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A ignorada faceta produtiva da cannabis

Folha de Cannabis sativa. Foto: CC BY-SA 3.0
Folha de Cannabis sativa. Foto: CC BY-SA 3.0

 

Cidade do México, México, 13/8/2013 – O cultivo de cânhamo (Cannabis sativa), do qual se obtém o haxixe e a maconha, pode ser uma opção para uso medicinal, alimentar e industrial, como o têxtil, que atrairia importantes investimentos e desenvolvimento no México, se for legalizado e regulamentado seu cultivo e sua comercialização, afirmam especialistas.

“É uma alternativa de grande produção agrícola, pois cresce de todos os lados e os usos atuais e potenciais representam uma oportunidade inegável e muito atraente para o desenvolvimento econômico”, disse à IPS o cineasta e fotógrafo Julio Zenil, um dos promotores mais ativos no México a favor da regulamentação da maconha, conhecida popularmente como “mota”.

Zenil, que no final da década passada importou roupa feita com tecido elaborado a partir do cânhamo, escreveu junto com Jorge Hernández e Leopoldo Rivera o livro La Mota. Compêndio Atualizado da Maconha no México, que, segundo seus autores, trata de “desmistificar uma planta cujo problema principal é a histeria e manipulação midiática que ocorre diante de sua presença em nossa sociedade”.

Esta planta, presente em quase todo o mundo, cresce em cerca de um ano e pode alcançar sete metros de altura, sem necessidade de agroquímicos e com capacidade de capturar grandes volumes de carbono. A casca do talo desenvolve muitas fibras, e uma pequeníssima quantidade de resina. Também se esclarece que o talo não é psicoativo e a fibra é mais longa, mais forte, mais absorvente e mais isolante do que o algodão. Seus usos incluem alimento, forragem, cosméticos, óleos, têxteis, papel, cordas e biocombustíveis. Quanto à sua semente, afirma-se ser muito nutritiva, contendo grande quantidade de ácidos graxos, rica em vitaminas e é uma boa fonte de fibra dietética.

O esquema andidrogas mexicano está cheio de contradições. A Lei Geral de Saúde permite no México a posse de cinco gramas dessa erva para consumo pessoal, mas sua produção distribuição e venda estão proibidas. A legislação do México também impede toda atividade ligada à produção e transformação do cânhamo industrial, embora acordos que mantém com outros países, como o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, vigente desde 1994 com Canadá e Estados Unidos, e o assinado com a União Europeia, permitam o intercâmbio de vários de seus derivados.

A Convenção Única de 1961 sobre Entorpecentes, a Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988, e o Convênio sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, não restringem a produção de cânhamo industrial, mas censuram a plantação, produção e o comércio da cannabis como droga. Alguns países também a vetam ao confundi-la com a maconha, que é processada da planta feminina da cannabis.

O cultivo “tem um lado econômico ao qual se deve dar atenção. Temos que ver como fazer a regulação”, disse à IPS o economista Pedro Aspe, que foi ministro da Fazenda do governo de Carlos Salinas de Gortari (1988-1994). O uso do cânhamo remonta há oito mil anos na antiga China, onde era usado para produzir papel, embora também haja sinais de sua existência em outras partes do mundo. Os conquistadores espanhóis introduziram a planta no século 16 e, 200 anos depois, impulsionaram sua plantação como fonte de matéria-prima.

Em 1920, o governo mexicano aplicou a primeira censura ao cultivo e comércio da maconha, antes incluso na Lei do Imposto sobre Maconha dos Estados Unidos, que marcou o início da proibição dessa variedade de cânhamo. A plantação ilegal de maconha se concentra em Estados do oeste e sul do México, produção destinada ao lucrativo mercado norte-americano. O cânhamo é um dos mais versáteis e fortes produtos agrícolas e é usado em mais de 2.500 produtos e subprodutos.

A empresa The Latin America Hemp Trading e a campanha para o Ano Internacional das Fibras Naturais mediram, em 2009, o mercado mundial de cânhamo para fibra em mais de 90 mil toneladas anuais, das quais a China é responsável por 50%, a União Europeia por 25%, e o restante é dividido entre Canadá, Chile, Coreia do Sul e Austrália, entre outros.

O ótimo rendimento da fibra de cânhamo passa das duas toneladas por hectare, enquanto a média é de 650 quilos. Porém, o rendimento médio da semente fica em uma tonelada por hectare, segundo dados revelados para o Ano Internacional das Fibras Naturais, promovido em 2009 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). No México se tolera a importação de sementes, cânhamo bruto, fios e fibra para a elaboração de cordas.

Desde 2007, foram apresentadas pelo menos oito iniciativas no Congresso mexicano e em parlamentos estaduais para despenalizar a maconha, das quais ao menos três falam em aproveitamento industrial da variedade. Essas iniciativas concordam que permitir e regular o cultivo legal do cânhamo seria uma opção de desenvolvimento para milhares de produtores rurais e estimularia a incursão em novas indústrias, como papel, têxteis, alimentos, médicas, cosméticas ou construção, entre outras possíveis.

Caso o México permita a plantação de maconha, um dos interessados em investir em sua produção rapidamente é o empresário agrícola Guillermo Torreslanda. “Temos que ter legislação. Se poderia ir copiando o que foi feito em outros lugares e adequar às nossas condições. Se poderia pensar em esquemas de produção, com apoio agrícola e financiamento”, disse o empresário à IPS. Torreslanda sugere esquemas de produção e distribuição separados, para que não haja monopólios e se alimente a competição.

“O caso do México é paradoxal. O comércio de produtos de cânhamo é completamente regular, mas, como é legalmente impossível semear ou obter algum benefício da planta, também é impossível criar uma indústria normal do cânhamo”, pontuou Zenil. “Em outras partes isto é um autêntico programa de substituição de importações, e estão conseguindo”, destacou Aspe. Envolverde/IPS