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É urgente um sistema integrado de transporte urbano no Brasil

Os corredores de ônibus, como o instalado na zona oeste do Rio de Janeiro, têm baixo custo comparativo e fácil implantação. Foto: ITDP/Leonardo Miguel Silva Martins
Os corredores de ônibus, como o instalado na zona oeste do Rio de Janeiro, têm baixo custo comparativo e fácil implantação. Foto: ITDP/Leonardo Miguel Silva Martins

 

Rio de Janeiro, Brasil, 5/7/2013 – Corredores para ônibus, ciclovias e áreas para pedestres são soluções factíveis para enfrentar o colapso do transporte nas grandes cidades do Brasil. Porém, interesses econômicos, burocracia e falta de estratégias para um sistema integrado retardam um processo que agora os protestos tornam urgente. “O tráfego é terrível no Rio de Janeiro, e a bicicleta é mais rápida e, além disso, faço exercício”, disse à IPS a produtora cinematográfica Miriam Gerber, que utiliza este veículo para ir e voltar do trabalho, fazer compras ou apenas passear.

No entanto, o trânsito e a insuficiência de ciclovias acabam muitas vezes convertendo o agradável em um inferno. “O trânsito é horrível. Os carros andam muito juntos e não param quando veem um ciclista. Muitas pessoas se acidentam porque os veículos vão para cima delas. Como o corpo é o para-choque, não dá…”, reclamou Gerber.

A política de transporte urbano no Brasil, hoje com mais de 198 milhões de habitantes, priorizou, desde a década de 1960, o uso do automóvel, construindo mais vias urbanas e tirando espaço de pedestres e ciclistas. Recentes isenções de impostos para estimular a venda de carros tiveram um efeito positivo no crescimento econômico, tanto pela renda quanto pela geração de empregos.

Ao mesmo tempo, criou-se um fantasma imprevisto: um aumento vertiginoso do parque automotivo. A quantidade de automóveis nas 12 regiões metropolitanas brasileiras aumentou mais de 8,9 milhões entre 2001 e 2011, segundo o Observatório de Metrópoles. Em média, foram incorporados 890 mil veículos por ano nas cidades, enquanto a população cresceu pouco mais de 11%.

“Em um colapso como o que já sofremos, as cidades perdem muito em termos econômicos, produtivos, ambientais e sociais”, disse à IPS a diretora do Instituto de Políticas para o Transporte e o Desenvolvimento (IPTD), Clarisse Linke. “O transporte é um eixo importantíssimo para fazer das cidades espaços socialmente justos e equitativos. Toda esta onda de manifestações começou precisamente pela discussão sobre transporte e justiça social. Nosso país cresce economicamente, mas nossas cidades são cada vez mais injustas”, pontuou.

A presidente Dilma Rousseff anunciou, no ano passado, que priorizará o transporte coletivo para grandes cidades, com investimento conjunto com os governos estaduais e municipais de US$ 16 bilhões. O plano contemplava 600 quilômetros de vias, 200 quilômetros de ferrovias, 381 estações e terminais, e a compra de veículos para sistemas sobre trilhos. Também em 2012 foi aprovada uma lei sobre mobilidade urbana com diretrizes de sustentabilidade e de democratização dos espaços públicos.

A lei, que prioriza o transporte coletivo, estabelece que todas as cidades com mais de 20 mil habitantes precisam elaborar um plano até 2015. Porém, poucas começaram a se organizar. “O problema está enraizado no Brasil, como em outros países latino-americanos: corrupção, máquina burocrática que retarda os processos, falta de clareza e visão sobre o papel da mobilidade para o futuro das cidades”, explicou Linke.

Orlando dos Santos Júnior, especialista em planejamento urbano do Observatório de Metrópoles, acrescentou outras razões em entrevista à IPS. Por exemplo, no Rio de Janeiro, com 6,3 milhões de habitantes, “se constrói grandes sistemas que não consideram a integração com sua área metropolitana. Claro que teremos efeitos perversos, pois é um plano equivocado e irracional que desperdiça dinheiro público, refletindo a subordinação do governo municipal aos grandes interesses econômicos.

O IPTD considera importante investir em corredores rápidos de ônibus, que têm baixo custo comparativo e rápida implantação. A cidade de Curitiba foi pioneira neste sistema, que combina estações de qualidade, transporte de nível e veículos de alta capacidade. Limpos e confortáveis, os passageiros pagam antes de embarcar, reduzindo o tempo de espera entre cada saída, destacou Linke.

Cerca de 20 cidades brasileiras têm planos de construir esses corredores. São Paulo tem seu Expresso Tiradentes, Belo Horizonte está construindo dois, Rio de Janeiro inaugurou o primeiro em 2012 e mais três estão em processo. Porém, as prioridades da população não foram atendidas, afirmou Santos. “Vemos as grandes cidades se preparando para receber o Mundial de 2014 e as Olimpíadas de 2016”, observou.

O IPTD também defende a necessidade de integração de grandes sistemas de transporte, como metrô e de longa distância, junto a corredores rápidos, o estímulo ao uso de bicicletas e até de andar a pé. Zé Lobo, presidente da organização não governamental Transporte Ativo, destacou que as bicicletas são uma solução imediata para os problemas de transporte em distâncias até cinco ou sete quilômetros. “Quanto mais as usarmos mais rápido o poder público terá de implantar infraestrutura para bicicletas”, disse à IPS.

Lobo acrescentou que “o grande problema ainda está na falta de compreensão por parte das engenharias de trânsito e de outras autoridades quanto à importância da bicicleta”. Além de ciclovias, teria que se investir em acessos e lugares para deixar estes veículos em estações de trens. Porém, o problema não se restringe ao transporte, e se estende ao planejamento urbano. “Devem coexistir no mesmo espaço trabalho e moradia, para evitar viagens desnecessárias. O aumento do solo misto pode reduzir em 30%, a média de quilômetros/dia de viagens de automóvel por pessoa”, segundo Linke.

A ampliação do sistema de trens é outro desafio. Segundo um balanço do setor metro-ferroviário, o aumento do número de passageiros não é proporcional ao crescimento da rede, o que provoca superlotações. Trens e metrôs transportaram em 2012 cerca de nove milhões de passageiros por dia, 3,8% mais do que em 2011. Para este ano, calcula-se que o aumento será de 10%, o que implica maior necessidade de investimento, superior às obras em marcha ou planejadas.

Paralelamente, segundo Linke e Lobo, é necessário desestimular o uso do automóvel, por exemplo, limitando estacionamentos ou restringindo sua circulação em horários de maior movimento de pessoas. De outra forma, brinca Lobo, a segurança do trânsito não será mais um problema para os ciclistas. “Se nada for feito, em poucos anos será superseguro pedalar entre automóveis completamente parados em engarrafamentos”, previu. Envolverde/IPS