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Fim da tragédia grega?

Manifestantes celebram vitória do ‘não’ em referendo na Grécia. Foto: Makis Sinodinos/ Fotos Públicas
Manifestantes celebram vitória do ‘não’ em referendo na Grécia. Foto: Makis Sinodinos/ Fotos Públicas

Por Joaquín Roy*

Barcelona, Espanha, julho/2015 – O contundente resultado do referendo grego (61,31% contra 38,69%), realizado domingo, dia 5, abriu um novo capítulo, não somente no futuro da nação helênica, mas na própria essência da União Europeia (UE). O futuro do euro, paradoxalmente, pode se converter em tema secundário. A partir de agora será preciso virar a página de alguns capítulos da história europeia que se considerava como parte inalterável do roteiro.

Será preciso esquecer que em seu momento os anteriores governos gregos mentiram descaradamente para poder justificar financeiramente a entrada no euro. Será preciso perdoar o fato de as autoridades de Bruxelas terem olhado com pudores para o outro lado, porque o país que ainda usava a moeda mais antiga da humanidade e que fundara a mitificada democracia não havia ficado fora da festa inaugural do capítulo mais espetacular da integração.

Será preciso desconfiar pragmaticamente do sempiterno costume europeu de tentar um acordo no limite, para que ao final de uma cúpula não haja vencedores e vencidos: todos devem voltar para casa com um triunfo. Esta é uma batalha que ainda pode causar notável dano e baixas consideráveis.

Em primeiro lugar, embora as porcentagens da votação reflitam uma vitória evidente da rejeição diante das imposições da UE, a sociedade grega ficou perigosamente dividida pela alternativa apresentada pelo primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras. É de se prever que os problemas do povo grego em sua vida cotidiana não desaparecerão com o resultado do referendo.

Portanto, os que votaram aceitar as condições das instituições europeias e do Fundo Monetário Internacional (FMI) recriminarão os que apoiaram Tsipras por causa dos previsíveis danos que todos serão obrigados a suportar. Os ganhadores da contenda, que votaram pela rejeição, podem se sentir enganados ao verem que a situação econômica piora, ou não melhora ostensivamente.

A porcentagem reflete que os setores conservadores e de classe média seguiram a tese de aceitar as condições porque tinham algo. Por outro lado, a maioria que nada tem ou que perdeu quase tudo considerava que devia seguir a luta e desdenhar as pressões da UE.

Convém recordar, por exemplo, que a porcentagem do referendo é inclusive superior a dos resultados das recentes eleições, que em janeiro levaram ao poder o dirigente vencedor no plebiscito de agora.

Se não chegar um novo resgate ou uma redução espetacular da dívida, ao ser impotente para atender as demandas da população, o governo pode se ver obrigado a duas alternativas, uma pior que a outra.

Por um lado, pode ter de aceitar de maneira humilhante uma urgente ajuda humanitária da UE, tal com sugerido na última hora. Por outro, pode se mover pelo perigoso caminho de solicitar a proteção de interesses exteriores, como indicavam recentemente os movimentos em direção a Moscou.

Os dirigentes da UE podem ser obrigados a cumprir as ameaças feitas nas últimas horas da contenda. O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, pode se ver na situação incômoda de ter que apoiar com ações seus argumentos das últimas horas com relação ao castigo pelo abandono do euro. Daí que se tenha levantado velas e seguido decantado pelo caminho da negociação.

O dilema em que estarão os líderes que têm mais peso na UE também é preocupante. Como ficarão o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, se a mão dura de Berlim se impuser?

Ao contrário, como ficarão todos se agora se sopesar a negociação tradicional e o compromisso clássico?

Um prognóstico tradicional consiste em que os líderes de Bruxelas, apoiados pelo FMI, optarão pela negociação, já que não querem passar à história como atores de um enfrentamento de consequências imprevisíveis.

Ao primeiro-ministro grego não convém esticar mais a corda e, portanto, poderia apresentar uma oferta à UE que não possa ser rejeitada. Por sua parte, a chanceler alemã, Angela Merkel, e outros donos da dívida estratosférica sabem que a saída da Grécia da zona do euro garante a impossibilidade da cobrança.

À distância, os Estados Unidos já expressaram em todo esse processo uma preocupação por sua evolução. Aparte que uma convulsão econômica na Europa não convém a Washington, duas frentes são pivôs do interesse norte-americano em que o dano não se espalhe a outras dimensões cruciais.

A primeira é a ameaça da oscilação de uma Grécia à deriva para a tentação de um refúgio sob proteção da Rússia.

A segunda é o incômodo de ver uma UE dividida em sua liderança e com as asas financeiras danificadas em plenas negociações para a Associação Transatlântica de Comércio e Investimentos (TTIP).

Com líderes indecisos será muito difícil o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, exercer seu mandato de negociação concedido pelo Congresso para um acordo de livre comércio com a UE, com o resultado de que o projeto atrase até que haja um novo presidente.

Por fim, agora depende das decisões que forem tomadas em Bruxelas e outras capitais europeias não se danificar ainda mais a essência da União Europeia… e do euro, a joia da coroa, e a causa de todo este drama. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected]