Ambiente

Matança intencional e manuseio inadequado de albatrozes em pescarias representam uma preocupante ameaça 

Cientistas do Projeto Albatroz contribuíram para o estudo internacional e explicam que a intensificação do trabalho de educação ambiental é a chave para mudar este quadro

A captura incidental de albatrozes e petréis em pescarias de espinhel é uma das principais causas dos declínios populacionais que ameaçam 15 das 22 espécies de albatrozes com a extinção. Apesar dos avanços para a compreensão e mitigação da mortalidade de aves marinhas durante a largada do espinhel, a sobrevivência daquelas capturadas vivas, relacionada aos procedimentos para retirada do anzol, bem como a matança intencional de aves em alto-mar, são ainda pobremente documentadas e pouco compreendidas globalmente. Um estudo recente liderado pelo coordenador científico do Projeto Albatroz, Dr. Dimas Gianuca, com a colaboração de 12 pesquisadores de três países, além do Brasil (Argentina, Uruguai e Reino Unido), lança luz sobre a ocorrência e magnitude destes impactos no Oceano Atlântico.

O estudo, intitulado ‘Intentional killing and extensive aggressive handling of albatrosses and petrels at sea in the southwestern Atlantic Ocean’ (Matança intencional e manuseio agressivo de albatrozes e petréis no Oceano Atlântico Sudoeste), publicado no renomado periódico científico Biological Conservation, apresenta dados coletados por observadores de bordo sobre a matança intencional de albatrozes e petréis por tripulantes de barcos de pesca brasileiros, e uma série de 46 de registros, ao longo de 20 anos, em águas brasileiras, uruguaias e argentinas, de aves com o bico decepado, resultado de procedimentos inadequados de manuseio de aves capturadas vivas.

Durante o recolhimento dos anzóis em pescarias de espinhel ou outras pescarias oceânicas com linha e anzol, as aves acabam fisgadas ao tentar comer as iscas e são trazidas a bordo vivas, e sua sobrevivência depende de procedimentos cuidados para a retirada do anzol, visando tanto a segurança do pescador (evitar bicadas) quanto a integridade da ave.

Em quatro ocasiões diferentes, tripulantes de diversos barcos de pesca de vara e isca viva foram observados agredindo albatrozes e petréis na tentativa de evitar que aves comessem as iscas lançadas ao mar. Foram registradas 16 aves mortas ou feridas em decorrência dessa prática, incluindo quatro espécies (sendo duas globalmente ameaçadas de extinção).

Ameaça extensiva

Por falta de uma coleta de dados padronizada sobre este tipo de ocorrência a bordo dos barcos, os especialistas temem que o número de mortes decorrentes do manejo incorreto das aves seja ainda maior. De acordo com o Dr. Dimas Gianuca, a ocorrência de aves mutiladas ao longo de 20 anos sobre uma vasta extensão geográfica evidenciam que esta prática é recorrente e empregada por diversas embarcações. Ademais, a matança intencional e o manejo agressivo de aves capturadas vivas permanecem em grande parte não documentadas porque quando os observadores estão a bordo, essas práticas provavelmente cessam.

“Há diversos tipos de pescarias de linha e anzol que resultam em captura incidental de aves marinhas vivas. Nestes casos, a sobrevivência dessas aves está, literalmente, nas mãos dos pecadores”, comentou. “Além disso, com a gravidade de algumas lesões, é impossível determinar se os albatrozes e petréis são capazes de continuar vivendo e se alimentando normalmente após o manejo – o que requer pesquisas ainda mais detalhadas sobre o assunto.”

Gianuca explica que apesar de estar claro que estas aves são mutiladas por pescadores durante procedimentos inadequados para retirada do anzol, não é possível afirmar quais pescarias ou frotas são responsáveis por essas ações. Isto porque albatrozes e petréis possuem uma imensa área de vida. Essas aves são capazes de percorrer até 1000 km em um único dia, e interagem com diversas pescarias desde regiões subantárticas até águas subtropicais, incluindo frotas de diversos países em águas internacionais.

Importância para a biodiversidade

Os albatrozes e petréis são aves subantárticas que passam a maior parte da vida em alto-mar, retornando às ilhas de reprodução a cada um ou dois anos para reencontrar seu parceiro e cuidar de um novo filhote até que esteja pronto para voar sozinho. Além de terem uma envergadura que pode ultrapassar os três metros de uma ponta da asa à outra, também são capazes de viver e se reproduzir por mais de 65 anos.

É raro avistá-las perto da costa, pois viajam longas distâncias em busca das melhores áreas para alimentação e reprodução. Algumas delas chegam a voar milhares de quilômetros por dia aproveitando as correntes de vento. Por serem animais de topo de cadeia alimentar, não possuem predadores, e a diminuição da sua população pode representar grandes danos à biodiversidade a longo prazo.

Soluções possíveis

De acordo com o Dr. Dimas Gianuca, ações coordenadas por organismos internacionais e autoridades nacionais são urgentemente necessárias para enfrentar este tipo de ameaça, incluindo o aumento da observação no mar, ações de fiscalização e campanhas visando melhores práticas de manejo entre os pescadores.

Neste sentido, o Projeto Albatroz vem realizando há 30 anos o trabalho de educação ambiental de pescadores diretamente nos portos pesqueiros. “É fundamental intensificarmos os esforços de educação ambiental e capacitação de pescadores para que eles sejam capazes de realizar um manejo adequado das aves caso elas venham a ser capturadas vivas”, reforça a coordenadora geral e fundadora do Projeto Albatroz, Tatiana Neves.

“Estamos nos preparando para produzir materiais informativos para orientar a frota pesqueira nacional e para realizar uma série de encontros e rodas de conversas com os pescadores nos portos do sul e sudeste, onde atuamos neste momento.” Os folders vão ensinar a fazer o manejo adequado das aves principalmente quando elas são capturadas vivas, ensinando a retirar os anzóis de aves capturadas vivas, de forma a aumentar as chances de sobrevivência pós-captura, ao mesmo tempo em que preserva a segurança do pescador.

A instituição também está organizando ações de sensibilização e assessoramento técnico voltados aos pescadores do Sudeste e Sul do Brasil visando a conservação das aves marinhas, utilizando uma metodologia de abordagem barco a barco.

Trabalho em evolução

Desde 2006, o Projeto Albatroz conta com o apoio do Albatross Task Force (ATF), uma força-tarefa internacional de observadores de bordo financiada pela Royal Society for the Protection of Birds (RSPB). Além de conduzirem pesquisas nos navios e coletarem dados da população de aves, eles também trabalham junto dos pescadores para orientá-los sobre o manejo dos animais e medidas mitigadoras da captura incidental.

Entre elas, existe o uso do toriline, que é uma fita colorida que espanta as aves em alto-mar como um espantalho, impedindo que cheguem perto do barco de pesca. A largada noturna dos anzóis também previne a captura, uma vez que as aves não buscam ativamente por alimento durante a noite. Já o regime de peso prevê que os barcos adicionem pequenos pesos à linha de pesca para fazer com que ela afunde mais rapidamente, diminuindo as chances de uma ave alcançar a isca.

Mais recentemente, o Projeto Albatroz está testando o hookpod, um dispositivo que aprisiona a isca dentro de uma cápsula que só é liberada a uma profundidade segura de mais de dez metros de profundidade, quando as aves já não são capazes de alcançá-la. O dispositivo, segundo Tatiana Neves, está se mostrando bastante eficaz nos testes feitos no Brasil.

Projeto Albatroz

Reduzir a captura incidental de albatrozes e petréis é a principal missão do Projeto Albatroz, que tem o patrocínio da Petrobras. O Projeto é coordenado pelo Instituto Albatroz – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que trabalha em parceria com o Poder Público, empresas pesqueiras e pescadores.

A principal linha de ação do Projeto, nascido no ano de 1990, em Santos (SP), é o desenvolvimento de pesquisas para subsidiar Políticas Públicas e a promoção de ações de Educação Ambiental junto aos pescadores, jovens e às escolas. O resultado deste esforço tem se traduzido na formulação de medidas que protegem as aves, na sensibilização da sociedade quanto à importância da existência dos albatrozes e petréis para o equilíbrio do meio ambiente marinho e no apoio dos pescadores ao uso de medidas para reduzir a captura dessas aves no Brasil.

Atualmente, o Projeto mantém bases nas cidades de Santos (SP), Itajaí e Florianópolis (SC), Itaipava (ES), Rio Grande (RS) e Cabo Frio (RJ).

Mais informações: www.projetoalbatroz.org.br

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