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Mulheres costa-riquenhas buscam tirar o aborto terapêutico do limbo

Nos hospitais públicos da Costa Rica, como o Rafael Ángel Calderón, de São José, os médicos carecem de protocolos que regulem o aborto quando, por causas terapêuticas, é legal. Como resultado, os profissionais restringem ao máximo sua prática e deixam as mulheres sem o direito à interrupção da gravidez quando sua saúde corre perigo. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS
Nos hospitais públicos da Costa Rica, como o Rafael Ángel Calderón, de São José, os médicos carecem de protocolos que regulem o aborto quando, por causas terapêuticas, é legal. Como resultado, os profissionais restringem ao máximo sua prática e deixam as mulheres sem o direito à interrupção da gravidez quando sua saúde corre perigo. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS

Por Diego Arguedas Ortiz, da IPS

São José, Costa Rica, 24/6/2015 –A falta de uma regulamentação sobre como aplicar o aborto terapêutico na Costa Rica obriga as mulheres a dependerem da interpretação dos médicos sobre as circunstâncias em que esse procedimento pode ser realizado, mesmo nos casos em que é legal.

O artigo 121 do Código Penal da Costa Rica estabelece que o único aborto legal é apenas aquele feito por profissionais da medicina “a fim de evitar um perigo para a vida ou a saúde da mãe e que não pode ser evitado por outros meios”. Entretanto, na prática, as autoridades de saúde reconhecem unicamente o risco para a vida da mãe como causa para interromper a gravidez.

“O problema é que há muitas mulheres que atendem as condições deste artigo, e pedem o aborto terapêutico que lhes é negado com o argumento de que não há risco para sua vida”, contou à IPS a advogada Larissa Arroyo, integrante da organização Coletiva pelo Direito de Decidir. “Não é um problema de leis, mas da interpretação delas”, explicou a representante da organização defensora dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

Arroyo e outras ativistas defendem que a Costa Rica aceite nesse tema a definição de saúde da Organização Mundial da Saúde, um conceito associado ao bem-estar físico e mental das pessoas.

Na falta de maior clareza sobre como atender grávidas que pedem para realizar um aborto, muitos médicos dos hospitais públicos rechaçam realizar o procedimento, que pode ser punido com até três anos de prisão, e até mais se houver agravantes. “É complicado porque, na interação que temos com médicos e médicas, nos dizem: ‘veja, eu faria, mas não me permitem’”, disse Arroyo. Outros apresentam objeções de consciência, vinculadas ao peso conservador da dominante Igreja Católica e de outras religiões.

Na Costa Rica, o aborto é penalizado em todas as demais causas consideradas terapêuticas, como violação, incesto e má formação do feto, mas as ativistas destacam que, nesses casos, a saúde emocional da mulher é muito afetada. “Muitas não pedem a interrupção por acreditarem que é proibida. Se as mulheres acreditam nisso e também os médicos, não há quem exija os direitos”, afirmou Arroyo.

Isso deixa em situação crítica mulheres com Ana e Aurora, duas das costa-riquenhas que nos últimos dez anos estiveram grávidas de um feto que sabiam que não sobreviveria, mas que os médicos não permitiram abortar. No final de 2006, Ana engravidou e um exame médico após seis semanas de gestação revelou que o feto sofria encefalocele occipital, uma condição que provoca uma hérnia na zona craniana incompatível com a vida fora do útero.

Diante dessa certeza, ela, então com 26 anos, solicitou um aborto terapêutico e argumentou que gestar um feto sem possibilidades de sobrevivência lhe causava depressão e problemas psicológicos. Mas as autoridades médicas e a Corte Suprema de Justiça não aceitaram seus argumentos e, após sete horas de parto, sua filha nasceu morta.

A Coletiva e o Centro de Direitos Reprodutivos, com sede em Washington, levam o caso de Ana à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), bem como o de Aurora, que também reclama do Estado o fato de lhe ter negado seu direito ao aborto terapêutico.

Seu caso é muito semelhante. Em 2012, seu feto desenvolveu uma síndrome chamada abdômen parede, em que a parede abdominal fica aberta e os principais órgãos, como coração, fígado e intestinos, ficam expostos. Sem ter desenvolvido as pernas e com uma escoliose grave, seu filho morreu imediatamente após o parto.

O Comitê da Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Cedaw) afirmou, em 2011, que “preocupa o fato de as mulheres não terem acesso ao aborto legal, devido à falta de diretrizes médicas claras, que determinem quando e como pode ser feito um aborto legal”. Por isso, cobrou do Estado costa-riquenho a elaboração de diretrizes médicas sobre o acesso legal, que as divulgue amplamente, e também, estude a legalização do aborto em casos de violação e incesto.

Às pressões internacionais acaba de somar-se a nova juíza da Corte Interamericana de Justiça, com sede em São José, a costa-riquenha Elizabeth Odio. Ela afirmou que é “óbvio que se deve aplicar o aborto terapêutico que já está em nossa legislação”, em uma entrevista ao jornal local La Nación, no dia 20 deste mês. “Há médicos que acreditam ser um crime o aborto terapêutico e colocam em risco a vida da mulher”, destacou a juíza.

Em março, o ministro da Saúde, Fernando Llorca, admitiu que “surgiu o debate sobre a necessidade de se desenvolver uma norma de aborto terapêutico. A necessidade surgiu e o debate está no país”. As ativistas apostam em um protocolo que regula o aborto, estabelecido pela Caixa Costa-Riquenha do Seguro Social (CCSS), que rege o sistema público de saúde e maneja a prestação dos serviços sanitários, incluídos os hospitais. Mas seu avanço está parado desde 2009.

“Com a Coletiva e a CCSS trabalhamos por vários anos em um protocolo, mas as autoridades da Caixa, no momento de finalizar, o enviaram a outra instância e interveio a opinião pessoal de funcionários e funcionárias que passam mais pelo emocional do que pelo legal”, afirmou Ligia Picado, da Associação Demográfica Costarriquenha (ADC).

A ativista, integrante de uma das organizações da sociedade civil que mais de perto trabalha temas de direitos sexuais e reprodutivos, explicou à IPS que “a dificuldade é que não há protocolo ou uma lei que apoie o pessoal de saúde para implantar o direito das mulheres”. Para Picado,  o protocolo é especialmente urgente para as mulheres “que não têm recursos para ir a um serviço médico clandestino”, ao contrário de outras que contam com possibilidades de custear alternativas dentro ou fora do país para interromper uma gravidez que afete sua saúde física ou emocional.

Os dados sobre abortos neste país de 4,7 milhões de pessoas são mais do que exíguos. Segundo estimativas de 2007 da ADC, anualmente são feitos 27 mil abortos induzidos clandestinos, enquanto não há dados sobre os realizados legalmente em centros públicos ou privados.

Grupos da Assembleia Legislativa começaram a se mover para pressionar a CCSS a aprovar o protocolo e, no dia 17 deste mês, a Comissão Legislativa de Direitos Humanos enviou uma carta à presidente da Caixa. “Esperamos que chegue até às autoridades da CCSS a necessidade de emitir uma diretriz para que os médicos não possam alegar objeções de consciência e tenham que cumprir a normativa costa-riquenha”, disse à IPS a deputada opositora Patricia Mora, que promoveu a carta. Envolverde/IPS