Arquivo

É urgente incluir perspectiva de gênero

Washington, Estados Unidos, 26/9/2911 – As reuniões anuais do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) terminaram ontem em Washington, após terem colocado os assuntos de gênero no centro do debate sobre o desenvolvimento. A campanha “Pense em Igualdade” foi o selo diferenciador das reuniões deste ano. Além disso, “acabamos de divulgar o Informe sobre o Desenvolvimento Mundial 2012: Igualdade de Gênero e Desenvolvimento, que demonstra que chegar à igualdade para as mulheres não é apenas o correto. Também é economia inteligente”, disse o presidente do Grupo do Banco Mundial, Robert Zoellick, em entrevista coletiva.

“As mulheres são o próximo grande mercado emergente. Como o mundo pode chegar ao seu pleno potencial de crescimento se não avança nas perspectivas, energias e contribuições de metade da população mundial: as mulheres e as meninas?”, perguntou Zoellick. “Quase quatro milhões de meninas e mulheres em países em desenvolvimento ‘desaparece’ a cada ano. Isto é como perder uma cidade de Los Angeles, uma Johannesburgo, uma Yokohama”, acrescentou.

Apesar de o Informe sobre o Desenvolvimento Mundial 2012 ter sido aplaudido por seus esforços, muitos especialistas, particularmente os que trabalharam com a sociedade civil contra os impactos do desenvolvimento neoliberal, concluíram que o informe oferece muito pouco e também chega muito tarde. Por exemplo, “por que o Banco Mundial só nos incentiva a ‘pensar em equidade’? Por que não nos pede para ‘agirmos com equidade’ também?”, perguntou Bunker Roy, fundador do Barefoot College, a Jeni Klugman, do Banco Mundial, em uma mesa-redonda realizada na semana passada.

“O Informe destaca a saúde das mulheres durante seus anos reprodutivos como uma prioridade fundamental”, disse à IPS Merrell Tuck-Primdahl, encarregada de comunicações do Banco. “Este assunto vital é coberto como parte das principais causas da excessiva mortalidade feminina em regiões com a África subsaariana, e se relaciona com as vozes das mulheres dentro de suas casas e com a capacidade de controlar e decidir a quantidade de filhos e o espaço de tempo entre eles ao longo de sua vida”, acrescentou.

“Institucionalmente, o Banco Mundial é líder em saúde reprodutiva, e em 2010 lançou um novo Plano de Ação sobre Saúde Reprodutiva”, afirmou Tuck-Primdahl. “Atualmente, implantamos esse plano quinquenal para ajudar os países a melhorar seus resultados em matéria de saúde reprodutiva”, concluiu.

Entretanto, Elizabeth Arend, coordenadora de programas da Gender Action, uma organização com sede em Washington, disse à IPS que “o Banco não vê a saúde reprodutiva como um direito humano, e sim como uma necessidade para maximizar a atividade econômica das mulheres”. Se “estas estão sãs, são mais produtivas economicamente. Esta é a motivação que está por trás do objetivo de ‘saúde feminina’ do Banco”, afirmou.

Segundo Arend, isto significa centrar-se apenas em três questões: a fertilidade feminina por meio da promoção de métodos anticoncepcionais, a morbidade materna por malária e HIV e mortalidade materna. “As mulheres de todo o mundo sofrem também as consequências psicológicas da violência sexual, à qual se dá pouquíssima atenção ou financiamento. De fato, o Banco tem apenas quatro projetos ativos em todo o mundo para abordar a violência de gênero, o que totaliza apenas US$ 12,5 milhões. Isto representa 0,02% do orçamento de 2010 do Banco”, acrescentou.

Isto “sugere que é altamente improvável que o Informe tenha algum impacto nas políticas ou nos investimentos de gênero do Banco, já que seus investimentos em gênero e inclusão social, na realidade, diminuíram nos últimos anos, passando de 6% no orçamento anual de 2006 para 2% em 2010”, disse Arend à IPS. Outros representantes da sociedade civil aproveitam a oportunidade para identificar os conflitos de interesses cada vez mais acentuados entre as pesquisas do Banco Mundial e seus investimentos.

O Banco “e seus investidores frequentemente seguem as tendências patriarcais de certas comunidades onde são executados seus projetos”, especialmente os extrativos, disse Betty Abah, da Amigos da Terra, em um painel sobre os impactos destrutivos do oleoduto Chade-Camarões, financiado pelo Banco Mundial, sobre as mulheres da região. “É bastante comum o Banco não consultar as mulheres locais, o que rouba suas vozes e permite terríveis desequilíbrios na comunidade”, acrescentou.

O oleoduto, propriedade de Exxon/Mobil, Petronas Malasia e Chevron, custou US$ 6,7 bilhões e transporta petróleo dos poços do Chade até a costa de Camarões. Foi possível graças a empréstimos do Banco Mundial no valor de U$ 337,6 milhões, justificados pela promessa de que o projeto impulsionaria a economia local e tiraria da pobreza milhares de habitantes do Chade.

No entanto, segundo um informe da Gender Action e da Amigos da Terra que será divulgado esta semana, o oleoduto não só não criou um mercado de trabalho como, na realidade, fez estragos entre as mulheres dos dois países. A investigação conclui que elas foram sistematicamente excluídas das consultas e dos processos de compensação, bem como foram empurradas para a informalidade quando suas terras e meios tradicionais de sustento foram devorados por essa obra de infraestrutura.

Os corredores para transporte de petróleo se converteram em caldo de cultivo para o vírus HIV, causador da aids. Uma enorme demanda por prostitutas, juntamente com a perda de trabalhos na comunidade, fez com que dezenas de mulheres ficassem em posição social vulnerável, segundo o informe. Além disso, o estudo mostra que águas contaminadas por petróleo obrigaram as pescadoras a abandonar seu trabalho e também provocaram aumento de bebês natimortos, infertilidade e doenças respiratórias.

Os vazamentos de óleo e a contaminação sonora devastaram a ecologia local, criando uma dinâmica perigosa e precária na comunidade, destaca o informe. “Tenho muito pouca fé em que o Informe sobre o Desenvolvimento Mundial mudará as políticas”, afirmou à IPS a presidente da Gender Action, Elaine Zuckerman. “No fim das contas, os investimentos do Banco Mundial falam mais forte do que seu discurso”, ressaltou. Envolverde/IPS

* Com aportes de Rosemary D’Amour.