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Mulheres afegãs costuram um futuro melhor no Paquistão

Viúvas e órfãs afegãs no Paquistão têm poucas opções de trabalho, mas uma organização não governamental as ensina a costurar e a bordar para que possam ganhar a vida. Foto: Najibullah Musafer/Killid
Viúvas e órfãs afegãs no Paquistão têm poucas opções de trabalho, mas uma organização não governamental as ensina a costurar e a bordar para que possam ganhar a vida. Foto: Najibullah Musafer/Killid

 

Peshawar, Paquistão, 15/01/2015 – Aos 46 anos, Nasima Nashad teve que refazer sua vida, não por escolha, mas por necessidade. Tinha apenas 25 anos quando sua família fugiu de Cabul e se refugiou no Afeganistão, quando a organização radical islâmica Talibã assumiu o controle de seu país, consciente de que seria um regime brutal.

“Meu pai ficou para cuidar do pequeno negócio e mandava dinheiro todos os meses”, contou Nashad à IPS. “Com isso alimentava a família de sete membros e pagávamos o aluguel de nossa casa em Peshawar”, acrescentou, se referindo a esta capital da província paquistanesa de Jyber Pajtunjwa.

Mas, em 1999, “sem motivo algum”, o Talibã matou seu pai, segundo contou. Desde então, a sobrevivência da família se tornou uma luta diária. Seus três irmãos, de 12, 14 e 15 anos conseguiram trabalho em hotéis locais, embora recebessem uma miséria. Nashad, por sua vez, só conseguia empregos esporádicos, que permitiam apenas a sobrevivência. Ela precisava de um trabalho de tempo integral, e melhor ainda se pudesse trabalhar em casa e garantir uma renda regular.

Agora, o que parecia um sonho impossível está perto de se tornar realidade, graças aos esforços de um centro vocacional criado pela Organização de Mulheres Afegãs, com sede nesta cidade. “Aprendi a costurar e a bordar e logo abrirei minha própria oficina de costura em casa. Algumas das mulheres que já participaram da capacitação estão me ajudando”, afirmou Nashad.

Ela é uma das milhares de mulheres, todas de famílias prejudicadas pela guerra, que aprenderam a bordar e costurar nos últimos cinco anos. Cada uma tem sua história. Gul Pari, de 14 anos, por exemplo, chegou a Peshawar procedente do Afeganistão há sete anos. Como diarista, seu pai mal conseguia manter a família e não teve outra alternativa a não ser a de deixar suas filhas jovens saírem para trabalhar.

Atualmente, Gul e sua irmã mais nova, Jamila, são proprietárias de uma pequena oficina de costura em sua casa, onde fazem conserto de roupas. Continuam vivendo em uma pequena moradia de barro, mas pelo menos ganham o suficiente para alimentar bem toda a família.

Safoora Stanikzai, à frente da Organização de Mulheres Afegãs, afirmou que foram capacitadas cerca de quatro mil pessoas desde a fundação do centro, em 2010. “A maioria das atendidas era de viúvas ou órfãs que perderam os homens da família no Afeganistão e atravessavam sérias dificuldades econômicas aqui” em Peshawar, explicou à IPS.

A organização não tem espaço suficiente nem recursos, mas faz o que pode com o que tem. Ao final da capacitação, as mulheres recebem uma máquina de costura para começarem um negócio em suas casas.

Algumas mulheres afegãs ganham cerca de US$ 150 por mês graças a oficinas de costura no norte do Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Algumas mulheres afegãs ganham cerca de US$ 150 por mês graças a oficinas de costura no norte do Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

Stanikzai também convida mulheres que encontra mendigando nas ruas ou nos mercados e lhes oferece a possibilidade de recomeçar. Uma rara oportunidade nesta atribulada região, onde os civis costumam ficar no meio de enfrentamentos entre insurgentes e o exército e onde um grande número de refugiados disputa o espaço com a população local que já carece de moradia, emprego e alimentos suficientes.

Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), há 1,6 milhão de residentes afegãos “legais” no Paquistão, além dos dois a três milhões sem documentos que, se estima, cruzaram a porosa fronteira de 2.700 quilômetros de comprimento desde a invasão soviética do Afeganistão, em 1979.

As pessoas que fugiam do Afeganistão, e que passaram pelos vários pontos de entrada sem vigilância que há nas montanhas que formam o limite rochoso entre os dois países, foram bem recebidas por seus irmãos das Áreas Tribais sob Administração Federal (Fata) e da província de Jyber Pajtunjwa.

Mas, após a invasão do Afeganistão, liderada pelos Estados Unidos para expulsar o Talibã de Cabul e que fez com que muitos combatentes se refugiassem nas montanhas, gerando um aumento dos grupos armados operando impunemente nos territórios tribais, a mão irmã deixou de estar estendida. Muitos afegãos agora são marginalizados e considerados responsáveis pelos crescentes conflitos e delinquência na região.

Segundo Ahmed Rasool, professor de relações internacionais na Universidade de Cabul, os refugiados afegãos pobres não têm alternativa a não ser ficar no Paquistão, porque têm poucas, ou nenhuma, oportunidades econômicas em seu país. “As maiores vítimas do conflito, que dura três décadas, são as mulheres, pois perderam seus pais, maridos e outros homens da família e têm dificuldades para ganhar a vida”, destacou, em entrevista à IPS.

As viúvas e órfãs recém-chegadas se unem à onda de afegãos que fugiram do Afeganistão em 2001. Outras vivem aqui há anos e já consideram o Paquistão como seu país. A assistência humanitária que costumava ser abundante, agora diminuiu. As organizações internacionais e as agências de ajuda seguiram as forças estrangeiras em sua partida e abandonaram os refugiados afegãos.

Incapaz de cobrir as necessidades de sua própria população pobre no norte, o governo do Paquistão ofereceu pouca ajuda aos vizinhos, aos quais agora disseram que excederam o prazo de sua estadia. Nesse contexto, iniciativas como o centro vocacional de Stanikzai representa um oásis em um deserto hostil.

Shamira Ara, de 49 anos e que há cinco se capacitou no centro, chegou a este país em 1992, mas perdeu seu pai há seis anos por tuberculose. Agora ganha cerca de US$ 150 por mês graças ao que aprendeu no centro. É um salário decente num país onde a renda anual média é de US$ 1.250. Não encontrou marido, segundo disse, mas pelo menos pode alimentar seus quatro filhos e sonhar em ampliar seus negócios. Inclusive conseguiu ajudar outras cinco afegãs a criarem sua oficina e espera poder continuar ajudando outras compatriotas. Envolverde/IPS