Economia

Falta de emprego limita integração socioeconômica de mulheres venezuelanas no Brasil

Por Plurale em Site – 

Quem vê Ysabel vendendo café e arepas nas ruas de Boa Vista (RR) não imagina que ela tenha graduação e pós-graduação na área de saúde. A refugiada venezuelana de 49 anos é formada em Enfermagem, possui especialização em Terapia Intensiva e anos de experiência no cuidado de pessoas idosas e enfermas. Dos anos de trabalho na Venezuela, ela consegue colocar pouco conhecimento em prática – apenas a organização do orçamento, a calma e a simpatia para atender cada cliente que chega a sua pequena barraca na calçada.

A situação de Isabel não é isolada. Pesquisa divulgada em dezembro por ONU Mulheres, ACNUR e UNFPA aponta que, enquanto apenas 2,4% dos homens venezuelanos que permanecem em Roraima possuem ensino superior completo, entre as mulheres este índice é de 10,2%. Mesmo com maior escolaridade, elas têm menos da metade das chances que os homens possuem de irem para outros estados do Brasil com a garantia de um emprego na chegada – no chamado processo de interiorização com Vaga de Emprego Sinalizada (VES). Das mais de 66 mil pessoas venezuelanas interiorizadas desde 2018 pela Operação Acolhida, as mulheres com VES correspondem a apenas 3% dos casos, contra 7% entre os homens, de acordo com dados oficiais divulgados em janeiro de 2022.

“É muito mais difícil para as mulheres, porque chegamos sem teto e sem o idioma, e a mulher precisa ficar com os filhos. Há alguns trabalhos para as mulheres, mas se não há quem fique com as crianças, elas não podem sair”, explica Ysabel, que criou sozinha seus quatro filhos. Para ela, a falta de oportunidade e de apoio para que as mulheres venezuelanas se especializem é outro fator agravante. Ela afirma que já tentou iniciar um curso na área de saúde em Boa Vista, para tentar voltar a atuar na área, mas os custos não condizem com o orçamento que possui atualmente.

“Eu adoraria voltar a trabalhar na área da saúde porque eu nasci para ser enfermeira, nasci para cuidar de pessoas. Tentei validar meus documentos e ingressar no sistema de saúde no Brasil. Fiz curso de português, porque é preciso dominar o idioma. Eu até começaria a estudar novamente o que já sei se fosse preciso, mas a parte econômica não me permite. A escola é muito longe. Cheguei a me inscrever, mas as aulas vão até às 22h, não tem condução, eu teria que voltar de taxi, porque é perigoso. Então, por enquanto, não me é possível financeiramente, mas deve haver alguma forma que sirva para mim. Não vou desistir”, afirma Ysabel.

Informalidade e desemprego prevalecem entre mulheres – Sem rede de apoio e com oportunidades de desenvolvimento mais escassas, as mulheres, em especial as que possuem filhos e filhas, acabam permanecendo mais tempo nos abrigos, desempenhando papeis de cuidado. Ainda segundo pesquisa divulgada pelas agências da ONU, as mulheres representam 54% da população que permanece nos abrigos em Roraima, com taxas de desemprego chegando a quase 34% – contra 28% entre os homens.

“Percebemos que ainda é muito forte o papel da mulher como a cuidadora da família e da casa. Mesmo com maior escolaridade, a maioria das mulheres que conseguem participar da interiorização o faz pela modalidade de reunificação familiar, e não com vaga de emprego sinalizada. Isso reflete na dificuldade de integração socioeconômica dessas mulheres, com níveis mais altos de desemprego e de informalidade, tanto entre as abrigadas quanto entre as que conseguem ir para outros estados”, explica a gerente da ONU Mulheres para o programa conjunto Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil, Mariana Salvadori.

De acordo com os dados divulgados pelas agências em dezembro, enquanto o desemprego alcança 9% dos homens venezuelanos interiorizados, entre as mulheres este índice é de quase 30%. Já a informalidade laboral alcança o dobro de mulheres interiorizadas – 22% contra 11% dos homens ouvidos pela pesquisa.

Esses dados refletem em uma realidade diária em Roraima: homens que são interiorizados com vaga de emprego e que deixam as esposas com as crianças nos abrigos. É o caso de Johandry, de 28 anos. Há dois meses, o esposo conseguiu um emprego e foi para Curitiba (PR). Desempregada, ela segue aguardando pela interiorização, cuidando dos três filhos, sem perspectiva da data de partida. Atualmente, ela conta com doações e com empregos informais nas raras vezes que consegue alguém que cuide da filha menor, de quatro anos, enquanto os dois filhos maiores estão na escola.

“Na Venezuela, trabalhei por quatro anos, mas aqui, as pessoas dizem que, mesmo que se busque trabalhar com o mesmo que se trabalhava lá, não dá, é muita pouca vaga de emprego. O emprego que nós conseguimos é de faxina, que pagam por diária. Pagam R$ 40. Eu trabalhei em uma oportunidade, trabalhei aqui fazendo faxina e me pagavam R$ 30. Era um dia sim, um dia não, intercalado. Mas R$ 30 era muito pouco porque tinha que pagar para que cuidassem da minha filha, não era suficiente, e também não era com carteira assinada”, lembra Johandry.

Mobilização do setor privado – Para tentar mudar essa realidade, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), a ONU Mulheres e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o financiamento do Governo de Luxemburgo, iniciaram, em setembro de 2021, o programa conjunto Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil. O objetivo geral do programa, com duração até dezembro de 2023, é garantir que políticas e estratégias de empresas públicas, privadas e instituições fortaleçam os direitos econômicos e as oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes.

Uma das frente do programa conjunto é o trabalho direto com o setor privado, para que oportunidades para mulheres refugiadas e migrantes sejam criadas, sem deixar de lado a promoção do trabalho decente e da proteção social. Na outra ponta, a equipe do programa conjunto também tem atuado junto à Operação Acolhida pra que os processos seletivos de empregos indicados na interiorização também passem a incluir mais mulheres.

“Precisamos que o setor privado, que grandes e pequenas empresas que têm se mobilizado para a situação das pessoas venezuelanas no Brasil, também tenham em mente o bom nível de capacitação de milhares de mulheres que aguardam por uma oportunidade. Quando essas mulheres conseguem se integrar econômica e socialmente no Brasil, elas ajudam a movimentar a economia e beneficiam as comunidades onde estão inseridas”, ressalta a gerente do programa conjunto, Mariana Salvadori. “E também temos atuado junto a diferentes organizações que trabalham na resposta humanitária em Roraima para que estejam sensibilizadas para as demandas das mulheres, para que elas também possam ser vistas por suas competências nas vagas de emprego que são ofertadas”, completa.

Para ler o texto completo no site do ACNUR, clique aqui.

*Créditos da Imagem destacada:Fot o de Paola Bello – ONU Mulheres

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