Arquivo

Como será a vida depois do euro

Pequim, China, 10/11/2011 – Se os críticos chineses da democracia liberal e os desmandos do mercado alguma vez precisaram de mais estímulos para seus ataques ao Ocidente, o fiasco grego da semana passada lhes deu motivo de sobra. Contudo, atrás das manchetes dos jornais que anunciam “o colapso da Europa” não se percebe uma sensação de triunfo ideológico. Pelo contrário, Pequim está ocupada traçando planos de contingência para o colapso da zona do euro, e absorvendo as lições deixadas pelos excessos do estado de bem-estar.

Pequim, frequentemente alvo de críticas pelo costume de preservar a estabilidade social a qualquer preço, inclusive pisoteando os direitos civis, não perdeu a oportunidade de zombar de Bruxelas por seu “mantra de estabilidade”. “O colapso da Europa é irreversível”, afirmou no dia 7 um editorial publicado no 21st Century Business Herald. Em lugar de admitir que a Grécia estava em bancarrota e nunca poderia pagar suas dívidas, a Europa “jogou seus princípios pela janela”, disse o jornal. “Que a estabilidade prevaleça sobre os princípios é apenas outro sinal da degradação do espírito europeu”, afirmou no artigo.

Há pouco tempo era Bruxelas que ensinava Pequim sobre manejo econômico, mas agora os dirigentes chineses consideram sua responsabilidade repreender a União Europeia (UE). Mesmo antes de o fiasco da cúpula do Grupo dos 20 países ricos e emergentes exibir publicamente a incapacidade da UE para cumprir o plano de resgate da zona do euro, que havia criado com tanto esforço, o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, fez algumas severas advertências.

“A tarefa mais urgente é tomar medidas decisivas para impedir que a crise da dívida se espalhe mais, e evitar turbulências no mercado financeiro, uma recessão e a flutuação do euro”, disse Wen por telefone ao presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, há duas semanas. Em claro contraste com a confiança declarada por Pequim de que a Europa pode superar seus problemas, as declarações de Wen soaram como conselho. “À parte medidas urgentes para abordar estes problemas, a chave é realizar uma sistemática e fundamental reforma fiscal e financeira”, disse Wen, segundo informe publicado no site do Ministério das Relações Exteriores da China.

Após a reunião do G-20 em Cannes, Pequim parece ter deixado de acreditar que Bruxelas tem o que precisa para adotar as reformas fundamentais necessárias. A cúpula do G-20 foi desenhada para dar os toques finais ao plano de resgate da zona do euro traçado por Bruxelas e para convencer as economias emergentes, como a China, a recorrerem às suas reservas de divisas e fornecer capital para o fundo de resgate da Europa.

Porém, a reunião foi convulsionada quando o primeiro-ministro grego, Georgios Papandreou, anunciou que precisava de um referendo nacional para aprovar o programa de resgate. A cúpula terminou no dia 4 sem nenhum resultado concreto. Embora depois Papandreou tenha retirado sua ideia de referendo e obtido um voto de confiança no parlamento, o dano já estava feito. As incertezas políticas determinaram que nem a China nem outro país aceitassem unir-se ao resgate europeu.

Dizer que os analistas chineses ficaram perplexos com o que destilou o G-20 em Cannes é pouco. “Se um país pequeno como a Grécia, com uma economia que representa apenas 3% da economia da UE, pode tirar dos trilhos todo o bloco e sequestrar uma cúpula de potências mundiais, isso diz algo sobre a deficiente integração política e econômica da UE”, afirmou o especialista em temas atuais Xia Wenhui.

Houve comparações com a unificação do império chinês sob o primeiro imperador, Qin Shihuang (259 AC-210AC), destacando que uniu politicamente todos os Estados em guerra antes de impor uma moeda comum. As comparações não favorecem a Europa. Antes da reunião em Cannes o olhar estava posto nos prós e contras de a China comprar mais dívida de euros, e agora a atenção se concentra na prevenção da crise. Os analistas alertam que, caso se avizinhe um novo “tsunami financeiro”, a China deve se dedicar a reforçar seus “diques” e preparar-se para a arremetida de uma nova recessão.

O modelo de crescimento econômico baseado em exportações que propõe Pequim depende dos mercados europeus, e a crise na zona do euro já cobrou vítimas nas fábricas chinesas que produzem mercadorias para exportar. A iminente recessão na Europa significará mais dor para os fabricantes chineses. A China tem um quarto de seus US$ 3,2 trilhões de reservas em euros. Se a zona do euro entra em colapso, põe em perigo o ganho que Pequim obtém de seu maior sócio comercial.

Entretanto, a crise grega também deu a Pequim algumas lições valiosas sobre como proceder com sua própria reforma da assistência social. “Temos de ser conscientes de que, com o tamanho de nossa população e a enorme quantidade de pessoas aposentadas que haverá no futuro, as pensões têm de ser adequadas”, disse um funcionário governamental que pediu para não ser identificado. “Se a economia chinesa cambalear e não pudermos pagar esses benefícios sociais, a crise aqui será muito maior do que a que vemos na Grécia”, acrescentou. Envolverde/IPS