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Maconha, das sombras para os laboratórios

Planta feminina de cannabis. Foto: Bokske/cc by 3.0
Planta feminina de cannabis. Foto: Bokske/cc by 3.0

Cidade do México, México, e Montevidéu, Uruguai, 25/9/2013 – Na América Latina, onde a maconha é a droga ilícita mais consumida, é nula a pesquisa sobre seus efeitos e suas propriedades. Contudo, novos ares de legalização no Uruguai e na capital do México abrem a porta para estudos nessa área. “Não podemos fechar os olhos para a pesquisa séria em outras partes do mundo”, disse à IPS o cientista Rodolfo Rodríguez, do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina da estatal Universidade Nacional Autônoma do México.

Rodríguez, que há 45 anos estuda diferentes substâncias psicotrópicas, é um dos seis especialistas do Grupo de Maconha e Saúde da Academia Nacional de Medicina que finaliza uma pesquisa teórica sobre os efeitos medicinais e terapêuticos da Cannabis sativa. Um dos interesses de Rodríguez é conhecer seus efeitos em doenças crônicas ou terminais, como fibromialgia, esclerose múltipla ou determinados tipos de câncer.

Os resultados deste trabalho, que estão previstos para entre outubro e novembro, chegarão ao debate que as autoridades da capital mexicana realizam com vistas a legalizar usos medicinais da maconha. O governo esquerdista de Miguel Mancera e a Assembleia Legislativa da Cidade do México avaliam os aspectos sanitários, econômicos e de segurança.

Segundo os especialistas, no México são cultivadas principalmente as variedades zorrilluda, rabo de cordeiro, fezes de macaco e acapulco golden, preferida nesse país, nos Estados Unidos e na Europa. Todas são ricas em delta-9 tetrahidrocannabinol (THC), principal agente psicoativo da maconha, concentrado na flor e nas folhas jovens. “É uma planta com mais de 400 substâncias químicas e mais de 70 canabinoides. Quando consumida, os efeitos não se devem apenas ao delta-9, mas ao conjunto de todos os produtos químicos”, explicou Rodríguez.

A maconha é cultivada principalmente em Estados do leste e sul do México, em grande parte para abastecer o mercado norte-americano. Dezenas de milhares de camponeses, agricultores e trabalhadores rurais se dedicam ao seu plantio. Seus quatro milhões de consumidores a tornam a droga ilegal mais consumida neste país de 118 milhões de habitantes, seguida da cocaína, segundo a Pesquisa Nacional de Vícios 2011 do Ministério da Saúde.

Também no Uruguai é de longe a droga ilícita preferida, com uma prevalência de 8,3% no total da população, e quase toda é traficada do exterior, especialmente do Paraguai. O consumo não é penalizado neste país de 3,3 milhões de habitantes, e um projeto de lei para legalizar e regular a produção e o comércio foi aprovado pela Câmara dos Deputados e se espera que em breve se converta em lei no Senado, com os votos do bloco da governante Frente Ampla, de esquerda.

A cada ano são publicados mais de seis mil artigos científicos sobre as propriedades e os efeitos da maconha em revistas especializadas do mundo, reflexo de um efervescente interesse. Assim, para a bióloga uruguaia Cecilia Scorza, pesquisadora-assistente do estatal Instituto de Pesquisas Biológicas Clemente Estable, “não seria lucrativo trabalhar em algo que há muito se trabalha”, pois não se trata de uma linha de estudo “original”.

Na maconha “pode haver diferenças na quantidade do princípio ativo, mas continua sendo o mesmo e os efeitos também”, afirmou Scorza à IPS. O exemplo oposto é a “pasta base”, subproduto variável da elaboração de cocaína de grande potencial daninho para a saúde. Seu impacto regional e o desconhecimento científico a converteram em um objeto apreciado de estudo.

“Começamos a pesquisar em 2005” a composição química e suas ações farmacológicas no sistema nervoso central, disse Scorza. Mas a bióloga reconhece que seria original investigar a composição da maconha que começa a ser produzida e a circular no Uruguai, “pois daria uma noção do que as pessoas vão consumir no contexto da nova lei”.

A psicóloga Gabriela Olivera, assessora técnica da Secretaria Nacional de Drogas do Uruguai, não tem dúvidas de que a pesquisa é imprescindível para dar segurança a quem for consumi-la. O projeto de lei prevê “a informação e educação que permitirá saber, por exemplo, a uma pessoa em determinada condição de saúde que consumir maconha, que entre uma e outra quantidade há um princípio ativo que poderá lhe trazer benefícios, mas também poderá ter consequências negativas”, indicou à IPS. Para testar uma substância psicoativa, até agora é necessária autorização da Secretaria Nacional de Drogas que, como exceção, fornece uma certa quantidade de droga apreendida. “Isso não permite uma pesquisa sistematizada”, explicou a psicóloga.

A lei que se discute no parlamento uruguaio criará o Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (Ircca), que terá entre suas tarefas assessorar o governo em matéria de cooperação técnica e no fornecimento de evidência científica. Essa evidência se refere “a todos os aspectos, desde a composição da maconha que será vendida até os efeitos nas pessoas e segundo seus diferentes usos, medicinais ou recreativos”, detalhou Olivera.

Além disso, o Instituto Técnico Forense, o laboratório da Polícia Técnica e a estatal Faculdade de Química elaboram um protocolo de estudo sobre a potência do THC e de outros componentes da maconha que hoje é traficada ilegalmente, informou à IPS o diretor do Observatório Uruguaio de Drogas, Héctor Suárez. As pesquisas sobre as variedades que serão produzidas e colocadas à venda de forma legal serão regulamentadas uma vez criado o Ircca, acrescentou.

Na Cidade do México, apesar da legalização do uso medicinal, isso não significa que os pacientes poderão receber prescrições da noite para o dia, alertou Rodríguez. “Não estamos preparados para essas funções. Temos o conhecimento e a infraestrutura, mas implica um processo educativo nas instituições de saúde”, afirmou. O tratamento com maconha “não pode estar ao alcance de qualquer médico, e seu aprendizado pode demorar meses ou anos”, ressaltou. Envolverde/IPS