Sociedade

A epidemia de ebola ameaça o desenvolvimento da Libéria

Trabalhadores da saúde transportam uma vítima do ebola, no dia 13 de maio. Foto: ©EC/ECHO/Jean-Louis Mosser
Trabalhadores da saúde transportam uma vítima do ebola, no dia 13 de maio. Foto: ©EC/ECHO/Jean-Louis Mosser

 

Monróvia, Libéria, 12/9/2014 – A epidemia de ebola continua fazendo estragos nas vidas e nos meios de subsistência da população da África ocidental, enquanto a atenção se foca não só nos aspectos sanitários da crise, mas também em suas consequências sociais e econômicas.

Naturalmente, os aspectos humanos e médicos da crise continuam em primeiro lugar. A perda de um cônjuge, um filho ou outro parente próximo é devastadora. O setor da saúde está sob uma enorme pressão para lidar com os doentes, e inclusive proteger seus próprios trabalhadores do contágio.

Também há consequências sanitárias para os que não são afetados pelo ebola, já que o acesso ao atendimento médico diminui devido ao fechamento de hospitais e clínicas e à perda de pessoal médico e de enfermagem, e pelo aumento do preço da consulta pelos profissionais da rede privada de saúde.

A cobertura de vacinação, por exemplo, já havia diminuído 50% em julho. As mulheres grávidas lutam para obter um atendimento especializado em maternidade, e em alguns casos são rejeitadas pelas poucas instituições que ainda funcionam.

O fechamento dos centros de saúde interrompeu o tratamento das pessoas com HIV que recebem medicamentos antirretrovirais e daquelas com doenças crônicas. O sistema de saúde pública praticamente entrou em colapso em algumas áreas das regiões mais afetadas pelo ebola.

Antes da atual crise, a economia da Libéria experimentou um crescimento impressionante, de até 8,7% em 2013. Para este ano se projetava uma queda do crescimento do produto interno bruto (PIB) para 5,9%, já que a produção mineira se estabilizou temporariamente, junto com a queda dos preços internacionais da borracha e do minério de ferro. O PIB cresceria 6,8% em 2015 e 7,2% em 2016, segundo essa projeção. Mas agora que a atividade econômica se contraiu na maioria dos setores, será preciso rever esses prognósticos de crescimento.

Também há uma questão de fundo que nos preocupa: o impressionante crescimento recente da Libéria não foi equitativo nem inclusivo. Cerca de 57% dos aproximadamente quatro milhões de habitantes do país vivem abaixo da linha da pobreza e 48% vivem em situação de pobreza extrema.

A falta de desenvolvimento equitativo e inclusivo significa que mais da metade dos habitantes, especialmente, mulheres, meninas e meninos, é particularmente vulnerável aos choques das crises. Definitivamente, isso faz com que todo o país seja menos sólido e tenha uma capacidade menor para manejar crises de qualquer magnitude.

Parte do desafio arraigado na recuperação dos meios de vida é de natureza psicológica. Afinal, o medo e o isolamento podem acabar com mais vidas do que o próprio vírus ebola, se as empresas não trabalharem, os meios de subsistência desaparecerem e os serviços públicos não funcionarem.

A redução da renda fiscal é acompanhada da redução da capacidade de resposta estatal à crise. A previsão é de que a renda caia na medida em que o ebola continuar ceifando a vida dos liberianos e o governo mantiver as restrições às viagens como parte do estado de emergência.

É provável que essa situação em breve repercuta no pagamento do salário dos funcionários públicos, o que poderia paralisar ainda mais o país. A confiança no governo também está em jogo, na medida em que se torna cada vez mais incapaz de dar proteção aos seus cidadãos e de prestar os serviços que estes necessitam com urgência.

Simultaneamente, os preços dos alimentos cultivados no país e dos importados sobem porque o estado de emergência, os bloqueios militares nas estradas e as restrições de viagens freiam o comércio. O círculo vicioso da queda da demanda dos consumidores e a redução nos níveis de renda amplificam essa tendência.

Com esse cenário, é fundamental pôr em marcha mecanismos adequados de proteção social, pois a queda da renda disponível faz com que as famílias não possam pagar os serviços de alimentação e saúde. Isso contribuiria não só para a melhoria da estabilidade e da segurança sociais como também tornaria mais sólida e resistente a sociedade da Libéria em seu conjunto.

De fato, uma grande parte da população precisa da assistência pública. Os últimos dados indicam que cerca de 78% da força de trabalho está em uma situação de emprego vulnerável. Em contraste, os empregados com remuneração formal, cerca de 195 mil pessoas, representam apenas cerca de 5% do total de habitantes.

Aproximadamente 13% das famílias não têm acesso a uma alimentação suficiente e 28% são vulneráveis à insegurança alimentar. Se os segmentos mais pobres da população conseguissem acesso a algum tipo de mecanismo de proteção social, isso lhes permitiria resistir melhor à crise atual e às futuras.

Nas áreas mais remotas do país, longe do burburinho da capital, como Monróvia, também é necessário fortalecer a capacidade das autoridades locais para lidar com a crise, melhorando, por exemplo, os mecanismos de monitoramento e fornecimento de equipamentos de proteção aos que estão em contato direto com os pacientes de ebola e os cadáveres.

A crise de ebola em julho e seu agravamento gradual até se converter em emergência nacional na Libéria desviaram a atenção e os recursos à disposição das autoridades para a contenção do vírus. Nessa fase da crise, é preciso agir em todas as frentes para lidar com os devastadores desafios sanitários, sociais e econômicos antes que a Libéria e outros países afetados vejam desaparecer paulatinamente as conquistas alcançadas com esforço no âmbito do desenvolvimento. Envolverde/IPS

* Antonio Vigilante é representante especial-adjunto do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), coordenador residente da ONU e representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento na Libéria.