ODS13

Carta climática de povos indígenas das Américas, Caribe e Antilhas é entregue a autoridades da COP-25

Com uma mensagem transparente e objetiva, indígenas das Américas, Caribe e Antilhas coletivamente compuseram a redação final da Carta Climática Indígena da região, finalizada durante a Cúpula Indígena da COP-25 (MINGA), paralela à Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (COP-25) oficial, que começou no último dia 2 e termina no dia 13. O documento é ao mesmo tempo um alerta e uma reivindicação contundente sobre direitos indígenas e da natureza, e foi direcionado, nesta terça-feira (10/12),  aos líderes das cerca de 200 nações participantes do encontro, em Madri, na Espanha. A entrega foi feita a Andres Landerretche, coordenador da Presidência da COP25, e a Gonzalo Muñoz, ‘champion` da COP25. Uma cerimônia carregada de simbolismo e energia encheu de colorido, rituais e diversidade os corredores e o auditório do encontro. O documento também será repercutido pelos indígenas em seus países. Aqui no Brasil deverá seguir ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e ao Ministério Público Federal (MPF), entre outros.

Respeito à Convenção OIT 169 é prioridade
… A participação plena e eficaz do consentimento livre, prévio e informado não deve ser entendida apenas como uma obrigação dos Estados, mas como um direito a ser implementado pelos indígenas próprios povos e nações, de acordo com seus costumes e tradições, respeitando suas organização política, social e territorial, em conformidade com a Convenção 169 da OIT e os Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas…”  – reforça trecho da carta climática índigena.

Processo de consulta começou em outubro de 2018

O processo de escuta para o conteúdo da Carta Climática Indígena foi  iniciado por meio de consulta iniciada em outubro de 2018, pela 350.org América Latina – Programa Indígena, a lideranças de mais de 400 comunidades em vários países da América Latina e teve seu processo final com a participação de cerca de 80 ‘delegados’ de diferentes povos, que viajaram à Europa para poder concluir a organização das principais reivindicações dos povos originários, durante a MINGA Indígena – COP-25, que foi reforçada por outros ‘parentes’, totalizando aproximadamente 150 pessoas.  O levantamento das demandas para o documento teve também o apoio da Coalizão Não Fracking Brasil e América Latina (COESUS). Veja também As demandas da 350.org América Latina na COP-25.

“Ouvimos demandas de que e as conferências do clima devem tomar medidas para que os povos indígenas sejam consultados, que a gente deve ter maior espaço de participação e mais clareza sobre os assuntos que são discutidos nas conferências e que haja legitimidade nas representações e o reconhecimento de que somos povos originários.  Nesta etapa final, o documento teve adesão de indígenas de outras localidades, como dos EUA e Antilhas”, explica Andreia Takua Fernandes, coordenadora do Programa Indígena da 350.org América Latina .

Sentido de urgência de proteção aos defensores climáticos

Uma das reivindicações mais urgentes, de acordo com os indígenas, é de se por fim à criminalização, perseguição, prisão, desaparecimento e assassinato dos líderes e autoridades tradicionais por proteger e defender os  territórios indígenas. Pedem que os Estados e Organismos Internacionais de Direitos Humanos e/ou Ambientais investiguem os casos juntos e de forma transparente e responsável´. 

“Estas consultas trouxeram a visão com espiritualidade, que expõe a forma de vida própria dos diferentes povos indígenas, muito além da materialidade, como também uma preocupação atual com os assassinatos de lideranças”, destaca Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org América Latina.

Segundo Andreia Takua, uma reivindicação permanente é que os povos indígenas sejam reconhecidos e protegidos como defensores da natureza e do planeta. Esperamos que haja um maior cuidado e atenção. Nós sabemos que somos protetores e muitas vezes nos encontramos ou somos vítimas de conflito (geralmente com brancos) por causa do território, mas não porque queremos um pedaço de terra. Mas porque são áreas únicas que têm floresta, árvore em pé, água limpa e que o calor não é de 40 graus C, porque existe um cuidado para a conservação. Estamos preservando para o mundo inteiro. Se nós cruzássemos os braços e deixássemos como está, não existiria mais nada”, desabafa.

Foto: Nicole Oliveira/350.org
Críticas ao mercado de carbono

“... Rejeite a mercantilização da natureza, uma vez que terras e territórios não têm preço. Baseado na natureza (NBS), Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD +) e outros programas de compensação não são soluções reais para crises climáticas. São apenas soluções neocolonialistas que trazer conflitos dentro de nossos povos…” (trecho da carta climática indígena climática, na COP-25, que reflete o artigo 6 do Acordo de Paris, sobre mercado de carbono)

“Este ponto quanto ao combate à ‘financeirização e mercantilização da natureza foi um dos mais importantes na minha avaliação, porque as empresas continuam a causar grandes impactos por causa da produção de petróleo, de minérios, das madeiras, do agronegócio, e não se responsabilizam pelos danos que causaram anteriormente”, analisa Ninawa Inu Huni Kuī, presidente da Federação do Povo Huni Kui, do Acre – FEPHAC, delegado no MINGA Indígena e um dos convidados na delegação do Programa Indígena da 350.org América Latina. Mais um aspecto importante da carta, segundo o líder indígena, é que ‘a Mãe Terra seja reconhecida e declarada como um sujeito de direitos, porque para nós, os efeitos da crise climática nada mais são do que o grito de socorro da Terra’.

Segundo Nicole Figueiredo de Oliveira, o artigo 6º ao estabelecer os mecanismos de mercado de carbono não evitam contaminação e violação de direitos humanos. “Tornam-se uma ficção para especular com as mudanças climáticas”, avalia.

Uma das principais expectativas, segundo Andreia Takua, é que a MINGA Indígena seja um espaço reconhecido oficialmente pelas conferências do clima. “Seja um elo para os povos indígenas para os processos de escuta. E que pelo menos, possamos ter um comitê ou um grupo de trabalho pré – COP para que na próxima possamos levar as demandas para o espaço de negociação oficial. Mais um ponto que considero importante é que o artigo 6º do Acordo de Paris seja extinto “, afirma.

Foto: Nicole Oliveira/350.org

Alerta sobre os combustíveis fósseis é mais um ponto destacado na carta climática indígena:
“…Se petróleo, gás, minerais e carvão estão nas profundezas da terra, é porque a Mãe Natureza os deixou enterrados lá, trazê-los para o nosso meio ambiente é contradizer sua sabedoria...”

Estes homens e mulheres indígenas refletiram a riqueza da diversidade e formaram um mosaico colorido e rico culturalmente, nestes últimos dias. Também foram às ruas se manifestar. Expressaram seus modos de vida tradicionais, em que se relacionam com a “Mãe Terra” ou “Pachamama” por meio de uma ligação espiritual que transcende. Deram seus recados!

Ouça também estes depoimentos:

“Foi um momento histórico tanto para o processo das negociações climáticas globais quanto ao processo indígena na COP. Foi a primeira vez que um grupo indígena de diferentes partes do mundo se reuniu de forma autônoma e independente. Uma das demandas da carta pede que este espaço seja reconhecido pela ONU como interlocutor desses povos. Para mim, o mais relevante é que houve um processo de reversão do centro de poder, que é influenciado por poluidores, pela indústria fóssil, por desmatadores e governos ditatoriais para um processo de empoderamento dos povos indígenas, com elevação dessas vozes. Esperamos que este processo seja fortalecido nos próximos anos”, afirma Nicole, diretora da 350.org América Latina.

Indígenas dialogam sobre carta climática indígena, na MINGA, em Madri. Foto: 350.org

Confira aqui a íntegra da Carta Climática

CARTA CLIMÁTICA INDÍGENA-COP25-10-11-2019

Petição Carta Indígena

Se você apoia que estas as vozes indígenas da América Latina e Caribe sejam respeitadas pelos tomadores de decisão nas negociações oficiais entre os dirigentes mundiais.

APOIE A CARTA INDÍGENA: https://act.350.org/act/carta-indigena-cop-25/

Sobre a 350.org e as mudanças climáticas

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.

Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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