Política Pública

Mercado interno é a resposta para Trump

Por Emilio Godoy, da IPS – 

Cidade do México, México, 6/2/2017 – Enquanto nas altas esferas do México se estuda como enfrentar a agressiva política contra o país por parte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, os cidadãos já puseram mãos à obra com uma resposta concreta: impulsionar a produção para o mercado interno. Ala Avelar, especialista em marketing digital, impulsiona uma dessas iniciativas surgidas ao calor dos anúncios do Trump, de restrições aos produtos mexicanos e revisão do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN), por considerá-lo “uma catástrofe” para os Estados Unidos.

Quem tem um negócio? Sabem o que fazem?”, pergunta Avelar, microfone na mão, em um salão lotado, certa noite do início deste mês, enquanto pelas mesas circulam pratos tradicionais do Estado mexicano de Oaxaca, e mezcal, um destilado típico do país. “Queremos que ofereçam seus serviços na plataforma. Se nos aproximarmos dos produtores, não precisaremos de intermediários. Sabemos criar sites, blogs, vídeos. Podemos capacitar os produtores para que vendam”, ressaltou à IPS.

Foi a primeira sessão formal do coletivo Lo Nacional, fundado por Avelar e mais três colegas no início de janeiro para incentivar o mercado doméstico. Trata-se de uma das muitas respostas que surgem estes dias no México, diante das agressões e ameaças contra o país por parte de Trump, desde que chegou à Presidência, em 20 de janeiro. Essas iniciativas, de olhar para o mercado interno, seguem em paralelo com a convocação de boicote ao consumo de produtos de grandes transnacionais norte-americanas, como Coca-Cola ou Walmart, que até agora não se concretizou.

Trump pretende renegociar o TLCAN, vigente desde 1994 e que também inclui o Canadá, e ameaçou impor uma taxa de 20% às exportações mexicanas que chegarem ao seu país, para financiar a construção de um muro de 3.200 quilômetros na fronteira entre México e Estados Unidos. Diante da implosão do modelo de livre comércio imperante nas três últimas décadas, a pergunta do momento no México é como fortificar um mercado doméstico deslocado pela política de liberalização do intercâmbio.

O próprio presidente, Enrique Peña Nieto, relançou, no dia 1º, a campanha Feito no México, surgida em 2009 durante a administração anterior. Dessa vez, a modalidade prioriza a facilitação do comércio exterior. Além disso, anunciou o processo formal de consulta para a revisão do TLCAN com duração de 90 dias, simultaneamente a um processo similar iniciado nos Estados Unidos. Devido à sua proximidade e ao TLCAN, os Estados Unidos são o principal sócio comercial do país.

O México se concentrou, nos últimos 20 anos, em sua relação com Washington, em detrimento à sua ligação com outros países, com saldo de uma balança comercial pouco diversificada e também deficitária. Segundo dados oficiais preliminares, nos primeiros 11 meses de 2016, o México exportou um total de US$ 340,697 bilhões, dos quais US$ 275,858 bilhões para os Estados Unidos. As importações, porém, totalizaram US$ 353,860 bilhões, sendo US$ 163,719 bilhões procedentes do vizinho do norte.

O TLCAN deixou lucro para os setores de maquiagem têxtil (fábricas instaladas por empresas internacionais em um país para produzir ou montar para exportação), tecnológico, automotivo e de agroexportação, mas, por outro lado, colocou no vermelho setores fundamentais como agricultura, segundo diversas análises. “Em 30 anos, não conseguimos articular cadeias nacionais de valor agregado. Além disso, não conhecemos a demanda interna existente porque carecemos de um sistema de pesquisa comercial”, apontou Ignacio Martínez, coordenador do Laboratório de Análises em Comércio, Economia e Negócios da estatal Universidade Nacional Autônoma do México.

A pequena agricultura, um dos setores mais atingidos pelo Acordo de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN), pode se beneficiar com o apoio dos mexicanos à produção nacional. Na foto, um mercado dominical de produtos orgânicos no oeste da Cidade do México. Foto: Emilio Godoy/IPS

 

Dados desse centro mostram que o setor exportador, primordialmente a manufatura, representa 32,12% do produto interno bruto (PIB), mas apenas 17% da produção manufatureira teve conteúdo nacional e a porção restante se baseia em insumos importados. Além disso, as regiões centro e norte contribuem com a maioria da massa exportadora, enquanto sul e sudeste, as mais deprimidas do país, pouco contribuem para essas atividades.

Martínez pontuou à IPS que são essas faixas meridionais que mais oferecem oportunidade produtiva e de emprego. Dos 5,1 milhões de empresas existentes no país, com 122 milhões de habitantes, somente entre 35 mil e 37 mil se voltam à exportação. Das oito grandes cadeias de valor existentes, a produção de automóveis e autopeças concentra 63% da atividade exportadora, enquanto o restante se divide entre os setores de eletrônicos, têxtil, farmacêutico e agroalimentação, entre outros.

A economia mexicana enfrenta ventanias, pois a projeção de crescimento para este ano gira em torno de 2% ou menos, e a confiança na economia vem baixando desde 2016. O Centro de Estudos das Finanças Públicas da Câmara de Deputados (CEFP) alertou, no dia 24 de janeiro, que o consumo no mercado interno “pode continuar enfraquecendo”, pois o Índice de Confiança do Consumidor mantém uma tendência de baixa. O CEFP afirmou que a confiança do consumidor “vem sendo corroída e apresenta 11 meses de reduções consecutivas”.

Além de reimpulsionar o Feito no México e abrir o processo de revisão do TLCAN, o governo negocia o “acordo agrário com justiça social para o campo mexicano” com as não governamentais Congresso Agrário Permanente, Frente Autêntica do Campo, e Movimento O Campo é de Todos. Esse acordo inclui dez pontos sobre posse da terra, fomento à produtividade agrícola, mecanismos de capacitação e apoio à produção.

Cerca de quatro milhões de unidades econômicas são familiares, formadas por pequenos produtores, que geram mais de 40% dos alimentos e 57% do emprego rural. “Queremos atrair mais gente. Temos que fazer com o que temos e o que sabemos”, destacou Avelar. Para Martínez, deve-se criar um censo de empresas, e fortalecer a cadeia de distribuição interna e os pequenos e médios empreendimentos.

Devido ao livre comércio, o melhor do abacate, do abacaxi e do café, para citar três exemplos significativos, foi dirigido à exportação, segundo estudos do setor. Agora se começa a ver com melhor olhos o mercado interno. Envolverde/IPS