Especialistas estudam mananciais subterrâneos

Segundo dados do IBGE, cerca de 55% dos municípios brasileiros já utilizam, para pelo menos parte do abastecimento público, água subterrânea. Ribeirão Preto (SP), Maceió (AL), Natal (RN) e Manaus (AM) são exemplos. É um recurso estratégico não apenas para atender a população com água de boa qualidade, como para abastecer a indústria, a agricultura (irrigação) e o lazer.

A ONU já alertou: em 2025, cerca de 2,7 bilhões de pessoas, em todo o mundo, enfrentarão a falta d’água se as populações continuarem a tratá-la como um bem inesgotável. Por isso, o mundo todo está de olho em países como o Brasil, que detêm grandes reservas de água doce. Não é à toa que o Ministério do Meio Ambiente e a ANA mergulham fundo nos estudos do potencial hídrico dos aqüíferos brasileiros.

O Tratado de Cooperação Amazônica, assinado em 1978 pela Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, República da Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, prevê ações para proteção ambiental e gestão sustentável dos recursos hídricos subterrâneos na Região Amazônica. Como parte do Tratado, e do Plano Nacional de Recursos Hídricos, do Ministério do Meio Ambiente, a ANA – Agência Nacional de Águas lançou em 2010 um edital para estudar os aquíferos da Amazônia.

O edital demonstra que a ANA já se preocupa com a demanda crescente de água subterrânea, principalmente na Região Amazônica, onde está a maior e mais complexa rede hidrográfica do mundo (7,3 milhões de km2). Nosso Planeta Azul tem 70% da sua superfície coberta por água, mas apenas 2,5% é doce. Da água doce existente, 68,9% formam as calotas polares e geleiras; 0,9% estão na umidade do solo e pântanos; 0,3% nos rios e lagos; e os 29,9% restantes são águas subterrâneas.

Extrair volume maior do que o reposto pela natureza pode prejudicar o abastecimento de rios, provocando seca nas nascentes. Sem contar os problemas decorrentes da contaminação das águas pelos homens, como a construção de fossas, esgotos domésticos e industriais, vazamentos em postos de gasolina e outros. Muitos fatores ameaçam a fartura de água doce, e estudá-la torna-se imprescindível para que não falte no futuro.

Maior do mundo

Pesquisadores da Universidade Federal do Pará apresentaram, ano passado, um estudo preliminar sobre o aquífero Alter do Chão, localizado sob os estados do Amazonas, Pará e Amapá, com volume estimado de 86 mil km3 de água doce, que seria o maior reservatório subterrâneo de água potável do mundo.

Em comparação com o aquífero Guarani, que também passa pela Argentina, Paraguai e Uruguai,com volume de 45 mil km3, considerado, até agora o maior do País, a reserva de Alter do Chão teria quase o dobro de água. Esse tipo de reserva, segundo o estudo, segue a proporção de tamanho da Bacia Hidrográfica que fica acima dela, no caso, a do Amazonas/Solimões..

Numa segunda etapa da pesquisa, eles visitarão os poços já existentes na região do aqüífero para avaliar seu potencial de vazão e tentar mensurar a capacidade de abastecimento da reserva e definir a melhor maneira de exploração da água, sempre com o cuidado de não comprometer o meio ambiente. Como a Região Amazônica é pouco habitada, a água dessa reserva é potável, o que demanda menos tratamento químico. Além[IW1] disso, no Aquífero de Alter do Chão, a formação rochosa – mais arenosa – permite a filtragem da recarga de água na reserva subterrânea.

No entanto, segundo os pesquisadores, antes de afirmar que temos o maior aquífero do mundo, é preciso conhecer o comportamento hidráulico e as interligações entre as Bacias Sedimentares do Acre, do Solimões e do Amazonas, que ocupam, no Brasil, uma área aproximada de 1.250.000 km2.

Estudar é preciso

Doutor em hidrogeologia pela USP, área que estuda a água subterrânea, Ingo Wahnfried, morador de Manaus, conversou com Plurale em revista.

Plurale em revista- Qual seria o caminho para garantir fartura de água no futuro?

Ingo Wahnfried – Investir em pesquisa aqui na nossa Região é fundamental para termos uma noção do tamanho e importância do recurso. A compreensão exata das dimensões do Aquífero Guarani levou mais de 30 anos de estudos.

Plurale- Há estudos sérios em andamento ?

Ingo – Somente estudos pontuais. Na Amazônia o desafio é maior por causa das distâncias e dificuldade de acesso. Ainda assim, não é aceitável que em pleno século 21 ainda não tenhamos quantificado uma reserva de água subterrânea que figura entre as maiores do mundo.

Plurale- Essa iniciativa da ANA, lançando edital para estudar os aquíferos da Amazônia vai garantir o melhor aproveitamento dos nossos recursos hídricos?

Ingo – O edital da ANA é uma iniciativa fundamental, mas é apenas o começo. A água na Amazônia sustenta a floresta que detém a maior concentração da biodiversidade da Terra, numa região que apresenta baixos índices socioeconômicos e enfrenta problemas decorrentes da falta de infra-estrutura urbana e de serviços públicos, como água tratada. É necessário criar, pelo menos, um centro de pesquisa regional dedicado às águas subterrânea e superficial.

* Reportagem publicada originalmente na edição 21 da Revista Plurale.