Cuba e Estados Unidos: uma nova era?

CubaHavana, Cuba, janeiro/2015 – No dia 17 de dezembro, ao libertar os cinco antiterroristas cubanos que ficaram presos por mais de 16 anos nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama reparou uma injustiça excessivamente prolongada e ao mesmo tempo desferiu um golpe na história.

Reconhecer o fracasso da política anticubana, restabelecer as relações diplomáticas, suprimir todas as restrições ao seu alcance, propor a eliminação completa do bloqueio e o início de uma nova era nas relações com Cuba, tudo em um só discurso, rompeu qualquer vaticínio e surpreendeu a todos, incluindo os analistas mais sisudos.

A política hostil instaurada pelo presidente Dwight Eisenhower (1953-1961), antes do nascimento do atual mandatário, foi a norma que aplicaram, com diferenças quase sempre secundárias, administrações republicanas e democratas e foi codificada com a Lei Helms-Burton, sancionada por Bill Clinton em 1996.

Nos primeiros anos, foi praticada com bastante êxito. Em 1959, ao triunfar a Revolução cubana, os Estados Unidos estavam no apogeu de seu poderio, exerciam indiscutível hegemonia sobre grande parte do mundo e especialmente no hemisfério ocidental, que permitiu conseguirem a exclusão de Cuba da Organização de Estados Americanos (OEA) e o isolamento quase total da ilha que só pôde contar com a ajuda da União Soviética e de seus associados no Conselho de Ajuda Mútua Econômica (Came), integrado pelos países do Pacto de Varsóvia.

A derrubada do chamado “socialismo real” criou em muitos a ilusão de que também chegava ao final para a revolução cubana.

Imaginavam o advento de um longo período de domínio unipolar. Embriagados com a vitória, não apreciaram o sentido profundo do que ocorria: o fim da Guerra Fria abria novos espaços para as lutas sociais e colocava o capitalismo diante de desafios cada vez mais difíceis de encarar.

A queda do muro de Berlim os impediu de ver que, ao mesmo tempo, em fevereiro de 1989, a Venezuela era estremecida pelo levante social chamado “el caracazo”, sinal do início de uma nova época na América Latina.

Cuba conseguiu sobreviver ao desaparecimento de seus antigos aliados e sua resistência foi fator fundamental na profunda transformação do continente. Há anos era ostensivo o fracasso de uma política empenhada em isolar Cuba, mas que terminou isolando os Estados Unidos, como reconheceu seu atual secretário de Estado, John Kerry.

Uma nova relação com Cuba era indispensável para Washington, que precisava recompor seus vínculos com um continente que já não é mais seu quintal. Conseguir isso é fundamental agora, porque, apesar de seu poderio, os Estados Unidos não podem exercer a cômoda liderança de tempos que não voltarão.

Falta ainda muito para alcançar essa nova relação. Antes de tudo é preciso eliminar completamente o bloqueio econômico, comercial e financeiro, como pedem com renovado vigor importantes setores do empresariado norte-americano.

Mas normalizar relações faz supor principalmente aprender a viver com o diferente e abandonar velhos sonhos de dominação. Significa respeitar a igualdade soberana dos Estados, princípio fundamental da Carta das Nações Unidas, que, como mostra a história, não é do agrado dos poderosos.

Com relação à libertação dos cinco prisioneiros cubanos, todos os presidentes dos Estados Unidos, sem exceção, utilizaram amplamente a faculdade que outorga exclusivamente a eles o Artigo II, Seção 2, Parágrafo 1 da Constituição. Assim foi durante mais de dois séculos sem que ninguém pudesse limitá-los.

Esse parágrafo constitucional faculta ao Presidente suspender a execução de sentenças e conceder indultos, em casos de alegados delitos contra os Estados Unidos.

No caso dos cinco, sobraram razões para a clemência executiva. Em 2005, o painel de juízes do Tribunal de Apelações anulou o processo contra eles – definindo-o com “uma tormenta perfeita de preconceitos e hostilidade” – e ordenou um novo julgamento.

Em 2009, o plenário desse mesmo tribunal determinou que nesse caso não tinha relação alguma com a espionagem nem com a segurança nacional dos Estados Unidos. Ambos vereditos foram adotados por unanimidade.

Sobre a outra acusação importante, de “conspiração para cometer assassinato”, apresentada apenas contra Gerardo Hernández Nordelo, seus acusadores reconheceram que era impossível provar semelhante calúnia e inclusive tentaram retirá-la em maio de 2001 em uma ação sem precedentes, tomada nada menos pelos promotores do ex-presidente George W. Bush (2001-2009).

Ricardo Alarcón de Quesada. Foto: Jorge Luis Baños;IPS
Ricardo Alarcón de Quesada. Foto: Jorge Luis Baños;IPS

Há cinco anos Hernández esperava alguma resposta às suas repetidas petições ao Tribunal de Miami para que o libertasse, ou concordasse em revisar seu caso, ou ordenasse ao governo apresentar as “provas” usadas para condená-lo, ou concordasse em ouvi-lo, ou que o governo revelasse a magnitude e o alcance do financiamento oficial da descomunal campanha de mídia que sustentou aquela “tormenta perfeita”.

O Tribunal nunca respondeu. Também nada disseram os grandes meios de comunicação diante da incomum paralisia judicial. Era óbvio que se tratava de um caso político que só poderia ser resolvido com uma decisão política. Ninguém mais do que o presidente poderia fazê-lo.

Obama mostrou sabedoria e determinação quando, em lugar de se limitar a usar o poder para libertar qualquer pessoa, enfrentou valorosamente o problema de fundo. A saga dos cinco era consequência de uma estratégia agressiva e o mais sábio era pôr fim a ambas ao mesmo tempo.

Ninguém pode ignorar a transcendência do que foi anunciado em 17 de dezembro. Seria errôneo, entretanto, ignorar que ainda resta um caminho, que pode ser longo e tortuoso, no qual será necessário avançar com firmeza e sabedoria. Envolverde/IPS

* Ricardo Alarcón de Quesada é ex-ministro das Relações Exteriores e ex-presidente da Assembleia Popular de Cuba.