual for o desfecho dessa disputa, Belo Monte está fadada a enfrentar dificuldades crescentes em termos de viabilidade econômica devido ao agravamento das secas na bacia do Xingu devido às mudanças climáticas e ao intenso desmatamento rio acima.

A crise de 2016, quando os índios Juruna reclamaram que havia cada vez menos peixes e que estavam “magros” por conta da seca causada pelo fenômeno climático El Niño, foi um alerta para o futuro, afirmou.

Desde a aprovação do megaprojeto hidrelétrico em 2009, inúmeros críticos, entre autoridades ambientais, indígenas, pesquisadores universitários e especialistas em energia, alertaram para os riscos do próprio negócio, além dos danos sociais e ambientais.

O empreendimento, inaugurado em 27 de novembro de 2019, com a conclusão das 18 unidades geradoras da usina principal, tem sido muito elogiado pelo inovador canal. Mas acabou sendo uma solução enganosa, tanto para a empresa quanto para a população atingida, que sofreu danos irreversíveis.

“Para o povo Juruna, o impacto não é só na alimentação, mas tem um impacto forte na nossa cultura, que é a pesca, o cuidado com o rio que oferece alimentação, renda e navegação para ir às cidades, visitar os vizinhos comunidades e se divertir. É o que traz alegria às nossas vidas ”, disse Bel Juruna.

Imagem de Destaque: A usina principal da hidrelétrica de Belo Monte tem capacidade de 11.000 megawatts, aos quais são adicionados mais 233 megawatts da usina secundária. O complexo custou o dobro do orçamento inicial, o equivalente a mais de 10 bilhões de dólares quando foi construído. Também enfrenta dificuldades como o atraso na construção da linha de transmissão que levará energia para o sudeste do Brasil, ineficiência na geração e custos socioambientais acima do esperado. CRÉDITO: Marcos Corrêa / PR-Agência Brasil

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