Ambiente

Governo estimula crimes ambientais na Mata Atlântica

Redação SOS Mata Atlântica – 

Despacho do Ministério do Meio Ambiente (MMA) desrespeita a Lei da Mata Atlântica e fragiliza a fiscalização de órgãos ambientais ao anistiar multas por desmatamento

Em meio ao estado de calamidade pública vivido pelo Brasil, quando as atenções estão voltadas aos esforços para cuidar da população e a sair da situação de pandemia causada pelo novo coronavírus, o Governo Bolsonaro continua estimulando crimes ambientais e o desrespeito à legislação para satisfazer e beneficiar interesses de setores e grupos específicos, instigados pelo próprio presidente da República que já disse: “acabar com as multas ambientais e tirar o Estado do cangote do produtor”.

No último dia 06, por meio do Despacho nº 4.410/2020 – do enfraquecido Ministério do Meio Ambiente (MMA) – o governo Bolsonaro recomendou aos órgãos ambientais (Ibama, ICMBio e Instituto de Pesquisas Jardim Botânico) que desconsiderem a Lei da Mata Atlântica (nº 11.428/2006) e apliquem regras mais brandas constantes do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) para áreas ditas consolidadas nas regiões de domínio da Mata Atlântica. Na prática, essas áreas são aquelas com atividades econômicas que exploravam terras antes de 2008. Com o despacho, não precisarão mais recuperar áreas consideradas irregulares e ilegais pela Lei da Mata Atlântica.

“É óbvio que estão se aproveitando deste momento para fazer as maldades que sempre quiseram, pois apenas 5% das multas ambientais são pagas de fato, não é esse o objetivo. O desrespeito à legislação ambiental é flagrante nesse governo de retrocessos e desmandos. Não vamos permitir danos à Mata Atlântica, casa de mais de 140 milhões de brasileiros. Temos denunciado que continuam tirando o verde da nossa Terra e contra atos criminosos como esse temos que agir”, afirma Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.

A organização está tomando diversas medidas contra essa decisão e trabalhando em parceria com a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA), que já sugeriu aos Ministérios Públicos dos 17 estados do bioma e Ministério Público Federal medidas de respeito e aplicação da Lei da Mata Atlântica.

Ferir o meio ambiente é agredir a população e as atividades econômicas

Dados do Atlas da Mata Atlântica, elaborado pela Fundação em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), apontam que entre 1995 e 2008 – que contempla o período estabelecido pelo despacho – mais de 720 mil hectares foram desmatados na Mata Atlântica. Nem todas essas áreas são consideradas consolidadas, mas é possível imaginar a dimensão desta flexibilização do governo.

O despacho de Salles é baseado no parecer nº 115/2019, da Advocacia Geral da União (AGU), elaborado a pedido da Federação de Agricultura do Estado do Paraná (FAEP) e da Confederação Nacional de Agricultura (CNA) ao Ministério de Agricultura. Com este parecer, proprietários rurais também poderão solicitar o cancelamento de multas.

Nos anos de 2018 e 2019, a Operação Mata Atlântica em Pé, realizada pelo Ministério Público com coordenação nacional de sua sede do Paraná, fiscalizou mais de 1.000 imóveis com suspeitas de crimes ambientais contra a Mata Atlântica, usando também dados do Atlas da Mata Atlântica. Foi confirmado o desmatamento de mais de 10 mil hectares de floresta no bioma com a aplicação de mais de R$ 45 milhões em multas. Além disso, diversos termos de ajuste de conduta foram firmados com proprietários rurais para que a informação possa fazê-los entender como a floresta vale mais em pé do que derrubada.

“Esse novo entendimento do Ministério do Meio Ambiente sobre o tema faz negar indevidamente a vigência da Lei da Mata Atlântica, desvirtua a ordem jurídica, e implica em gravíssimos prejuízos socioambientais”, afirma Alexandre Gaio, promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná.

Especialmente protegida pela Constituição Federal e declarada Patrimônio Nacional, a Mata Atlântica é o único bioma brasileiro cuja proteção dos remanescentes florestais e usos são regulamentados por uma lei específica. Considerada uma importante conquista da sociedade, a Lei da Mata Atlântica vem sendo aplicada e implementada nos 17 estados e em 3.429 municípios, com base no mapa de sua aplicação, beneficiando mais de 145 milhões de pessoas com serviços ambientais, como a regulação do clima, a proteção da água, da biodiversidade, saúde e bem-estar à população, dentre outros benefícios diretos e indiretos.

Apesar da importância estratégica para a população, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (sem partido), desconsidera a sua responsabilidade de defender os patrimônios naturais do Brasil e todo o acúmulo de pareceres e notas técnicas da sua pasta e acolhe integralmente em despacho o novo parecer da Casa Civil em desrespeito à Lei da Mata Atlântica.

Vale lembrar que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) também recebeu, no fim de 2019, autorização de Bolsonaro para uso da terra pela agricultura em áreas consideradas consolidadas pelo novo Código Florestal a partir de 2008.

É importante destacar para setores empresariais, como a CNA, que suas atividades econômicas não conseguirão subsistir sem a proteção da Mata Atlântica. Sem esse bioma não há água e solo fértil para produzir. Dentre outros serviços, como a segurança climática e a relação do bioma com a saúde física e mental da população. São tantos serviços ambientais e ecossistêmicos que a Mata presta que a população não tem ideia. O despacho do Ministério do Meio Ambiente, além de ser frágil do ponto de vista legal jurídico, é uma grave ameaça à Lei da Mata Atlântica, descredibiliza e enfraquece os órgãos aplicadores da Lei, gera insegurança jurídica e, mais uma vez, premia os desonestos.

“A Lei da Mata Atlântica é uma conquista da sociedade e assim precisa permanecer. Continuam tirando o verde da nossa terra e contra isso que precisamos lutar. Proteger o meio ambiente é cuidar de vidas e, neste momento, precisamos disso ainda mais. Qualquer ato que não privilegie essa lógica é irresponsável”, finaliza Mantovani.

Crédito: Fundação SOS Mata Atlântica