De Juan Carlos I a Felipe VI

Joaquín Roy. Foto: Cortesia do autor
Joaquín Roy. Foto: Cortesia do autor

Miami, Estados Unidos, junho/2014 – Sem discussão, a abdicação do monarca espanhol é a notícia mais espetacular do novo século, e inclusive do longo período da renascida democracia espanhola. A novidade da decisão é ao mesmo tempo, e paradoxalmente, um indício de normalidade e estabilidade.

Em seu entorno europeu, a abdicação se enquadra em movimentos semelhantes tomados por outras casas reais (Bélgica e Holanda) ao dar lugar à jovem geração no comando da máxima representação institucional. A exceção, no momento, é a coroa britânica, firmemente imutável na cabeça da rainha Elizabeth.

Pode-se especular sobre as causas da decisão e sobre as consequências. Entre as motivações da importante medida deve-se destacar a aceitação dos problemas da idade e das doenças que afetam o monarca. Tudo tem um limite e a perspectiva de “morrer calçando as botas” nem sempre se encaixa com a elegância que era o traço de identidade de Juan Carlos.

A abdicação merece, portanto, respeito pessoal e admiração institucional. Também se deve destacar a conveniência de não arriscar-se a piorar a deteriorada imagem da monarquia, devido aos escândalos de parte de sua família e dos erros de cálculo do próprio monarca.

Em outro campo, a decisão tomada é um chamado a outros setores da sociedade espanhola, sobretudo sua classe política, para que aceitem a renovação, sem aferrar-se aos cargos eternos.

É um convite aos diversos protagonistas dos partidos políticos tradicionais para que se renovem a fundo, em vista do desastre recebido nas recentes eleições europeias. A ascensão de partidos alternativos, sobretudo na esquerda, é um chamado que não deve ser ignorado. O rei aponta novos caminhos.

Por outro lado, as especulações sobre as consequências da decisão são várias e complexas. Destaca-se, sobre todas elas, o potencial real de seu sucessor. Em primeiro lugar, deve-se dizer que o até agora príncipe Felipe é o sucessor com melhor formação em toda a história da monarquia espanhola.

Dominador de idiomas, educado em dois continentes, alerta sobre os temas cruciais da complicada ordem mundial, Felipe VI pode encarar com plena confiança o desafio do novo cargo.

Mas não terá uma tarefa fácil, por dois motivos principais. O primeiro é a comparação com seu pai e o contexto que lhe coube viver, resistir e ter êxito. Ter superado o pecado original de ser nomeado pelo ditador Francisco Franco (1939-1975) e ter contribuído para a construção de uma nova democracia é um registro imponente.

Felipe VI herda um sistema estabilizado. Agora, e este é o segundo motivo, não será fácil pelos próprios problemas internos de um Estado em um mundo em convulsão, repleto de perigos e incógnitas.

Se o pai foi perdoado por alguns defeitos e erros de cálculo, esse privilégio não se estenderá facilmente ao seu filho. Os movimentos da nova família real estarão sob lupa. Se em tempos de Juan Carlos I as perspectivas de um referendo sobre a sobrevivência da instituição monárquica eram evitadas com certo escrúpulo, tal alternativa será perfeitamente factível como um dos mecanismos de questionamento da ordem estabelecida.

Também se deverá prestar atenção na atitude que podem tomar os diferentes partidos políticos. É notório o registro histórico consistente de que Juan Carlos I foi mais aceito e protegido pela esquerda (sobretudo pelo Partido Socialista Operário Espanhol) do que pela direta (representada pelo governante Partido Popular, e muito especialmente durante o governo de José María Aznar, entre 1996 e 2004).

A direita espanhola nunca perdoou Juan Carlos por não ter optado por um contexto dominado por uma corte. Os socialistas se sentiram mais reconhecidos. Esse entendimento se apresenta hoje como um enigma. Nada a estranhar que setores inclinados à esquerda e os moderados que são golpeados pela crise questionem a viabilidade da monarquia.

Em nível pessoal do entorno familiar, é um mistério o papel que pode desempenhar a nova rainha Letizia. Até agora esteve neutralizada, emudecida (castigo diabólico para uma jornalista de televisão) por determinações internas. Como representante de uma sociedade aberta e questionadora de valores tradicionais, Letizia tampouco encontrará facilidade para superar o papel desempenhado pela rainha Sofia, uma “profissional” (adjetivo de seu marido) sem comparação. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected]