Ideias para São Paulo

Resolver São Paulo não é fácil. Essa foi a frase mais dita pelas fontes entrevistadas para este site. Em 2010, a cidade atingiu picos de 250 km de congestionamento, teve o janeiro mais chuvoso da história e as mortes de vítimas das chuvas aumentaram 350% em relação ao ano passado. Conhecemos bem os problemas do modelo urbano da cidade, como trânsito, poluição, lixo e impermeabilização do solo, e sabemos como é difícil solucioná-los. Mas algumas cidades encontraram formas criativas de lidar com esses problemas. São Paulo tem muito a aprender com elas.

Lixo

A cidade de Zurique, na Suíça, é referência no descarte e reciclagem de lixo. Todos os bairros possuem um centro de gestão de resíduos que recebe lixo reciclável da população. O lixo deve estar separado corretamente, senão não é aceito. Os resíduos orgânicos e não recicláveis são acondicionados em sacos oficiais da prefeitura, que custam em torno de R$ 9. O preço inibe o desperdício e incentiva a reutilização e a reciclagem. Todas as residências pagam, por ano, uma taxa equivalente a R$ 130 para manter essa infraestrutura funcionando. O lixo coletado é incinerado e gera 70% do aquecimento da cidade. Em 2007, a cidade com 370 mil habitantes reciclou 53 mil toneladas de lixo – São Paulo, que tem 11 milhões de pessoas, recicla 68 mil toneladas por ano.

O que podemos aprender com isso

São Paulo é deficiente no descarte, na coleta e no fim que dá ao lixo. Apenas 6% da coleta oficial daqui leva lixo reciclável para as cooperativas, os outros 93% vão direto para o aterro sanitário. Zurique achou um bom jeito de incentivar o descarte correto de lixo, mexendo no bolso da população. O poder público partiu do princípio de que cada um é responsável pelo lixo que gera e, portanto, por entregar os residuos recicláveis nos centros de coleta. Em São Paulo, começou-se a gerar energia a partir do lixo, como em Zurique, com as usinas de metano da Biogás, mas ela só alimenta 7% da cidade com energia elétrica.

Trânsito

A capital da Inglaterra adotou o sistema de pedágio urbano em 2003. Para circular pelo centro da cidade entre 7h e 18h é preciso comprar um crédito de 8 libras (R$ 35). O sistema funciona por meio de câmeras instaladas pela cidade que monitoram as placas dos carros. No primeiro ano em que o pedágio foi adotado, o trânsito de Londres diminuiu 30%. Desde que foi implantado, o pedágio retirou das ruas algo como 80 mil veículos por dia. Os ônibus passaram a transportar 20% mais passageiros. Hoje discute-se cobrar mais caro dos veículos poluentes (especulam algo como 25 libras, ou R$ 85). Residentes da área onde o pedágio está em vigor também pagam a taxa, mas têm um desconto de 90%. Algumas cidades holandesas estão levando a prática londrina um passo além.

O Ministério dos Transportes do país anunciou que, até 2012, todos os carros do país terão que ser equipados com um aparelho de GPS que controla a quilometragem rodada e, com base nisso, vai taxar a circulação do veículo. Assim, quem utilizar transporte particular no país vai pagar, não para acessar uma área específica, mas pelo número de quilômetros que percorrer. A tarifa será de 3 centavos de euro por quilômetro, com previsão de reajuste gradual até chegar a 6,7 centavos em 2017. Os valores poderão variar de acordo com o horário e o volume de trânsito e os carros que emitirem menos gases de efeito estufa terão descontos. A ideia dessa medida é cobrar do usuário do carro não só pelo uso dele, mas pelos danos à infraestrutura e à saúde pública.

Além da solução interessante para o trânsito, Londres foi uma das cidades pioneiras no mundo a se preparar para as mudanças climáticas. Em 2007, a cidade publicou uma “Estratégia de Adaptação” detalhadíssima, na qual estabelece como prioridades modificar a maneira como faz seu planejamento urbano, melhorar seus sistemas de drenagem, usar água com mais eficiência, preparar-se para ondas de calor e aumento na poluição e preparar a população inteira para saber o que fazer.

O que podemos aprender com isso

Quando o assunto é mobilidade urbana, as prioridades da cidade de São Paulo são diminuir o trânsito, melhorar a qualidade do ar e adquirir verba para investir em transporte público. O pedágio urbano parece inevitável para que isso seja possível. O problema é que ele criaria uma demanda imediata por mais transporte público e poderia sobrecarregar o sistema. Por esse motivo, ele teria que ser acompanhado de uma política de habitação que permitisse que as pessoas morassem mais perto de onde trabalham ou de onde estudam. A estratégia de adaptação da cidade e a forma como ela foi debatida com a sociedade também pode servir de inspiração para São Paulo.

Engajamento cívico

A cidade de Bogotá, capital da Colômbia, sofreu uma verdadeira revolução ao longo de dez anos e se tornou referência na América Latina em termos de mobilidade e qualidade de vida.  Em 1998, o prefeito Enrique Peñalosa foi eleito e colocou em prática uma política que tinha como principal objetivo desestimular o uso de transporte particular. Logo no primeiro ano do mandato, ele construiu 200 quilômetros de ciclovias, proibiu o estacionamento de carros nas ruas, aumentou as calçadas das principais avenidas do centro da cidade e entregou a primeira linha do Transmilênio – ônibus articulado inspirado nos de Curitiba, que circula em vias exclusivas e tem o acesso de passageiros feito através de plataformas elevadas. Hoje, 95% da cidade é atendida pelo Transmilênio e as ciclovias totalizam 360 km (São Paulo, que é muito maior, tem 35). Aos domingos, as principais avenidas da cidade são fechadas para uso exclusivo de ciclistas, patinadores, skatistas e pedestres. São 120 km que ligam o Norte ao Sul da cidade. Diferente da ciclofaixa dominical de São Paulo, em Bogotá toda a avenida é fechada e o percurso passa por 12 parques, onde há atividades de recreação gratuitas (Paris tem um projeto parecido, e Nova York faz o mesmo nos sábados do verão). Em 1998, 70% das viagens diárias de Bogotá eram feitas de carro. Hoje esse número caiu para 23%. A maioria das viagens, 70%, é feita de Transmilêno, e 4% de bicicleta. Outras 3% são feitas a pé.

O que podemos aprender com isso

O modelo de Bogotá foi muito inspirado no planejamento urbano de Curitiba, no Paraná. As duas cidades tiveram o sistema de transporte público como elemento estruturante da política urbana: onde há mais linhas de transporte público, há mais gente morando. Os eixos de transporte definiram onde a cidade podia se adensar, se verticalizar. A grande diferença entre os dois modelos é que Bogotá priorizou, ao lado do transporte público, o trânsito de bicicletas na cidade. A capital colombiana também serve de exemplo porque teve uma personalidade política que “vestiu a camisa” do planejamento urbano. A cidade virou uma referência na América Latina em desenvolvimento, o que enche os bogotanos de orgulho e estimula o engajamento.

Impermeabilização do solo

Na capital da Coreia do Sul, há um rio que corta quase toda a cidade de Leste a Oeste, o Cheong Gye Cheon. No final da década de 1950, com o excesso de moradores, uma favela ocupando grande parte de seu curso e uma rede de esgotos ineficiente, o Rio começou a ser canalizado e coberto por asfalto. No final da década de 1970, o Rio já tinha tido toda sua extensão coberta, a favela foi removida para a construção de grandes centros comerciais e condomínios de luxo e uma via expressa elevada foi construída no local. Entre as décadas de 1970 e 1990, a via expressa foi valorizada como um símbolo nacional de poder e desenvolvimento da cidade. Mas, nos anos 2000, um projeto de revitalização da área foi aprovado e começaram os estudos para demolir a via expressa e trazer o Rio de volta à superfície. O projeto tinha como objetivos melhorar a saúde das pessoas que moravam e trabalhavam no entorno da área e eram prejudicadas pelo excesso de poluição, regular as ilhas de calor da cidade, criar uma área de lazer e convivência nas margens do rio para a população, e recuperar a cultura da cidade trazendo à tona um Rio tão importante em sua história. Para revitalizar a área, a prefeitura demoliu cerca de 600 mil toneladas de concreto e asfalto, criou um parque público de quase seis quilômetros de extensão, despoluiu o canal e criou um plano de paisagismo. O projeto levou dois anos para ficar pronto, no início de 2010, e consumiu mais de US$ 280 milhões. O concreto demolido foi reciclado e usado em outras obras públicas.

O que podemos aprender com isso

A maioria dos rios e córregos de São Paulo passou pelo mesmo processo do Cheong Gye Cheon. Este é um exemplo de que o processo pode ser revertido e alguns dos rios podem voltar à superfície. A medida regularia a temperatura da cidade e criaria locais de convivência agradáveis para a população. Além disso, se mais rios fossem abertos pela cidade, eles também regulariam a força com que a água da chuva chega aos fundos de vale, formando as enchentes. Esta é uma das medidas que poderia amenizar esse problema.

Logística de alimentos

A cidade de Nova York recebe alimentos frescos de diversas outras cidades e países. A comida chega a viajar três mil quilômetros para chegar até as mesas novaiorquinas. Isso porque a cidade praticamente não tem espaço para plantação local, e se parasse de receber alimentos frescos, as reservas se esgotariam em dois dias. Para reverter os impactos das emissões de gases de efeito estufa gerados no transporte da comida, a prefeitura passou a financiar iniciativas de agricultura urbana, garantindo que os produtos gerados na própria cidade pudessem ter preços competitivos. A The Science Barge é uma das empresas que cria projetos de agricultura hidropônica para implantar em áreas centrais da cidade e nas casas das pessoas. Esse tipo de plantio é diferente do convencional, pois não utiliza terra. As plantas são cultivadas em substratos como fibra de coco, lã de rocha e algodão e alimentadas com água pura, longe de micro-organismos e metais pesados, o que produz plantas mais saudáveis e resistentes a pragas. A Science Barge cria projetos que utilizam água captada das chuvas e, na maioria das vezes, podem ser instalados no telhado das casas.

O que podemos aprender com isso

Em São Paulo temos o mesmo problema: necessidade de importar alimentos que não podem ser cultivados aqui. Este site contém um infográfico mostrando os danos ambientais causados pelo transporte de alimentos para abastecer a cidade de São Paulo. Para neutralizar as emissões de CO2 mensais geradas pelo transporte de alimentos por aqui, seriam necessárias 112.120 árvores.

Recuperação do centro

Melbourne conseguiu transformar sua lógica e mudar a cara da cidade com algumas medidas simples, sugeridas pelo urbanista dinamarquês Jan Gehl. Até a década de 1990, o município australiano tinha problemas típicos de grandes cidades, como o excesso de trânsito, de poluição e o centro degradado. Em 1992, Gehl foi convidado para propor ideias que melhorassem os espaços públicos da cidade e ajudassem a possibilitar a recuperação do centro. As ideias deram tão certo que ele voltou em 2005 para ver o resultado e fazer novos apontamentos. O urbanista propôs intervenções como a proibição do trânsito de carros particulares das 7h às 19h na região central da cidade (nesse horário, só é possível se locomover pela região a pé, de bicicleta, de bonde, ônibus, trem ou táxi), aumento da largura das calçadas para 3,5 metros, plantio de árvores pelo passeio e a criação de mais parques públicos. Os quarteirões do centro mediam, em média, 200 m x 100 m. Gehl acreditava que eram distâncias muito longas e propôs a criação de arcos que passassem pelo meio desses blocos, abrindo passagem para o trânsito de pessoas. Essa medida, segundo ele, cria um ambiente de descoberta da cidade nessas pequenas vielas, que reservam casas de comércio, cafés e restaurantes. Algumas das ruas do centro também foram transformadas em pequenas vilas, onde nenhum veículo motorizado é autorizado. Com o aumento das calçadas e a proibição de carros, os restaurantes e cafés puderam colocar mais mesas do lado de fora dos estabelecimentos, criando ambientes ao ar livre mais agradáveis para seus consumidores. A cidade ganhou centros de lazer curiosos, como tabuleiros gigantes de xadrez com as peças no chão que qualquer um pode jogar. Todas essas medidas fizeram com que a população do centro aumentasse em 83%. O número de pedestres circulando na região aumentou 39% durante a semana e 98% aos fins de semana. Os cafés da cidade também tiveram um crescimento impressionante: hoje existem 177% mais cafés do que antes das propostas de Gehl.

O que podemos aprender com isso

A principal lição de Melbourne é que é possível recuperar o centro e que isso diminuiria muito os deslocamentos na cidade. Mas o município australiano também é modelo por propor mudanças que garantam não só que o centro seja novamente habitado, mas que a experiência de morar na cidade seja agradável e divertida. Iniciativas simples, como o tabuleiro de xadrez  ou pequenas intervenções de arte ao longo das vielas, estão espalhadas para serem descobertas por quem circula pela cidade. Em outras palavras, a proposta de Gehl ia além de garantir infraestrutura para que as pessoas circulassem mais a pé. Ele fez com que a cidade convidasse seus habitantes a fazerem isso.

*Publicado originalmente no site Isso Não é Normal.