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Medo, tiroteios e saques na capital da República Centro-Africana

O presidente François Zobizé (de terno) foi derrubado no dia 24 por um golpe de Estado. Foto: Kayikwamba/CC by 2.0

Brazzaville, República do Congo, 28/3/2013 – A insegurança ainda reina na República Centro-Africana apesar de Michel Djotodia, líder da aliança rebelde Séléka e autoproclamado presidente do país, ter prometido criar uma “brigada vermelha” para deter os saques e a violência. “Não estamos seguros, ainda mais depois que os rebeldes tenham imposto um toque de recolher em Bangui. Há tiroteios por todos os lados, o que nos assusta e aos nossos filhos”, disse à IPS Bibi Mengbi, moradora da capital centro-africana.

Em Bangui, os cortes de água e eletricidade são frequentes desde o dia 24, quando os rebeldes tomaram o poder. “Há menos jovens armados disparando para o ar e saqueando, mas a tensão continua grande. François Bozizé (ex-presidente) distribuía armas entre grupos de jovens”, disse à IPS o jornalista John Mourassen, também da capital.

Djotodia declarou nula a Constituição e dissolveu o parlamento no dia 24. A União Africana condenou o golpe de Estado e suspendeu a República Centro-Africana da organização regional, além de emitir uma proibição de viagens a esse país e congelar as contas bancárias de sete líderes da Séléka, incluindo o autoproclamado presidente.

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) também condenou a suspensão das instituições centro-africanas e fez um chamado pelo regresso da ordem constitucional. Em sua primeira declaração oficial, no dia 25, em Bangui, Djotodia prometeu respeitar o Acordo de Libreville, pacto de paz assinado em janeiro entre os rebeldes e o governo de Bozizé.

A Séléka, coalizão de grupos insurgentes, lançou em dezembro sua ofensiva contra Bozizé. Djotodia também se comprometeu a manter no gabinete Nicolas Tchangaye, primeiro-ministro do governo de unidade criado após o pacto de janeiro. O novo presidente também disse que realizará eleições em menos de três anos. O Acordo de Libreville estabelece eleições parlamentares em 2014 e presidenciais em 2016, ao fim do segundo mandato de Bozizé.

O pacto também determina que os atuais líderes do governo de transição (o presidente e os ministros) não podem se candidatar. Agora, surgem dúvidas se os rebeldes respeitarão esta cláusula. Segundo Jean Kinga, advogado em Brazzaville, o autoproclamado presidente provavelmente violará as disposições legais. “Suspendeu todas as instituições legislativas e judiciais, e assim tem liberdade para fazer o que bem entender. Pode adotar represálias contra membros do antigo regime”, disse à IPS. Porém, para ganhar a confiança do povo, Djotodia precisa unir todas as partes, “particularmente o setor de Bozizé e a oposição política”, afirmou Mourassen.

Nos dias 23 e 24, os rebeldes tomaram o controle da capital, diante da inércia da Força Multinacional da África Central (Fomac). Esta força, comandada pelo general congolense Guy Pierre García, não participou de nenhum combate durante a tomada de Bangui. Na verdade, a Fomac teria sido atacada pelo próprio exército centro-africano, leal a Bozizé, que fugiu da capital e se refugiou em Camarões. Sua família estaria na República Democrática do Congo.

As relações entre Bozizé e o presidente da Comunidade Econômica dos Estados da África Central, o mandatário do Chade, Idriss Deby, esfriaram desde maio de 2012. O então chefe de Estado centro-africano rejeitou o conselho de Deby de promover um diálogo com seus opositores. Quinhentos soldados chadianos que apoiavam o governo de Bozizé se retiraram da República Centro-Africana em outubro de 2012, depois que o mandatário os acusou de cometerem atrocidades.

Bozizé foi também abandonado por outros governos da África central e optou por pedir proteção militar à África do Sul. As forças sul-africanas enviadas para proteger o governo de Bozizé perderam pelo menos 13 soldados em combates com os rebeldes. Djotodia acusou Bozizé de se tornar cada vez mais autoritário e de renegar o Acordo de Libreville, patrocinado pelo presidente da República do Congo, Denis Sassou Nguesso, mediador na crise.

Jonas Mokpendiali, morador de Bangui desde 2003, disse se preocupar com o futuro de seu país. “Nada parece mudar (Jean-Bédel) Bokassa foi derrubado, Andre Koligba foi derrubado, (Ange-Félix) Patassé foi derrubado, e agora foi a vez de Bozizé, que pensava ser o dono de Bangui com sua brutal ditadura”, disse à IPS. Gabriel Mialoundama, sociólogo da Universidade de Brazzaville, disse que os últimos acontecimentos em Bangui são parte de uma longa crise política.

“Desde que chegou ao poder, Bozizé não uniu a população. Sua estratégia foi excluir seus oponentes, particularmente o presidente Patassé”, que morreu em 2011, disse Mialoundama à IPS. “Se Djotodia trabalhar duro por uma nova Constituição e colocar ordem na casa da República Centro-Africana, organizando eleições nas quais não seja candidato, então terá prestado um grande serviço ao país”, acrescentou, otimista.  Envolverde/IPS