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Geladeiras: o consumidor entrou numa fria

Por Clauber Leite e Rodolfo Gomes*

A proposta de revisão das regras do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE) das geladeiras e freezers colocada recentemente em consulta pública pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) mantém os aparelhos usados pelos brasileiros com níveis de eficiência muito inferiores aos verificados na maioria dos países.

A política de etiquetagem é essencial para o consumidor tanto dispor de equipamentos mais eficientes como para que possa diferenciar os produtos, bem como para a indústria estar sempre inovando e gerando empregos. A revisão da etiquetagem é essencial e necessária, o problema é como está sendo feita: se o novo sistema de classificação proposto pelo Inmetro for adotado, já vai nascer defasado. Para se ter uma ideia, em 2026 a nova classe A será um refrigerador que hoje já não poderia ser vendido na Índia, México e Quênia e, em 2025, provavelmente não poderá ser vendido em lugar nenhum do mundo que não seja o Brasil por seu baixo nível de eficiência energética.

Além disso, caso essa proposta seja implementada, o país poderá levar mais cinco anos para alcançar padrões que já são regra há anos nos países mais desenvolvidos — a um custo, para os brasileiros, da ordem de R$ 52 bilhões até 2030, segundo cálculos das ONGs CLASP e International Energy Initiative – IEI Brasil para a Rede Kigali. O número representa a perda que os consumidores terão com a conta de luz pelos próximos dez anos se comprarem refrigeradores ineficientes devido ao atraso na revisão das etiquetas para a regulação das Nações Unidas elaborada para países em desenvolvimento, chamada de United for Efficiency (U4E).


Para evitar essas perdas, o Inmetro precisa adotar, já a partir de 2022, os critérios do Energy Star de 2014, padrão internacional de consumo eficiente, para a faixa “A” da etiqueta e mantendo a classificação nas faixas de A a E, ao invés de subclasses da “A” como está propondo (A, A+, A++ e A+++). Em 2024 esse padrão seria harmonizado com o da U4E e os consumidores economizariam, em suas contas, R$ 42,4 bilhões até 2030.

Esse padrão garantiria a retomada do protagonismo, para o segmento de geladeiras em particular, do programa como indutor da eficiência energética do país – um mecanismo fundamental para se reduzir desperdícios, ainda mais tendo em vista as condições socioeconômicas da maioria da população brasileira e o alto custo da energia elétrica.

Esse protagonismo foi afetado pela preocupante demora para a atualização do programa: as regras que definem o que é uma geladeira eficiente hoje ainda são as mesmas desde 2006, enquanto a tecnologia do setor avançou significativamente no mundo afora. Essa demora lotou o mercado de refrigeradores com notas “A” que, na prática, são falsas. Isso engana o consumidor, que ao comprar o equipamento acredita estar levando pra casa o refrigerador mais eficiente disponível, sendo que dentro do próprio “A” pode-se encontrar geladeiras que consomem até metade da eletricidade dos mais comuns encontrados no mercado.

A falta de revisão da etiqueta também distorceu a boa política tributária do segmento. Desde 2009, as geladeiras que seriam mais eficientes (ou seja, que se enquadram na categoria “A” do PBE) têm redução do imposto de produtos industrializados (IPI), atualmente reduzido em 33%. Ou seja, a renúncia fiscal estava atrelada a um compromisso com a oferta de produtos eficientes no mercado brasileiro, o que não está acontecendo porque todo produto hoje vendido é “A”.

É inegável a importância, portanto, do trabalho do Inmetro em favor da revisão das regras de eficiência que balizam as geladeiras dos brasileiros. Mas é preciso aproveitá-la para literalmente tirá-los de uma fria: não podemos correr o risco de continuar com padrões distantes dos adotados no resto do mundo, que pressionam nossas contas de luz e nos deixam na lanterna global das geladeiras justamente num momento em que alta eficiência se tornou palavra de ordem para uma retomada econômica na medida necessária para os novos tempos.

* Clauber Leite é coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e Rodolfo Gomes é diretor-executivo do International Energy Initiative – Brasil (IEI-Brasil).

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