Ambiente

Dendê busca se fortalecer como uma das vocações amazônicas

por Eduardo Geraque, InfoAmazonia – 

O mais importante óleo vegetal do mundo chegou da África ao Brasil no século passado, mas agora desponta como uma das culturas potenciais da nova bioeconomia. Empresas e pesquisadores não querem repetir os erros de outros países, onde as plantações da palma são uma das principais causas de desmatamento. Na última parte da série “Gargalos da Bioeconomia”, mostramos a experiência da Agropalma junto a agricultores familiares no Pará. Foto acima: Os frutos do dendê, ou palma africana. Ronaldo Rosa/Embrapa

Benedita Almeida do Nascimento conta que uma “reviravolta”  ocorreu em sua vida no ano de 2002. A comunidade de Arauaí, no município de Moju, a aproximadamente 200 km da capital Belém, serviu de base para o primeiro projeto de produção comunitária da Agropalma, empresa que chegou ao bioma amazônico nos anos 1980 para explorar a palma de óleo, também chamada de óleo de dendê.

O plano do grupo envolvia uma associação com 50 pequenos produtores do interior do Pará que passariam a cultivar e explorar os dendezeiros em uma área de 10 hectares para cada grupo, ou seja, 500 hectares no total. A empresa ficaria com a produção e, em contrapartida, garantiria uma renda fixa para as famílias.

“A nossa vida mudou muito com o projeto. Com o dendê, o retorno é ótimo e a renda, garantida. A diferença na nossa vida familiar é enorme. A parceria com a empresa é uma maravilha”, afirma Benedita, que aos 56 anos, não emite nenhuma opinião contrária à entrada da Agropalma, há 18 anos, na região.

Apesar da avaliação positiva de uma das líderes comunitárias do Moju, e de vários familiares dela que até hoje controlam também outras pequenas parcelas da produção de óleo de dendê, o começo do projeto na região não foi fácil. Segundo dados da Embrapa, dos 50 primeiros produtores escolhidos, 15 foram substituídos, houve 6 desistências e outros três acabaram morrendo durante o processo.

Portanto, muitos dos escolhidos no início, ao contrário do que ocorreu com Benedita, tiveram que ser trocados. Números de hoje mostram que existem 185 famílias associadas à empresa, o que representa uma produção total de 1.710 hectares. Além da Agropalma, outras companhias, atualmente, também replicam o mesmo modelo, principalmente no Pará. Ou seja, se associam ao produtor local para conseguir fazer frente à demanda mundial por óleo de dendê.

Os dendezeiros, que vieram da África para Bahia no século passado, chegaram ao bioma amazônico nos anos 1940 e, em um primeiro momento, foram alvo de pesquisas agronômicas por parte de várias equipes de cientistas. Por décadas, instituições públicas tentaram viabilizar a produção em larga escala dos dendezeiros na região, como já ocorria principalmente na Bahia. Mas o cultivo da palma ganharia um impulso mais significativo apenas no início dos anos 2000.

Campeão entre os óleos vegetais

Produtividade do dendê é superior ao óleo de soja e outros óleos vegetais. Foto Ronaldo Rosa/Embrapa

Os números globais do agronegócio mostram que a maior produção de óleo vegetal vem atualmente da cultura da palma de óleo ou dendê. Na sequência aparecem os óleos de soja e de canola. Em condições ideais de produtividade, a palma de óleo pode chegar a 4.000 kg por hectare. Aproximadamente dez vezes a produtividade da soja.

Há quase cem anos, o óleo retirado da polpa da palma começou a ter importância econômica no Oriente, primeiro na fabricação de sabão e depois como lubrificante de máquinas a vapor. Nas últimas décadas, o que mostra a importância econômica do produto, o óleo extraído do dendê ganhou o status de ser o óleo vegetal mais importante do mundo.

Estima-se que a substância está presente em 50% de todos os produtos dispostos nas gôndolas dos supermercados, como cereais e massas instantâneas, que utilizam óleo em sua composição. O dendê também é muito utilizado na indústria dos cosméticos.

Por causa dessa íntima ligação entre os dendezeiros e os mercados asiáticos, a Indonésia passou a ser a maior exportadora mundial do produto. Mas como mostrou uma reportagem da BBC em novembro, a partir de uma grande investigação realizada pela Forensic Architecture da Goldsmiths University de Londres e do Greenpeace International, a floresta tropical da Papua, assim como já ocorreu em outro biomas do país asiático, também está sendo ameaçada pela monocultura do dendê.

Na América do Sul, onde vários países além do Brasil também tentam aumentar sua participação internacional no mercado de óleo de palma, a relação entre produção e desmatamento também é delicada. Existem estudos que mostram a pressão sobre a floresta por causa da produção de dendê em áreas da Colômbia, do Equador e do Peru.

Dendê na Amazônia brasileira

A produção em Moju, no Pará. Um projeto da Agropalma em parceria com comunidades e apoio da Embrapa. Foto: divulgação/Embrapa

No caso brasleiro, o fato de a produção da palma de óleo estar entre as cadeias importantes da bioeconomia da Amazônia pode ser importante para que a cultura não pressione as altas taxas de desmatamento da região. A Abrapalma, associação do setor, faz parte da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, instituição que reúne setores do agronegócio e ONGs ambientalistas ao redor de um objetivo comum.

Em outubro, a Coalizão recebeu a adesão de importantes agentes do setor financeiro nacional. O Bradesco, o Itaú Unibanco e o Santander, representados pelos próprios presidentes, anunciaram um plano para incentivar não apenas a proteção da Amazônia, mas também a criação de linhas de financiamento para fomentar a bioeconomia da região. Todos os principais produtos da floresta, como o dendê, o cacau, o açaí e a castanha, devem ser contemplados. O objetivo principal do grupo é baixar o desmatamento da maior floresta tropical do planeta.

“O mundo hoje produz muito mais óleo de dendê (63 milhões de toneladas) do que soja (46 milhões de toneladas) ocupando apenas 1/6 da área de soja (125 milhões de hectares) em comparação com dendezeiro (19 milhões de hectares)”, afirma Alfredo Homma, pesquisador do Centro de Pesquisa Agroflorestal da Embrapa Amazônia Oriental (Belém-PA) e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado do Pará.

Apesar de o dendê estar em sintonia com a chamada bioeconomia moderna e ter elevado a renda das famílias que trabalham diretamente com a produção do óleo, o processo que envolve a plantação dele na Amazônia não é uma unanimidade.

Existem várias pesquisas que mostram a ocorrência de exploração de mão de obra sem autonomia e vínculos legais, trabalho desgastante, ameaça às áreas quilombolas e à biodiversidade além de vários outros impactos socioambientais, como falta de garantia de retorno do investimento, pragas na plantação, uso de agroquímicos e talvez o mais importante: a construção de uma dependência entre as comunidades locais e as empresas, além da transformação dos pequenos produtores em apenas administradores de dendezeiros.

Várias dessas críticas, por exemplo, são rechaçadas pelos membros da comunidade do Moju. “Nós também plantamos outras coisas, como milho, mandioca e arroz e preservamos vários trechos de floresta com reservas totalmente fechadas. Na nossa família são 62 hectares que estão intactos”, afirma Benedita.

Palma + agricultura familiar

De acordo com Kátia Garcez Monteiro, consultora, o programa brasileiro de produção sustentável de palma de óleo, instituído pelo governo federal em 2010, é um dos pilares que tem ajudado a cultura a se desenvolver no bioma amazônico de forma sustentável. “Uma das prioridades válidas para a região é a expansão integrada da palma com a agricultura familiar, o que gera renda e oportunidade de investimentos em parceria com estados, municípios e o setor industrial”, afirma a consultora.

Segundo Kátia, o setor tem tudo para crescer de forma ordenada e dentro dos conceitos das boas práticas ambientais. “Uma das diretrizes é respeitar as áreas do Zoneamento Agroecológico da Cultura da Palma de Óleo, que contou com a Embrapa para ser feito”, diz Kátia. Segundo ela, com o apoio governamental desde 2010, o potencial de produção nacional mais que quadruplicou. De 50 mil hectares há uma década para, hoje, mais de 236 mil hectares no país, considerando Pará, Bahia, Roraima e Amazonas. O Brasil tem condições de satisfazer, em tese, toda a demanda interna pelo óleo de dendê.

Também cientes das críticas que o modelo de produção da palma de óleo recebe, Alfredo Homma, um dos principais especialistas em economia rural da Embrapa no Pará, não deixa de ser enfático.

“O dendezeiro é uma atividade que não pode ser desprezada nas propostas de desenvolvimento para a Amazônia. O Estado do Pará está com quase 200 mil hectares e o Brasil ainda importa 50% de óleo de dendê e 85% de óleo de palmiste, o que gera uma evasão de divisas da ordem de US$ 350 milhões a US$ 400 milhões anuais. Precisamos dobrar esta área plantada nos próximos 5 a 10 anos”, afirma o pesquisador, que tem uma visão muito pragmática sobre o desenvolvimento socioambiental que precisa ser feito na Amazônia.

Segundo ele, no longo prazo, o limite da área de dendezeiro na Amazônia deve ficar em torno de 400 mil a no máximo 500 mil hectares. “Não tem sentido a utilização de óleo de dendê para biocombustível, porque tem outros usos mais nobres como alimento (margarina, sorvetes, biscoitos), cosméticos, indústria de tintas e aço, além de outras utilidades”, afirma Homma.

Pelos cálculos do pesquisador, dos 200 mil hectares ocupados pelos dendezeiros na Amazônia, 30 mil hectares são de pequenos produtores integrados a grandes empresas. “São pessoas que ganham em torno de 2 salários mínimos mensais líquido por mês. Quantia que representa uma alternativa de renda e geração de emprego”, afirma. Na Amazônia, dados de 2019 – números de antes da pandemia, portanto – mostram que metade da população sobrevive com até meio salário mínimo por mês.

Modelo bioindustrial

Segundo Homma, a promoção de um efetivo desenvolvimento rural na Amazônia depende da criação de alternativas tecnológicas e econômicas realmente sustentáveis para a região.

Pesquisador da Embraba Alfredo Homma não acredita que o extrativismo seja a solução para a Amazônia. Foto: divulgação

Depende também de uma nova e sólida estrutura de governança entre os estados e o governo federal, em particular para combater com firmeza os corriqueiros crimes ambientais que ocorrem na região: desmatamento ilegal, queimadas, extração madeireira predatória, garimpos, narcoeconomia, contrabando de armas e de matérias vivas da flora e da fauna.

“Promover a bioeconomia também fará parte do caminho a seguir, mas é preciso mais clareza sobre suas possibilidades. A chamada “velha bioeconomia” sempre existiu na Amazônia, como em qualquer outro lugar do mundo. Mas a concretude da “nova bioeconomia” é ainda muito limitada pela complexidade das tecnologias, pelo seu maior custo relativo ou a reduzida disponibilidade de assistência técnica, além de ser principalmente voltada para o segmento bioindustrial, entre outros fatores limitadores”, afirma o pesquisador.

 

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