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Etanol brasileiro caminha travado para a globalização comercial

Colheitadeiras como esta aparecem entre as ferramentas fundamentais nas plantações de cana. Foto: Mario Osava /IPS

 

Rio de Janeiro, Brasil, 18/2/2013 – O sonho do Brasil de fazer do etanol um combustível de livre trânsito no mundo, em igualdade de condições com os derivados de petróleo, caminha travado por novos e velhos desafios após um início promissor. A meta de posicionar com força o etanol no mercado internacional só será alcançada quando houver “mais países em posição de comprar e ofertar”, disse Eduardo Leão de Sousa, diretor da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), organização representativa das maiores produtoras deste biocombustível no país.

Brasil e Estados Unidos são responsáveis por quase 85% da produção mundial de etanol, segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE). Como é destinado quase totalmente ao consumo interno, sua venda nos mercados internacionais ainda é mínima. Sousa disse à IPS que a demanda indispensável para estimular a produção do etanol não nasce espontaneamente, dependendo de políticas públicas, como a que obriga a misturá-lo à gasolina.

As maiores demandas tendem a se consolidar nos Estados Unidos, que em 2007 adotou um programa com metas anuais crescentes de consumo de biocombustíveis até 2022, bem como na União Europeia (UE), que pretende elevar até 2020, para 10% a proporção de combustíveis renováveis para os motores usados no transporte. O mandato de Washington limita em 56,78 bilhões de litros o consumo anual de etanol convencional, como o produzido a partir do milho, um volume já quase alcançado. O grosso do aumento para a meta de 132,5 bilhões de litros até 2022 deverá, portanto, proceder do elaborado a partir da celulose, um processo incipiente e ainda muito caro, e do “avançado”.

O etanol a partir da cana-de-açúcar foi classificado como “avançado” pela Agência de Proteção Ambiental norte-americana, ao reconhecer que emite menos da metade dos gases-estufa gerados pela gasolina, considerando todo o processo de produção e consumo, incluindo o uso da terra para o cultivo do insumo. Desse modo se criará para o Brasil e outros países produtores de cana uma demanda para seu etanol que chegará a 15,14 bilhões de litros em 2022.

No entanto, o objetivo de consumo da UE para 2020 é de 15 bilhões a 16 bilhões de litros de etanol, metade dos quais poderiam chegar de fora do bloco, informou Sousa. Essas importações somadas às dos Estados Unidos equivaleriam, então, ao atual consumo brasileiro, um mercado em desenvolvimento há quase quatro décadas.

No entanto, toda essa demanda ainda não está consolidada. A Comissão Europeia – órgão executivo da UE – discute uma revisão de sua meta para os transportes, buscando reduzir o etanol para evitar que afete a oferta de alimentos, enquanto nos Estados Unidos são os poderosos grupos de pressão dos consórcios petroleiros e dos produtores de milho que atuam contra o programa, pontuou o diretor da Unica.

A China é outro gigantesco mercado potencial, mas só adotará um programa ambicioso quando houver “segurança de fornecimento de fontes variadas e permanentes”, previu Sousa. Muitos países adotaram o etanol como aditivo a partir da década de 1990. Porém, são numerosos os casos de adiamento, de programas nacionais ou apenas experimentais. O Japão, por exemplo, hesita em tornar obrigatória a mistura de 3%, fixada desde 2003, mas que é voluntária.

Pelo lado da oferta, os movimentos também são “tímidos”, embora já se produza etanol de cana em outros países da América do Sul, na América Central, África e também em países do sudeste asiático, onde a Unica identifica “grandes potencialidades”. No México, que dispõe de áreas extensas para o cultivo, o obstáculo está na fragmentação em minúsculas áreas privadas. Algo semelhante ocorre na Índia, onde também já conta com muita cana em produção destinada à elaboração de açúcar para seus 1,2 bilhão de habitantes, indicou Sousa.

Na África, a falta de infraestrutura e mão de obra adequadas travam a atividade. Em Angola e Moçambique, onde empresas brasileiras realizam projetos açucareiros, a situação da terra é contrária, já que grande parte pertence ao Estado e seu uso depende de uma concessão do governo. Isto permite economizar o custo de adquirir terras, mas afasta investidores que valorizam a propriedade como garantia. “Tudo depende de regras claras e aplicação ágil”, segundo Felipe Cruz, diretor de Investimentos do Polo Agroindustrial de Capanda, em Angola, da empresa brasileira Odebrecht, que constrói nesse país a Companhia de Bioenergia (Biocom) para iniciar a produção ainda este ano.

“O foco é o açúcar”, afirmou Antonio Carlos de Carvalho, diretor administrativo e financeiro da Biocom. Angola, autossuficiente nesse produto antes da independência em 1975, perdeu toda sua agroindústria da cana em 27 anos de guerra civil. Até agora tenta recuperá-la com projetos em várias partes do país. Além da produção de 260 mil toneladas de açúcar, a Biocom está planejada para produzir 30 milhões de litros de etanol, que terão o objetivo de substituir aditivos contaminantes da gasolina.

O Brasil impulsiona projetos de etanol em todos os continentes, graças às suas empresas e tecnologia desenvolvida como país pioneiro no uso deste biocombustível e maior produtor de cana. Esta estratégia nasceu em meados dos anos 1970, para combater a alta dos preços internacionais do petróleo na época, quando o país importava 80% do que consumia. Uma década depois, quase todos os novos veículos fabricados no Brasil já usavam exclusivamente etanol, enquanto o restante do parque automotivo passou a consumir gasolina com adição crescente do biocombustível. Hoje, a mistura varia de 18% a 25%.

A esse êxito seguiu-se a crise provocada pela queda dos preços dos hidrocarbonos. Na década de 1990 a questão ambiental proporcionou prestígio internacional ao etanol brasileiro como uma possível solução para moderar a contaminação. Além disso, surgiu na época, nos Estados Unidos, os chamados veículos flex, que aceitam qualquer mistura até um máximo de 85% de etanol. No Brasil, uma versão aperfeiçoada de automóveis sem limite na combinação propiciou novo auge do biocombustível a partir de 2003.

Sem os acordos climáticos esperados e com problemas econômicos mais urgentes do que os ambientais, o mundo parece ter reduzido seu interesse pelo etanol. A dificuldade de criar para esse produto um mercado global resiste inclusive ao carisma do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), um ativista do tema.

A forte adesão dos Estados Unidos, o maior produtor mundial de etanol desde 2006, acabou com a solidão brasileira, mas ampliou a rejeição por parte dos que atribuem a esse combustível o encarecimento dos alimentos ao desviar enorme quantidade de milho para sua produção. Também o possível desenvolvimento de veículos elétricos e a hidrogênio acrescenta novas incertezas.

“O etanol de celulose alterará toda essa equação”, ampliando a produção e a sustentabilidade do biocombustível, opinou Sousa, destacando que as demais alternativas serão competitivas somente em um futuro distante. De todo modo, não se excluem, “cada região buscará a solução mais adequada” para suas condições, concluiu o empresário. Envolverde/IPS