Sociedade

Ignorância sobre câncer de mama custa vidas nas Ilhas Salomão

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A organização não governamental de mulheres Vois Blong Mere (Voz de Mulheres) em plena campanha pelos direitos das mulheres nas Ilhas Salomão. Foto: Catherine Wilson/IPS

 

Sydney, Austrália, 30/1/2015 – Agora as mulheres terão melhores possibilidades de sobreviver ao câncer de mama nas Ilhas Salomão, pois este Estado insular em desenvolvimento do sudoeste do Oceano Pacífico adquiriu há pouco o primeiro aparelho para realizar mamografia.

Quando se aproxima o Dia Mundial de Luta Contra o Câncer, no dia 4 de fevereiro, muitos especialistas destacam que os benefícios de dispor de tecnologia médica avançada, em um país onde morrem 59% das mulheres diagnosticadas com a doença, dependem de melhorar a grave falta de informação que caracteriza as Ilhas Salomão.

“O câncer de mama é um problema de saúde que preocupa as mulheres das Ilhas Salomão e, no entanto, não se dá prioridade à geração de consciência adequada entre elas”, lamentou à IPS Bernadette Usua, da organização não governamental Vois Blong Mere (Voz de Mulheres), com sede na capital Honiara.

Rachel, de 24 anos, que vivia em um povoado com seus dois filhos, um de três e outro de cinco anos, não sabia o que era câncer de mama quando detectou um nódulo em um de seus seios em agosto de 2013. Vários meses depois, o nódulo cresceu e ela teve que ir até Honiara para uma consulta médica.

“Dirigiu-se ao hospital central, onde a aconselharam a retirar a mama esquerda, mas por falta de conhecimento dela e do marido sobre a doença, ambos ficaram com medo da cirurgia”, contou Usua, prima de Rachel. “Então, simplesmente abandonaram o hospital sem medicamento nem assistência e voltaram para casa”, continuou.

Rachel usou medicina tradicional em seu povoado, mas o câncer e a dor ficaram mais agressivos. Usua recorda ver sua prima em julho do ano passado. “Ficava sentada na cama o dia todo, com uma dor insuportável, sem poder deitar nem dormir. Mas foi valente porque se alimentava, se lavava e cozinhava para os filhos. Chorou e rezou até que faleceu em setembro”, acrescentou.

O câncer de mama é um dos mais comuns entre as mulheres de todo o mundo. Nas Ilhas Salomão, com 609.680 habitantes, representou 92% dos mais de 200 casos diagnosticados em mulheres em 2012, mas sua incidência aumenta com rapidez nos países do Sul em desenvolvimento, onde são detectados 50% dos casos e ocorrem 58% dos falecimentos.

A baixa taxa de sobrevivência, de aproximadamente 40% nos países de baixa renda, comparado com mais de 80% na América do Norte, se deve principalmente à detecção tardia da doença e aos limitados diagnósticos e tratamentos oferecidos nos centros de saúde, carentes de recursos.

Os Anais de Saúde Global revelaram, em 2014, que dos 281 casos de câncer diagnosticados, em 2012, em mulheres nas Ilhas Salomão, 165 não sobreviverem, enquanto em Papua Nova Guiné, dos 4.457 casos, morreram 2.889, e em Fiji 418 dos 795. A falta de informação pública sobre a enfermidade é um problema em toda a região.

“A educação em saúde pública se concentra atualmente em doenças não transmissíveis (ENT) em geral”, disse Sylvia Defensor, radiologista do Ministério de Saúde e Serviços Médicos de Fiji, com 800 mil habitantes. “O câncer está na lista de ENT, mas são destinados poucos recursos e atenção específicos para as mulheres e para conscientizar sobre o câncer de mama”, ressaltou.

Nas Ilhas Salomão, as mamografias serão gratuitas para todas as mulheres, que representam cerca de 49% dos mais de 550 mil habitantes. Isso começará a vigorar a partir da instalação do mamógrafo, financiado pela Organização Benemérita da Primeira Dama, no Hospital Nacional de Referência, em Honiara.

Douglas Pikacha, cirurgião-geral do hospital, explicou que as mamografias são fundamentais para a detecção precoce do câncer e para salvar a vida das pacientes mediante um tratamento em tempo, seja uma cirurgia ou quimioterapia.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a mamografia é a forma mais efetiva para detectar o câncer de mama. A evidência mostra que reduz a mortalidade em 20%, especialmente em mulheres com idades entre 50 e 70 anos.

Para Josephine Teakeni, presidente da Vois Blong Mere, a preocupação é o destino de muitas mulheres que moram longe dos centros de saúde nesse país com mais de 80% da população distribuída em zonas rurais e em 900 ilhas. Cerca de 73% dos médicos e especialistas do país trabalham no Hospital Nacional de Referência.

Teakeni afirmou que é urgente contar com mamógrafos e possibilidades de diagnóstico nos hospitais provinciais para reduzir a mortalidade. A maioria das pacientes tem de se deslocar cerca de 240 quilômetros para chegar ao Hospital Nacional, em geral de balsa ou em lanchas a motor, devido aos preços proibitivos dos voos internos.

Também há uma escassez crítica de pessoal da área da saúde no país, com 0,21 médico para cada mil pessoas. Teakeni destacou que, “enquanto se espera a cirurgia, a doença pode avançar e até causar a morte”.

Há outro desafio: quase metade das pacientes com câncer de mama rejeita a mastectomia, que implica na remoção parcial ou total das mamas, embora isso possa significar sua salvação, diz um informe do Ministério da Saúde. “Muitas preferem tratamentos tradicionais à mastectomia, por acreditarem que é mais feminino ter os dois seios”, explicou Pikacha.

O alto risco de morrer de câncer é outro fator que impacta na desigualdade de gênero nos Estados insulares do Pacífico, onde os arraigados costumes culturais e a generalizada violência de gênero, que sofrem 64% das mulheres e meninas, atenta contra a melhoria de seu status social e econômico.

Teakeni acredita que é prioritário melhorar de forma drástica “a consciência entre as mulheres sobre os sintomas e sinais do câncer de mama e até do que elas mesmas podem fazer, como o autoexame em busca de nódulos durante o banho”, bem como sobre a importância e o impacto do tratamento médico. De todo modo, o novo mamógrafo oferece às mulheres de Ilhas Salomão um motivo, por pequeno que seja, para comemorar. Envolverde/IPS