Opinião

Fidel Castro, líder num tempo de guerras

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, 1/12/2016 – Entre os muitos líderes que fizeram história no século 20, Fidel Castro, falecido no dia 25 de novembro aos 90 anos, se destacou por levar Cuba a um protagonismo mundial inesperado para um pequeno país em uma era em que as armas eram chamadas para dirimir disputas nacionais e internacionais.

A Guerra Fria impunha opções políticas e suas consequências bélicas. Ao escolher o comunismo como seu caminho, em 1961, dois anos depois do triunfo da revolução, Cuba se converteu em um peão infiltrado no tabuleiro inimigo, com todos os riscos dessa posição ameaçadora e vulnerável.

Na América Latina, a opção generalizada pelo lado “ocidental e cristão” degenerou em ditaduras militares, quase todas anticomunistas e diretamente ligadas aos Estados Unidos, com algumas exceções, com a do governo progressista do general Juan Velasco Alvarado, no Peru (1968-1975).

Proliferaram, no lado oposto, as guerrilhas apoiadas ou mesmo promovidas por Cuba, como a incursão comandada por Ernesto Che Guevara na Bolívia (1966-1967). A derrota militar desses movimentos foi a regra, embora não absoluta. Houve o triunfo dos sandinistas na Nicarágua, em 1979, e na Colômbia o conflito se prolongou até este ano, quando foi assinado um acordo de paz com a maior dessas guerrilhas, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

A conflagração não se limitou a países latino-americanos. A guerra do Vietnã, com intervenção norte-americana de 1964 a 1975, sacudiu o mundo. O triunfo dos comunistas evitou que outro país se mantivesse dividido entre Norte e Sul, como ocorreu com a Coreia, ou entre Leste e Oeste, no caso da Alemanha.

Na África, a descolonização de alguns países custou rios de sangue. A Argélia, por exemplo, ficou independente da França em 1962 após uma guerra que deixou 1,5 milhão de mortos, segundo os argelinos, e pouco mais de um terço desse valor, segundo os franceses.

Nesse contexto, Castro liderou uma gestão que fez de Cuba um fenômeno de projeção e influência internacionais desproporcionais em relação ao país de menos de dez milhões de habitantes até 1980, e de 11,2 milhões atualmente.

Fomentou e treinou guerrilhas que desafiaram governos e forças armadas em vários países latino-americanos não apenas materialmente. Foi para muitos uma alternativa de comunismo mais autêntico, em contraposição ao soviético, considerado burocrático, baseado na repressão inclusive de outros povos e já sem combustível revolucionário.

A defesa do estímulo moral, a igualdade social, a prioridade absoluta à infância, os avanços em educação e saúde, e na solidariedade com os povos oprimidos ou golpeados por tragédias em qualquer parte do mundo, são componentes sedutores do comunismo à cubana, apesar de sua natureza ditatorial. Não era democracia, um valor não muito respeitado décadas atrás, nem mesmo pelos propagandistas da liberdade no Ocidente, que também disseminaram ou se associaram a ditaduras.

Os militares e médicos cubanos se multiplicaram em países africanos e latino-americanos, em campanhas de apoio e assistência, e inclusive, em algumas ocasiões, de ação protagonista. A ação externa de maior impacto ocorreu em Angola, onde a ajuda militar cubana foi decisiva para garantir a independência desse país africano, ao bloquear o avanço das forças sul-africanas, que chegaram muito perto de Luanda na tentativa de impedir o nascimento da nova nação, no dia 11 de novembro de 1975.

Durante décadas, militares cubanos estiveram naquele país capacitando colegas angolanos e reforçando a defesa nacional, bem como com médicos e professores que formaram uma nova geração de estudantes locais. A operação em Angola comprova que Cuba foi mais do que um simples peão da hoje extinta União Soviética.

No dia 17 de maio de 1977, aconteceu uma tentativa de golpe de Estado por uma fração do governante Movimento Popular de Libertação de Angola, liderada por Nito Alves. Leais ao então presidente Agostinho Neto, os cubanos ajudaram a frustrar o golpe e recuperaram para o governo a principal emissora de rádio do país, em Luanda, ocupada pelos rebeldes. Pôde-se ouvir uma voz cubana comunicando o sucesso da ação, pelo microfone da própria rádio.

Os soviéticos estavam ao lado dos golpistas, segundo os governantes angolanos daquela época. Diplomatas de Moscou foram expulsos do país, bem como militares vinculados ao Partido Comunista Português. Pior sorte tiveram os chamados “fracionistas”, acusados de participarem da rebelião, que foram fuzilados em uma quantidade até hoje ignorada.

Ultimamente, são milhares de médicos que divulgam uma imagem humana de Cuba na América Latina, depois de se fazerem presentes em muitos países africanos. Dezenas de milhares deles passaram pela Venezuela bolivariana. No Brasil, há mais de 11 mil médicos cubanos, distribuídos pelo interior do país desde 2013.

 Centenas de milhares de cubanos participaram, na noite do dia 29, na Praça da Revolução, em Havana, do grande ato oficial das honras fúnebres em homenagem a Fidel Castro, com participação de governantes de países de todos os continentes. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Centenas de milhares de cubanos participaram, na noite do dia 29, na Praça da Revolução, em Havana, do grande ato oficial das honras fúnebres em homenagem a Fidel Castro, com participação de governantes de países de todos os continentes. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

A revolução cubana e suas façanhas se confundem com a figura de Fidel Castro, cuja liderança era tão dominadora que provavelmente não necessitaria das regras de seu regime político para afirmar permanentemente seu poder e sua autoridade sobre todas as atividades em Cuba. “Para que eleições?”, costumavam perguntar muitos cubanos em forma de argumento, em resposta às frequentes críticas à duração excessiva do governo castrista, sem passar pelo crivo eleitoral.

A impressão é que sua liderança era excessiva, ultrapassava os limites da ilha. A capacidade de ação se refletia nas reuniões de trabalho feitas durante a madrugada, bem como em diálogos com visitantes. Seus discursos, que duravam muitas horas, ele levou ao exterior, quando visitou países governados por amigos, como o Chile presidido em 1971 pelo socialista Salvador Allende (1970-1973), e Angola, de Agostinho Neto, em 1977.

“Eles não têm um Fidel”, diziam os cubanos em Angola para criticar e justificar erros do governo local, lamentando a falta de um líder tão infalível como o seu no país cujo desenvolvimento tentavam apoiar. Como produto e sujeito de um tempo marcado pela Guerra Fria, Castro parece destinado à controvérsia, como figura histórica louvada por uns e condenada como déspota por outros. Mas seu legado político tende a se dissipar se o comunismo não se conciliar com a democracia. Envolverde/IPS