Internacional

Emergência humanitária na América Latina

No México existe uma série de povoados fantasmas, cujos moradores fugiram em massa devido à violência dos cartéis do tráfico de drogas. Ruas vazias de Santa Ana del Águila, no município de Ajuchitlán del Progreso, em Guerrero, onde em suas paredes restam os sinais das balas. Foto: Daniela Pastrana/IPS
No México existe uma série de povoados fantasmas, cujos moradores fugiram em massa devido à violência dos cartéis do tráfico de drogas. Ruas vazias de Santa Ana del Águila, no município de Ajuchitlán del Progreso, em Guerrero, onde em suas paredes restam os sinais das balas. Foto: Daniela Pastrana/IPS

Por Daniela Pastrana, da IPS – 

Cidade do México, México 18/5/2016 – “Isto é uma crise humanitária”, resume Bertha Zúñiga Cáceres, se referindo à situação de violência em Honduras, México e outros países da América Central, com centenas de milhares de vítimas, em cuja origem está o crime transnacional, que resulta invisível para a comunidade internacional.A filha da ativista ambiental Berta Cáceres, assassinada no dia 2 de março, passa pelo México após percorrer várias cidades europeias para pedir ajuda no esclarecimento da morte de sua mãe e o fim do financiamento ao projeto hidrelétrico em Agua Zarca, ao qual se opõe o povo lenca.

Em entrevista à IPS, Cáceres admitiu que, apesar das ameaças e do assassinato de outros ativistas, não acredita que se atreverão a matar uma líder com um perfil internacional tão alto.Ela mesma e seus irmãos haviam saído do México devido às ameaças contra integrantes do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh), a organização fundada por Berta há 23 anos. Estava há um mês estudando no México quando mataram sua mãe.

Cáceres contouque comunidades são deslocadas e obrigadas a deixar suas terras, como consequência de um sistema “neoliberal, racista e patriarcal”. As vítimas não são apenas do povo mesoamericano dos lencas, garantiu, lembrando que também o são, por exemplo, os garífunas, o grupo étnico que é uma mestiçagem de escravos africanos e indígenas caribenhos, deslocado para a construção de grandes centros hoteleiros em suas terras costeiras.

A isso se soma uma violência institucional, surgida a partir do golpe de Estado de 2009, mesclada com a violência criminosa que forçou milhares de pessoas a buscarem refúgio fora de Honduras.Rubén Figueroa, coordenador do Movimento Migrante Mesoamericano, que organizou 11 caravanas de mães centro-americanas que buscam seus filhos desaparecidos em território mexicano, concorda com a visão de Cáceres. “A situação em toda a região do Triângulo Norte da América Central é uma tragédia humanitária”, destacou à IPS.

“Aqui não se ouve bombas (como no Oriente Médio, por exemplo), mas se derrama sangue, há mortos, muitos mortos. É uma situação que deve ser atendida de forma urgente pelas agências da Organização das Nações Unidas, especialmente pela Acnur (Agência das Nações Unidas para os Refugiados)”, ressaltouo ativista pelos direitos dos migrantes.

Segundo o Informe Global 2016 sobre Deslocamentos Internos, publicado este mês pelo Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC), 40,8 milhões de pessoas no planeta foram deslocados por conflitos e violência até o final de 2015. Desse total, pelo menos 7,3 milhões dos deslocamentos forçados aconteceram na América Latina, a maioria deles na Colômbia, como consequência de seu longo conflito armado.

Porém, o informe dedica uma análise especial à rápida consolidação de um novo fenômeno de vítimas de deslocamento: o da violência criminosa, protagonizado pelo México, junto com El Salvador, Guatemala e Honduras, o chamado Triângulo Norte da América Central.Nesses quatro países, houve no total um milhão de deslocados internos, quase o dobro do registrado pelo mesmo informe em 2014, vítimas majoritariamente da violência criminosa, relacionada principalmente com o tráfico de drogas e as gangues.

El Salvador, Guatemala, Honduras e México constam do mapa mundial de deslocados internos, vítimas da violência criminosa, em um fenômeno que é invisível e desatendido pelos órgãos que cuidam da assistência humanitária internacional. Foto: Informe 2016 do IDMC
El Salvador, Guatemala, Honduras e México constam do mapa mundial de deslocados internos, vítimas da violência criminosa, em um fenômeno que é invisível e desatendido pelos órgãos que cuidam da assistência humanitária internacional. Foto: Informe 2016 do IDMC

 

O relatório do IDMC destaca que são números parciais de deslocados, aos quais se deve somar os emigrantes forçados pela violência criminosa, em um fenômeno que qualifica como “invisível” e em boa parte “no limbo”.Os ativistas pelos direitos humanos no México apontam, como responsáveis por essa violência, a guerra entre as máfias criminosas, e também uma violência institucional dos Estados contra opositores a projetos extrativistas e energéticos.

“O que estamos vivendo não é uma guerra contra o tráfico, mas uma guerra do Estado contra a população”, opinou à IPS a ativista María Herrera, do grupo de familiares que buscam pessoas desaparecidas de maneira forçada no México, que somam milhares.As vítimas civis da crescente militarização em países da América Central e do México também se somam a esse novo tipo de emergência humanitária originada pelo crime transnacional, que os entrevistados pela IPS lamentam não constar da agenda da Cúpula Humanitária Mundial, que acontecerá na cidade turca de Istambul, nos dias 23 e 24 deste mês.

Figueroa situa o início desta crise em uma série de políticas regionais, como a aplicação do Plano Fronteira Sul Segura, no México, e a Aliança para o Progresso, na América Central. “Há cerca de cinco anos, começamos a notar que o deslocamento se dá por uma violência mais direta. Pudemos ver jovens que chegam aos albergues com balas no corpo. Pessoas que regressaram aos seus países e que foram assassinadas”, explicou.

A Besta, o trem que atravessa o México transportando migrantes ilegais, principalmente centro-americanos, para a fronteira com os Estados Unidos, estacionado em Hidalgo, no centro do país, em uma foto que consta do Informe 2016 do IDMC. Nesse trem, os passageiros sofrem todo tipo de agressões por parte dos grupos mafiosos. Foto: Keith Dannemiller/OM
A Besta, o trem que atravessa o México transportando migrantes ilegais, principalmente centro-americanos, para a fronteira com os Estados Unidos, estacionado em Hidalgo, no centro do país, em uma foto que consta do Informe 2016 do IDMC. Nesse trem, os passageiros sofrem todo tipo de agressões por parte dos grupos mafiosos. Foto: Keith Dannemiller/OM

“Sempre houve migração, mas agora há deslocamentos devido ao tráfico de drogas, por uma disputa entre gangues, e há também a questão da perseguição e do assédio contra ativistas em Honduras. É uma violência estrutural”, pontuou Figueroa.A diáspora centro-americana, originada pela violência, juntamente com a deportação de milhares de migrantes pelos Estados Unidos converteram o México em uma espécie de emparedamento, e está provocando um fenômeno crescente, também desatendido, que é o dos centro-americanos que optam por ficar no país e não seguir para o norte.

Apenas no primeiro mandato do presidente norte-americano Brack Obama (2009-2012), as deportações passaram de dois milhões.A Governamental Comissão Mexicana de Ajuda a Refugiados informou que os pedidos de refúgio de centro-americanos no México chegaram a dois mil em 2014, dos quais apenas um quinto teve resposta positiva.

No entanto, o México tem sua própria emergência humanitária. A Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos (CMDPDH) documentou 281.400 casos de deslocamento forçado pela violência entre 2011 e fevereiro de 2015. Um terço dessas pessoas fugiu de suas comunidades em 141 deslocamentos maciços ocorridos em 14 Estados do país.

O deslocamento em massa é definido como a mobilização simultânea de dez ou mais núcleos familiares por uma mesma causa. Somente no período de janeiro de 2014 a fevereiro de 2015, a CMDPDH registrou 23 desses deslocamentos. Um quinto deles ocorreu em Guerrero, Estado que no último ano duplicou seu recorde e se converteu no líder do deslocamento forçado pela violência no México.“As pessoas forçadas a se deslocarem internamente não contam com mecanismos nem instituições para sua proteção ou assistência”, diz o informe Deslocamento Forçado no México, que a organização apresentou em 2015.

Mas há outros caos, como o de Myrna Lazcano, uma mexicana que depois de se casar e ter suas duas filhas nos Estados Unidos decidiu voltar ao México, em 2008. Porém, a violência contra a mulher que impera nos Estados de Puebla, de onde era originária, e Veracruz, onde foi trabalhar, a forçou a mandar as filhas de volta, primeiramente, e depois regressar aos Estados Unidos, onde agora é solicitante de asilo.

Como ela, outros 9.200 mexicanos solicitaram asilo político nos Estados Unidos em 2012, número que triplicou as solicitações registradas nesse país em 2008. “Isso é uma emergência que ninguém quer atender”, enfatizou Figueroa. “Está em meio à posição, sobretudo dos Estados Unidos, a respeito da situação na América Central, porque seriam obrigados a dar refúgio por essa situação”, apontou. Mas, a seu ver, “também está em meio à posição do México e dos países de origem, que seriam obrigados a aceitar que estão falhando, assim como a comunidade internacional”. Envolverde/IPS

* Este artigo integra uma série elaborada pela IPS sobrea Cúpula Humanitária Mundial, que acontecerá em Istambul, na Turquia, nos dias 23 e 24 deste mês.