Sociedade

Mortalidade materna agravada pelo HIV, uma cruel realidade na África

Segundo um provérbio africano, “toda mulher que dá à luz tem um pé na cova”. É hora de esta máxima se converter em um dado histórico e deixar de ser uma realidade. Foto: Mercedes Sayagues/IPS
Segundo um provérbio africano, “toda mulher que dá à luz tem um pé na cova”. É hora de esta máxima se converter em um dado histórico e deixar de ser uma realidade. Foto: Mercedes Sayagues/IPS

 

Nairóbi, Quênia, 30/6/2014 – Um provérbio africano diz que cada mulher que dá à luz tem um pé na cova. Infelizmente, esse provérbio vigora, em especial no contexto da pandemia da aids neste continente. Apesar dos grandes avanços na prevenção da transmissão do HIV, causador da aids, de mãe para filho na África, preocupa os especialistas o fato de não melhorarem outras variáveis necessárias para eliminar as causas da mortalidade materna derivadas do HIV/aids.

Hoje e amanhã, especialistas em saúde, autoridades e ativistas se reunirão na cidade sul-africana de Johanesburgo para o Fórum de Sócios do Plano de Ação para a Saúde Integral de Mulheres e Crianças. Evitar gravidez não desejada em mulheres com HIV, bem como oferecer-lhes anticoncepcionais, são alguns dos problemas que ainda não foram solucionados. Outra coisa é conseguir uma maternidade mais segura para todas.

A proporção de grávidas com HIV que morrem é muito maior do que entre as que não têm o vírus, disse à IPS Mary Pat Kieffer, diretora da Fundação Pediátrica Contra a Aids Elizabeth Glaser. O risco de morrer por causas relacionadas com a gravidez é seis a oito vezes maior para as mulheres com HIV do que para as que não têm o vírus. Numerosos estudos mostram que o HIV aumenta a mortalidade materna de forma direta pelo avanço da doença, e indireta pela maior ocorrência de anemia, septicemia e outros problemas relacionados com a gravidez.

Essa é uma notícia muito ruim porque, só na África do Sul, cerca de 310 mil mulheres soropositivas deram à luz em 2012, e 110 mil em Moçambique, segundo dados do Programa Conjunto das Nações Unidas contra o HIV/aids (Onusida). Todas as mulheres com HIV, estejam ou não recebendo antirretrovirais, são mais vulneráveis a sofrer septicemia e ter anemia porque seu sistema imunológico está comprometido.

Mas Kieffer afirmou que os medicamentos melhoram suas defesas e as protegem das infecções. Outro problema é que as grávidas se infectam muito mais do que as que não estão, destacou. Os especialistas atribuem isso às mudanças biológicas que ocorrem no sistema reprodutor feminino, como o maior volume de sangue e as alterações hormonais.

Nos países da África austral, “cerca de 55 das mulheres que não tinham o HIV durante o segundo trimestre de gravidez deram positivo até o final da mesma ou enquanto amamentavam”, pontuou Kieffer à IPS, acrescentando que a prevenção da transmissão do vírus de mãe para filho é fundamental para reduzir a mortalidade materna, mas “a luta contra o HIV é mais do que injetar antirretrovirais”.

Na África do Sul, onde cerca de duas em cada dez pessoas entre 15 e 49 anos têm o HIV, a cobertura universal para evitar a transmissão de mãe para filho não consegue impedir que a doença ainda seja responsável por seis em cada dez casos de mortalidade materna em 2012, segundo a Onusida. No Lesoto, com taxa de infecção por HIV de 23%, quatro em cada dez casos de mortalidade materna são atribuídos a complicações vinculadas à gravidez ou ao parto. No Malawi, a proporção cai para três em cada dez, com taxa de infecção de 11%.

Naseem Awl, especialista em HIV do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Lesoto, disse à IPS que “há muito por fazer, além de fornecer medicamentos, como assegurar que as mulheres dêem à luz em centros de saúde”. As estatísticas do Unicef mostram que na África oriental e austral apenas quatro em cada dez grávidas têm seus filhos com assistência de profissionais capacitados. No Lestoto, embora nove em cada dez mulheres grávidas tenham feito pelo menos uma consulta pré-natal, mais da metade não recebe atenção qualificada durante o parto. Moçambique tem situação semelhante, e cerca de 110 mil mulheres com HIV deram à luz em 2012.

Kieffer acredita que é preciso repensar a estratégia para evitar a transmissão de mãe para filho, “não só como forma de evitar que o bebê se contagie, mas porque faz parte essencial da atenção à saúde materno-infantil que todas as mulheres devem receber”. Também pediu melhorias nos serviços de saúde e nas atitudes do pessoal sanitário. “Uma grande quantidade de trabalhadores da saúde acredita que as mulheres com HIV não deveriam engravidar”, afirmou. A consequência disso é que muitas chegam tarde à consulta pré-natal ou dão à luz em suas casas.

Atender as gravidezes não desejadas entre mulheres de 15 a 24 anos é outro elemento a considerar porque têm entre duas e quatro vezes mais probabilidades de se infectarem do que os homens da mesma idade. A maior incidência do HIV ocorre no grupo entre 19 e 24 anos, “quando as pessoas são sexualmente ativas e não costumam ter companhia estável. Também é quando as mulheres engravidam pela primeira vez”, pontuou Kieffer.

As duas principais causas de morte das jovens são complicações durante o parto e o HIV, segundo o Fundo de População das Nações Unidas. Por seus corpos não estarem totalmente maduros, sofrem mais problemas durante a gravidez e têm maior risco de se infectarem com o vírus da aids. “As jovens que não têm experiência com o sistema de saúde, podem demorar a perceber que estão grávidas e temer ir à clínica”, disse Kieffer. “São emocionalmente mais imaturas e com menos probabilidade de terem um companheiro que possa ajudá-las e dar apoio emocional, seja pela gravidez ou por terem HIV”, destacou.

Além disso, afirmou Kieffer, o pessoal de saúde não trata bem as jovens ou não têm tempo para lhes dar informação adicional e o apoio necessário. No entanto, a grande necessidade de anticoncepcionais é outro enorme desafio. No Lesoto não há suficiente serviço de planejamento familiar, segundo a Onusida. E, mesmo quando há disponibilidade de anticoncepcionais, “as clínicas que administram os antirretrovirais estão lotadas e se negam a insistir no planejamento familiar porque não têm capacidade”, acrescentou.

Chewe Luo, assessora para HIV do Unicef, disse à IPS que o novo tratamento com antirretrovirais com um só comprimido por dia para as mulheres grávidas com HIV “terá um forte impacto na mortalidade materna e infantil em decorrência da aids”.

Se forem fortalecidos todos os elementos necessários para melhorar a maternidade materna, o provérbio africano passará para a história. Envolverde/IPS

Porcentagem de mortalidade materna atribuída ao HIV

Namíbia 59%

Zimbábue 39%

Zâmbia 31%

Malawi 29%

Moçambique 27%

Quênia 20%

Costa do Marfim 17%

Camarões 10%

Burundi 7%

Fonte: Informe de Avanços na luta contra a aids 2012, Onusida.