Clima

Dinheiro é a chave da cúpula climática

Grande parte dos compromissos financeiros assumidos pelo Norte industrial para ajudar os países em desenvolvimento, como Santa Lucía (na foto), a lidarem com as consequências da mudança climática segue sem ser cumprida. Foto: Kenton X. Chance/IPS
Grande parte dos compromissos financeiros assumidos pelo Norte industrial para ajudar os países em desenvolvimento, como Santa Lucía (na foto), a lidarem com as consequências da mudança climática segue sem ser cumprida. Foto: Kenton X. Chance/IPS

Por Thalif Deen, da IPS –

Nações Unidas, 7/12/2015 – A conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), que acontece em Paris até o dia 11 e que pretende adotar um histórico tratado internacional sobre a mudança climática, poderia se encaminhar para um choque político sobre um dos temas mais controversos nas negociações em curso, o financiamento.

Nada se conseguirá na cúpula, cujo nome oficial é Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CMNUCC), sem o financiamento necessário para a adaptação e o combate às consequências negativas do aquecimento do planeta, alertou o Grupo dos 77 (G77) integrado por 132 países em desenvolvimento, incluída a China.

A embaixadora da África do Sul junto à Organização das Nações Unidas (ONU), Nozipho Mxakato Diseko, declarou, representando o G77, que muitos dos compromissos assumidos pelos países industrializados ainda não foram cumpridos. “Também não existe, agora, nenhuma clareza sobre como será cumprido o compromisso que os países desenvolvidos assumiram há seis anos, de proporcionar US$ 100 bilhões por ano até 2020 aos países em desenvolvimento”, acrescentou.

Para Diseko, os países do Norte devem tomar a iniciativa na era posterior a 2020, “ao cumprir e acelerar a implantação e aumentar a ambição dos compromissos existentes em matéria de mitigação e financiamento, desenvolvimento e transferência de tecnologia, e geração de capacidades de apoio aos países em desenvolvimento”.

Enquanto isso, os 48 países menos adiantados (PMA), considerados os mais pobres entre os pobres do mundo, reagiram negativamente à promessa dos países ricos de doarem US$ 248 milhões ao Fundo PMA, que qualificaram de uma “gota no oceano”. O negociador dos PMA, Giza Gaspar Martins, afirmou que os 500 projetos identificados pelo Fundo PMA necessitam mais de US$ 5 bilhões para serem concretizados. Mas, até o momento, o Fundo conta com apenas US$ 859 milhões, incluída a última promessa de US$ 248 milhões, que bastam para completar apenas 158 projetos.

A LDC Watch, uma aliança de organizações não governamentais nos PMA, alertou que nesse ritmo os projetos não poderão ser implantados até a data prevista de 2020. Em comunicado divulgado no dia 12, a organização também considera improvável que esse dinheiro seja recebido, devido à atual situação do Fundo Verde para o Clima (FVC), criado após a Conferência de Copenhague em 2009 e que recebeu fundos bem inferiores aos US$ 100 bilhões prometidos pelos países do Norte industrializado.

“Considerando a experiência com o FVC, com promessas após promessas e sem dinheiro sobre a mesa, tenho dúvidas de que esses US$ 248 milhões chegarão em sua totalidade”, opinou Azeb Girmai, da LDC Watch.

O Fundo PMA tem um papel fundamental na resposta às necessidades urgentes e imediatas de adaptação dos PMA, afirmaram os governos de Alemanha, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Irlanda, Itália, Suécia e Suíça, em um comunicado divulgado após a promessa de US$ 248 milhões. Esse papel se centra na redução da vulnerabilidade dos setores e nos recursos que são fundamentais para o desenvolvimento humano, como água, agricultura, segurança alimentar e infraestrutura, segundo são identificados e priorizados nos programas nacionais de adaptação, acrescenta o comunicado.

O Fundo PMA também é compatível com o processo nacional de planejamento da adaptação em coordenação com outros elementos, como meio para reduzir, em médio e longo prazos, a vulnerabilidade à mudança climática e facilitar a integração da adaptação às políticas públicas. Desde a criação desse fundo, em 2001, até junho deste ano, foram aprovados US$ 931,5 milhões para os projetos, que mobilizaram US$ 3,8 bilhões em cofinanciamento em 51 países, segundo o comunicado.

Porém, a embaixadora Diseko alerta que a COP 21 não conseguirá nada se não se obter os meios de aplicação para permitir que os países em desenvolvimento enfrentem a mudança climática. Os fundos, em particular para a transferência de tecnologia e a geração de capacidades, são o elemento fundamental na conferência de Paris, pontuou.

Diante das dúvidas expressadas pelo G77, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, declarou, no dia 3, que há dois aspectos nessa situação. Em primeiro lugar, o financiamento climático é uma promessa já feita pelos países do Norte, ou seja, dos integrantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, afirmou.

“Ressaltei aos líderes do mundo desenvolvido que isso deve ser entregue, e que deve haver uma trajetória política crível da mobilização dos US$ 100 bilhões até 2020. Essa é uma promessa muito importante e, como já foi informado, confirmou-se que US$ 62 bilhões seriam mobilizados até o final de 2014. Agora falamos de 2015, e temos mais cinco anos”, afirmou o secretário-geral.

Ban também disse que há outra questão sem resolver, que é a diferenciação. Está claro, considerando os antecedentes históricos, que os países do Norte deveriam ter a responsabilidade histórica de dar o apoio financeiro e tecnológico aos países em desenvolvimento, particularmente os mais vulneráveis e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, acrescentou.

De acordo com Ban, “o que se discute agora é que, apesar de estarmos de acordo no princípio de responsabilidades comuns mas diferenciadas, há alguns países, dependentes das nações desenvolvidas, que têm diferentes níveis de desenvolvimento e diversos níveis de capacidades. Assim, enquanto esperamos que isso seja liderado principalmente pelos países desenvolvidos, deve haver certo equilíbrio por alguns países em desenvolvimento que realmente possam fazê-lo”.

Um bom exemplo é a China, que anunciou US$ 3 bilhões para a cooperação Sul-Sul, embora a quantia não esteja dentro do contexto de responsabilidades comuns mas diferenciadas, apontou Ban. “Creio que isso é algo que se pode fazer e que se pode acordar de maneira harmoniosa”, concluiu. Envolverde/IPS