Economia

Blockchain: o maior inimigo da corrupção?

Por Monica Rosenberg* –

A maior inimiga da corrupção é a transparência (aliada à certeza de punição). Quanto mais pessoas tiverem acesso aos dados de transações que usam dinheiro público, mais fácil será o exercício do controle social. Dito isso, afirmo, com convicção, que a tecnologia Blockchain pode ser considerada a segunda maior inimiga da corrupção.

Aprendi muito sobre este sistema nos últimos anos e esse conhecimento, somado àquele que acumulei em quase uma década de combate à corrupção, me permitem ter essa convicção. A blockchain (que ainda é muito confundida com Bitcoin) é uma tecnologia de armazenamento de dados em rede – algo como um banco de dados descentralizado, que garante transparência e imutabilidade, portanto uma ferramenta poderosa para prevenir o uso indevido de recursos públicos.

As grandes sacadas são: 1) usuários são responsáveis por referendar, de forma coletiva, a veracidade dos dados; 2) as informações são constituídas em blocos, que são, por sua vez, ligados uns aos outros – para mudar uma informação em um bloco, seria preciso alterar toda a cadeia da qual ele faz parte.

Estas regras incentivam a integridade, evitando a fraude, pois blocos fora do padrão são facilmente detectados pelos demais. Desse modo, atacar a blockchain é custoso, enquanto defender e validar os dados é barato. Todo esse modelo torna a blockchain uma tecnologia inviolável, imutável e auditável em tempo real.

Parece complexo, principalmente para quem não entende muito de tecnologia, mas na prática, até que é simples. Pensem, por exemplo, em um contrato de prestação de um serviço público, registrado por meio da blockchain. O documento está público e qualquer alteração que ele sofra, será facilmente detectada, permitindo à sociedade saber se os valores são condizentes, se houve aumento abusivo ou, até, se a empresa contratada é idônea.

Até mesmo os pagamentos podem ser vinculados à blockchain. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES fez, em 2019, um teste com esta proposta. O banco utilizou um token digital publicado em uma blockchain pública para rastrear o uso do dinheiro do BNDES em projetos financiados pela instituição.

Basicamente, o que o BNDES fez foi criar uma moeda virtual – o BNDESToken – e utilizá-la para entregar recursos vinculados a determinado financiamento público. Cada  BNDESToken valia R$ 1,00 e o recurso na moeda nacional ficava no banco como lastro. O montante de BNDESToken era entregue via tecnologia blockchain e podia ser repassado em um número limitado de transações, até que o beneficiário final fizesse a troca por Reais. Em todo momento, o token é propriedade de quem teria a propriedade do Real. Ao adotar uma tecnologia que permite verificar quem está em posse do token, obtém-se um mecanismo para rastrear os recursos em tempo real.

Na prática, o BNDESToken é apenas uma representação digital do Real, análogo a um título de crédito para futuro recebimento do recurso, mas que, por meio da blockchain, nós conseguimos saber, a cada momento, nas mãos de quem ele está.

Outro elemento intrínseco à plataforma blockchain que faria diferença no combate à corrupção é o uso de smart contracts – contratos digitais autoexecutáveis que usam a tecnologia para garantir que os acordos firmados serão cumpridos.

Em outras palavras, podemos entender esses contratos inteligentes como códigos de programação que definem as regras estritas e as consequências – da mesma forma que um documento tradicional, estabelecendo obrigações, benefícios e penalidades devidas às partes em variadas circunstâncias.

A diferença é que o smart contract é digital, não pode ser perdido ou adulterado e é autoexecutável. Estamos falando de algoritmos, módulos, regras etc. que são programáveis usando a Blockchain. Assim, antes de emitir o documento, as cláusulas e consequências são programadas. Quando as partes fecham o acordo por meio de um clique, automaticamente ativam-se as exigências, o que torna mais fácil a cobrança e o acompanhamento dos processos.

As informações inseridas no acordo são atualizadas automaticamente e todas as ações são executadas sem o risco de fraudes e alterações. Isso só é possível porque o smart contract é autoexecutado, ou seja, os prazos e fluxos de recurso acontecem de forma transparente e pre-estabelecidas..

É impossível desviar dinheiro público quando o blockchain é utilizado? Não, pois onde há interferência humana há oportunidade de fraude, mas fica bem mais difícil. O dinheiro não “some” em malas e apartamentos e, caso acabe por lá, é bem mais fácil de sabermos quem foi a última pessoa que colocou as mãos nele.

E não sou só eu quem está falando. Este mesmo ponto foi defendido recentemente pelo Fórum Econômico Mundial. A entidade publicou um artigo destacando como a tecnologia blockchain pode aumentar a eficiência e combater a corrupção de governos ao redor do mundo. O texto de Matthew Van Niekerk, CEO da SettleMint, ressalta como a adoção da blockchain poderia melhorar significativamente diversos processos, como aquisições e contratações públicas e registros de propriedade, agilizando prazos, reduzindo fraudes e atendendo melhor a sociedade.

As licitações são um dos grandes focos de corrupção e desperdício por governos do mundo todo e a natureza obscura dos processos atuais favorece atos ilícitos por funcionários públicos e empresas privadas. Nesses casos, usar blockchain seria como abrir uma janela e permitir que novos participantes capazes de analisar as operações, como órgãos de defesa do consumidor e imprensa, acompanhassem tudo de perto. E, em caso de improbidade, seria fácil mostrar a patifaria, e buscar punição.

Em resumo: solução tem – basta ter conhecimento e vontade política de fazer acontecer. Com os índices de corrupção, e os políticos que temos por aqui, alguém acredita que isso vá acontecer?

*Monica Rosenberg é advogada e co-fundadora do Instituto Não Aceito Corrupção – INAC.

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