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Diálogos cruzados

André Correa do Lago, negociador chefe do Brasil para a Rio+20.

Brasil cria espaço para a participação da sociedade civil nas decisões da Rio+20 que pode se tronar um novo modelo de participação social nas conferências das Nações Unidas

O governo brasileiro inovou na criação de um novo espaço de diálogo entre sociedade civil e as instâncias da ONU durante a Rio+20. Normalmente as reuniões de governos acontecem com pouca ou nenhuma interferência das ruas, mesmo que a sociedade esteja promovendo grandes manifestações de protesto nas imediações. Desta vez foi criado um espaço que o governo chamou de “Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável”, que vai reunir representantes de organizações não governamentais, universidades e empresas para abordar dez temas considerados estratégicos para a Rio+20 (ver box). Para o debate central foram convidados notáveis dos setores eleitos com representação equilibrada de acordo com os critérios da ONU para gênero, geografia, setores etc.

Para construir uma pauta consistente para cada um dos dez temas que serão analisadas nas reuniões presenciais dos Diálogos para o desenvolvimento Sustentável, que acontecerão no Rio de Janeiro nos dias 16, 17, 18 e 19 de junho, o Governo Brasileiro criou com apoio do Pnud, uma plataforma de internet que permite a participação de qualquer pessoa através de propostas ou opiniões sobre os dez temas eleitos para o debate da Rio+20. Essa plataforma poderá ser, segundo espera o Governo Brasileiro, um espaço virtual de permanente exercício de participação social nos temas da ONU, seja para a Rio+20 ou para qualquer outro tema de relevância debatido no âmbito das nações Unidas. O endereço eletrônico da plataforma é: https://www.riodialogues.org

Para o embaixador André Correa do Lago, negociador chefe do Brasil para a Rio+20, um economista com passagens por embaixadas brasileiras em Madri, Praga, Washington, Buenos Aires e pela representação brasileira junto à União Europeia, a criação desse espaço é uma experiência inovadora em termos de convenções da ONU e, se der certo, pode se tornar um modelo mais democrático de participação da sociedade civil. No entanto, ele mesmo admite nesta entrevista ao jornalista Dal Marcondes, que o que se conseguiu não é o ideal, mas o possível como uma primeira iniciativa.

Dal Marcondes – De onde surgiu a ideia dos Diálogos?

André Correa do Lago – A ideia dos Diálogos surgiu, no governo brasileiro, pelo desejo de assegurar um elemento novo de participação da sociedade civil, porque o governo sabe o quanto foi importante para Rio 92 ter os eventos paralelos da sociedade civil. Por isso queria dar um passo a mais na influência da sociedade civil sobre os processos das Nações Unidas.

Dal: Historicamente as reuniões das nações unidas, são reuniões intergovernamentais. Qualquer influência da sociedade civil não se dá de forma direta, ela sempre se dá de forma indireta e imprecisa. O senhor acredita que os diálogos têm um papel importante em mudar essa lógica?

André: Eu acho que é um piloto para uma possível nova forma de maior participação da sociedade civil. O governo brasileiro também, de certa forma, está querendo contribuir para esse debate. Um dos temas da Rio+20 é a estrutura de governança institucional das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável. E o Brasil como todos os outros países acha que essa nova estrutura de governança tem que dar mais espaço para a sociedade civil. Depois da Cúpula da Terra, em 92, já melhorou muito. Mas nós achamos que tem um passo a mais. De certa forma, a ideia era contribuir com os Diálogos pode ser a semente de uma nova forma de maior participação da sociedade.

Dal: As organizações da sociedade civil, de uma forma geral, sempre querem avançar mais do que o que é possível, em determinados momentos de negociação. Esses diálogos, como o senhor mesmo disse, são um piloto. Em sua opinião eles ainda precisam ser aperfeiçoados na sua forma de participação? O formato adotado é o formato possível ou pode avançar?

André: Eu acho que é um formato que deverá evoluir para funcionar melhor. Não se pode imaginar que uma ideia dessas já possa nascer com todas as respostas.  Acho que a experiência que estamos desenvolvendo ao fazer essa tentativa pode ser enriquecida, inclusive porque a sociedade civil tem que reagir a tudo. Quer dizer, não só à substância, mas também propor as melhorias que poderiam ser feitas.

Dal: O senhor acredita que esse pode ser um formato de interlocução, sociedade civil – Nações Unidas, não apenas nesta conferência mais em outras?

André: Acho que sim. Acho que a gente precisa cada vez mais ter um debate informado sobre o que fazem as Nações Unidas. Inclusive para que o público entenda melhor para que servem as Nações Unidas. Eu me dou conta de quanto as pessoas não entendem o potencial de ação das Nações Unidas, por isso é preciso fortalecer esse conhecimento.

Dal: Como é que o senhor tem visto e recebido as críticas de representantes da sociedade civil de que os Diálogos não são tão abrangentes e nem tão democráticos quanto deveriam ser?

André: Eu acho que é natural que haja críticas. E acho que várias das críticas certamente se aplicam. O que acontece é que nós recebemos essas críticas conscientes de que não pretendíamos dar todas as respostas com os Diálogos. Como eu te disse isso é um projeto piloto. Nós decidimos lançá-lo porque é uma ocasião excepcional, a Rio+20, há possibilidade de o Brasil contribuir pra isso. Mas eu entendo muito bem que a sociedade civil tem outros meios e outros instrumentos para ser ouvida, mais tradicionais e que já funcionam. E os Diálogos de maneira nenhuma pretendem substituir a qualquer um desses canais tradicionais. Os Diálogos são apenas um canal a mais.

Dal: E como a ideia foi recebida no âmbito da ONU?

André: No âmbito da ONU eu fiquei muito contente com o extremo apoio que recebemos, por exemplo, do PNUD, que conseguiu desenvolver numa rapidez incrível a plataforma na internet que está dando apoio a esse debate. Eu acho que muitas pessoas não se dão conta da importância desse debate virtual antes dos Diálogos presenciais. O evento dos Diálogos vai ser consequência de uma discussão muito mais ampla que tá acontecendo na internet. E a ONU entendeu imediatamente esse potencial e colocou à disposição do governo brasileiro toda uma equipe técnica que permitiu que se fizesse isso em um prazo muito curto.

Dal: Em relação à plataforma da internet. Vamos supor que seja um sucesso absoluto e que milhares de pessoas entrem e contribuam.  Como será a sistematização desse debate com milhares de opiniões?

André: Eu acho que essa plataforma pode ser muito melhorada. Mas é boa essa ideia de se ter um debate totalmente aberto e um pouco dirigido por universidades, porque o governo brasileiro não está participando em nada nesse debate na internet, só as universidades e o público. As Nações Unidas e o Brasil apenas deram o apoio técnico para a existência dessa plataforma. Então eu acho que isso pode ser melhorado com mais universidades ou com centros específicos que poderiam se dedicar a isso. Evidentemente todo esse tipo de ideia nova, na verdade, adiciona esforços para entidades e estruturas que já tem a sua própria função. Portanto, isso pode ser muito melhorado para ter, por exemplo, uma divulgação muito maior nas universidades, uma divulgação muito maior dentro da sociedade civil para que os Diálogos sejam mais dinâmico e que a participação seja mais ampla possível. Os grandes temas das Nações Unidas, como biodiversidade e mudança de clima, também poderiam ser objeto de um debate similar.

Dal: E por fim, embaixador, ao final do processo dos Diálogos. Como será encaminhado isso aos governos que estarão presentes na Rio+20?

André: A parte de chefes de Estado da Rio+20 vai ser nos dias 20, 21 e 22. As Nações Unidas determinaram que os chefes de Estado vai ter basicamente duas atividades: o plenário no qual cada um vai fazer uma intervenção e além do plenário a ONU está organizando quatro mesas redondas consecutivas, ou seja elas não são simultâneas. São nessas mesas redondas que devem ser apresentados os resultados dos Diálogos, ou seja, tem uma fórmula muito clara que é a leitura de recomendações. Portanto deverá permitir aos chefes de Estado ouvir e reagir a essas recomendações. Nós temos que lembrar que a Rio+20 não é apenas o documento que vai ser assinado ao final, é o compromisso mundial de levar adiante os processos e as ideias que vão ser levantados na Conferência. Então, a Rio+20, na realidade, é o começo de um processo, por isso esses Diálogos podem ter uma influência muito grande, porque as discussões podem continuar na internet.

Dal: Por último a mídia terá acesso ao recinto dos Diálogos?

André: Sim claro que sim. Inclusive os Diálogos serão transmitidos por internet aberta. Ou seja, com acesso para o mundo inteiro, ou seja, as pessoas que terão participado do debate na internet poderão ver as suas recomendações, aquelas que foram mais votadas, sendo discutidas por pessoas muito interessantes e muito variadas, que a gente está chamando pra este debate. Acho que isso vai ser uma coisa muito estimulante.

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OS TÓPICOS DOS DIÁLOGOS

Desenvolvimento Sustentável para o combate à pobreza

Segurança alimentar e nutricional

Energia sustentável para todos

Cidades sustentáveis e inovação

Desemprego, trabalho decente e migrações

A economia do Desenvolvimento Sustentável, incluindo padrões sustentáveis de produção e consumo

O Desenvolvimento Sustentável como respostas às crises econômica e financeira

Florestas

Oceanos

Água

Dal Marcondes é jornalista especializado em jornalismo econômico, diretor e editor responsável da Envolverde – Revista Digital e presidente do Instituto Envolverde.